Publicado em 02/11/2025 - 09:38 / Clipado em 03/11/2025 - 09:38
De diabetes ao câncer associado à obesidade
Estudos indicam potencial benefício dos medicamentos da classe GLP-1 no controle de diferentes tipos de câncer diretamente associados à obesidade
Por Gustavo Cardoso Guimarães
A obesidade avança. A Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que ela atinge uma em cada oito pessoas no planeta. Diante disso, medicamentos da classe GLP-1, como a semaglutida, ganham visibilidade. Aprovados inicialmente como terapia para diabetes tipo 2 com ação no hormônio GLP-1, responsável por regular a glicose no sangue a dar a sensação de saciedade, eles também estão sob os holofotes da obesidade, como terapia para perda de peso em pessoas com índice de massa corpórea acima de 30 ou com IMC acima de 27 com comorbidades associadas.
O foco aqui não é exatamente no uso destes inibidores na obesidade, mas sim em analisar dados de estudos apresentados em junho no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO 2025), que quantificam o potencial benefício dessa classe de medicamentos no controle de diferentes tipos de câncer diretamente associados à obesidade. São estudos que, ao buscar a confirmação da relação causal (e não apenas associativa) de diabetes e obesidade com câncer, foca também em identificar quais tumores podem se beneficiar do uso de semaglutida e outros medicamentos e, mais que isso, estabelecer doses, duração e populações ideais, incluindo a avaliação do efeito em não diabéticos e não obesos.
Em um destes trabalhos, após acompanhar os pacientes por quatro anos, aqueles que foram tratados com GLP-1 apresentaram risco 7% menor de desenvolver cânceres relacionados à obesidade e 8% menor de morrer por qualquer causa, em comparação com aquelas que usaram DPP-4is, medicamento também usado em pacientes com diabetes tipo 2. Embora sejam percentuais aparentemente pequenos, o ganho é expressivo, pois diabetes e obesidade são altamente prevalentes e, desta forma, o efeito oncoprotetor sistêmico pode vir a influenciar futuras diretrizes terapêuticas.
Consolidando esse achado, outro trabalho — apresentado no mesmo evento, mas com um período de acompanhamento maior dos pacientes, dez anos —mostrou que o risco de câncer foi 17% menor em quem fez uso de inibidor de GLP-1, permitindo capturar efeitos cumulativos da perda de peso e da modulação metabólica. Em outras palavras, a perda de peso apresentada resultou também em proteção contra câncer. A mensagem é que o medicamento pode estar associado à prevenção primária de cânceres relacionados à obesidade em adultos com diabetes tipo 2.
Ao se olhar os dados sob a ótica dos tumores urológicos, os mais epidemiologicamente associados à obesidade e, portanto, potencialmente impactados por GLP-1 são os cânceres de rim de células renais claras, seguido pelo câncer de bexiga (menor evidência) e câncer de próstata (controverso, mas havendo associação direta com obesidade avançada e câncer agressivo). Sobre o papel direto da semaglutida, não há evidência robusta de que eles reduzam diretamente o risco de câncer de próstata.
Uma ponderação importante é trazida por um estudo canadense com idosos que têm diabetes tipo 2. Observou-se que a semaglutida pode aumentar o risco de desenvolver um tipo grave de problema de visão chamado degeneração macular relacionada à idade. Segundo os autores, apesar dos benefícios desses medicamentos no controle do diabetes e na saúde do coração, acredita-se que o problema nos olhos possa estar ligado a alterações no organismo causadas pela queda rápida do açúcar no sangue ou por substâncias que favorecem o crescimento de vasos sanguíneos na retina.
A ciência, portanto, segue seu caminho. Ao reposicionar os GLP-1 como agentes que podem ajudar não só a controlar o metabolismo, mas também a prevenir alguns tipos de câncer, especialmente em pessoas com obesidade, vemos o quanto isso pode influenciar em decisões em saúde pública e ampliar a atuação de áreas como endocrinologia e oncologia na prevenção e no cuidado com a obesidade.
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