Publicado em 17/03/2022 - 07:59 / Clipado em 18/03/2022 - 07:59
O que muda se a pandemia da COVID-19 for rebaixada para endemia?
Especialistas acreditam que a situação da doença no Brasil ainda exige cautela
Mariana Costa*
No início de março, o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, estuda rebaixar o status da COVID-19 no Brasil de pandemia para endemia, “em virtude da melhora do cenário epidemiológico”. Nessa quarta-feira (16/3), Bolsonaro voltou a falar do tema ao dizer que a portaria que prevê esse rebaixamento deve ficar pronta ainda neste mês.
“A ideia é que até o dia 31, é a ideia dele (Queiroga), passar de pandemia para endemia e vocês vão ficar livres da máscara em definitivo", afirmou o presidente, em entrevista à TV Ponte Negra, afiliada do SBT no Rio Grande do Norte.
A classificação foi determinada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Pandemia é o nível mais grave de disseminação de uma doença e a escala da OMS inclui ainda os termos endemia, epidemia e surto.
“A pandemia ocorre quando alguma doença, geralmente que não se conhecia antes, acomete grande parte do planeta. É um fenômeno global. Já a endemia é usada para doenças que existem de uma forma crônica, em alguns locais no país. Por exemplo, no Brasil, nós temos regiões endêmicas de esquistossomose, doença de Chagas”, explica o epidemiologista Geraldo Cunha Cury.
Cury afirma que a mudança de status da doença deve levar em consideração critérios técnicos. “Não é por decreto ou portaria que se muda de pandemia para endemia. É lamentável que se pense dessa forma. A OMS ontem já deixou bem claro que para a pandemia terminar é preciso que aconteça no mundo todo, não tem como acabar em um país e não no outro. Isso não existe, pois (a COVID) é uma doença de grande difusão. Não combinaram com os vírus.”
A professora de Farmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do centro SOU Ciência, Soraya Smaili, concorda.
“Não cabe a um governo ou governante estabelecer se tem uma pandemia ou não. O conceito de pandemia não é determinado pelo governo. Isso vem a partir de uma análise muito criteriosa feita por organismos internacionais reguladores. A OMS apenas constata uma pandemia a partir dos dados dos países. Essa análise é feita com base no número de casos, óbitos e transmissão. Tudo isso deve ser observado criteriosamente para dizer que uma doença está sob controle e deixou de ser pandemia.”
“Não precisamos entrar nesse debate. Para mim isso é inócuo, inútil, não passa de um fato político. Não tem sentido. É possível mudar um pouco as estratégias e as políticas de uso de máscaras em ambientes externos, independentemente de ser pandemia ou endemia”, completa.
Mudança não significa fim das medidas de prevenção
A professora ressalta que o fato de ser considerada uma endemia não torna a situação menos grave. “Se passarmos para uma situação endêmica significa que vamos conviver com esse vírus. Ele vai estar presente. Em alguns momentos vai haver um crescimento no número de casos, em outros diminuição. Mas passar de pandemia para endemia não significa que está tudo bem.”
Segundo ela, para deixar de adotar o uso de máscaras, testes e outras políticas públicas em relação à doença, independe se a doença é considerada pandemia ou endemia.
“A política pública visa a saúde da população. Se no Brasil, o número de casos estiver elevado e no resto do mundo não, nós teremos que usar máscaras. Não é isso que determina, por exemplo, a retirada do uso de máscaras. O que determina a flexibilização das medidas sanitárias é o número de casos, a taxa de transmissão e o número de óbitos, além de outros fatores.”
O epidemiologista lembra também que a queda na contaminação se deve ao avanço da vacinação.
“Observamos que os casos têm diminuído, certamente em função do grande número de pessoas que já estão vacinadas com as duas doses e com a dose de reforço. Temos assistido a mudanças nas ações governamentais dos vários níveis: municipais, estaduais e federal. Muitas cidades tiraram a obrigatoriedade de máscaras na rua, inclusive Belo Horizonte. Outras tiraram na rua e em locais fechados, como o Rio de Janeiro fez.”
Mas, de acordo com ele, essa pode ser uma atitude arriscada. “Daqui a um mês mais ou menos vamos saber das consequências disso. São coisas que, em princípio, não deveriam acontecer. A doença está diminuindo em muitos países e aumentando em outros. Na própria China vemos que tem aparecido casos da doença em grande quantidade.”
Momento ainda exige cautela
Cury alerta que, apesar dos avanços, o momento ainda é complicado.
“É preciso que as pessoas se vacinem, usem máscaras em locais fechados, mantenham o distanciamento. São medidas que ainda são importantes porque a doença está presente. Não sabemos como vão se comportar as novas variantes. Em princípio parece ser tranquilo, mas nós ainda não temos nenhuma certeza sobre isso.”
Já Soraya explica que a COVID-19 ainda está longe da situação de controle no país.
“Para dizermos que a transmissão do coronavírus está sob controle, é preciso ter algumas muitas semanas de taxa de transmissão baixa. Depende do lugar também, o Brasil tem dimensões continentais. Então pode haver uma situação de controle em um estado e no outro não. Isso também precisa ser analisado com muita calma. É a ciência que determina se tem endemia ou pandemia, são os dados e as evidências científicas.”
Para o epidemiologista, na medida em que a transmissão da doença diminui, é natural haver um relaxamento em relação a vários fatores. “Mas, o uso da máscara para determinadas pessoas vai ser mantido sempre: pessoas com comorbidades, que sofrem de doenças pulmonares, com problemas sérios de imunodeficiência. Para evitar infecções respiratórias em geral.”
* Estagiária sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.
Veículo: Online -> Site -> Site Estado de Minas - Belo Horizonte/MG