Publicado em 28/10/2025 - 10:13 / Clipado em 29/10/2025 - 10:13
Os avanços e as inovações tecnológicas no diagnóstico e no tratamento do câncer de mama
O câncer de mama não é uma única doença: ele muda de acordo com o tipo de tumor, o momento em que é encontrado, os tipos de células. Apesar disso, não faltam esforços nem otimismo para superá-lo em todas as manifestações. Reunimos boas notícias a seguir
Por Isabella Marinelli (@isabellamarinelli)
Em muitos momentos da vida, a realidade se impõe. É assim com o câncer de mama. Todo mundo conhece uma mulher que teve, ouviu falar sobre, passou uma noite em claro após receber o resultado de um exame. Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) revelam que, para cada ano do triênio 2023-2025, foram estimados 73.610 novos casos, representando uma incidência de 41,89 casos por 100 mil mulheres. No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama é o mais prevalente em mulheres de todas as regiões, com taxas maiores no Sul e no Sudeste.
A literatura médica diz que essa neoplasia maligna não é uma doença única, e várias classificações mexem com o comportamento do tumor. O tratamento, por sua vez, será definido conforme o estadiamento, ou seja, se está em fase inicial, avançado, metastático, e o perfil dele. "Os principais protocolos são cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia, terapia-alvo, imunoterapia e anticorpos conjugados. Quando a doença é diagnosticada na fase precoce inicial, as chances de obter a cura são muito grandes", explica Ramon Andrade de Mello, médico oncologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.
A alta incidência assusta, mas também motiva a ciência a encontrar novos caminhos possíveis. Jeitos mais eficazes de diagnosticar cedo, um fator que muda o jogo, são apenas o começo. Os pesquisadores também estão interessados em saber quais drogas oferecem maior desempenho com menos efeitos colaterais, tipos cirúrgicos menos invasivos e mais efetivos e as abordagens que podem melhorar a experiência para além da doença. Aqui, reunimos uma série de boas notícias neste cenário.
A IA ENTROU NO CONSULTÓRIO
A inteligência artificial pode se tornar uma grande aliada no diagnóstico precoce do câncer de mama. Isso é o que acredita um grupo de pesquisadores da Universidade de Lübeck, na Alemanha, em estudo publicado em janeiro deste ano na revista científica Nature Medicine. Eles desenvolveram uma ferramenta para detecção de tumores de mama e a testaram pela primeira vez em um ambiente real e em larga escala, aplicado a um sistema de saúde de verdade.
Foram dados de 461.818 mulheres avaliados, todas participantes de um programa de triagem voltado às pacientes assintomáticas com idade entre 50 e 69 anos entre julho de 2021 e fevereiro de 2023. Todos os exames foram também laudados independentemente por dois radiologistas. No entanto, em quase metade deles, pelo menos um dos especialistas também utilizou a ferramenta de IA.
O software desenvolvido pelos pesquisadores não apenas rotula visivelmente os exames que considera não suspeitos como "normais", como também emite um alerta de segurança quando um laudo que classifica como suspeito é considerado ok pelo radiologista, ressaltando a área da imagem que merece mais atenção. Ao todo, 2.881 pacientes foram diagnosticadas com câncer de mama, sendo a taxa de detecção 17,6% mais alta no grupo cuja análise contou com ajuda da IA. Isso significa um caso a mais a cada mil mulheres. Em contrapartida, 20 diagnósticos ao todo teriam passado batido, caso os especialistas não tivessem revisado imagens classificadas como "normais" pelo bot.
O time de pesquisadores considerou o resultado promissor, uma vez que aumentam a velocidade de diagnóstico e são capazes de emitir alertas de prioridade. O professor Alexander Katalinic, coautor do estudo, afirmou que ela poderia "melhorar a taxa de detecção sem aumentar os danos para as mulheres que participam do rastreamento do câncer de mama" em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
No Brasil, a startup Huna, fundada pela engenheira de produção Daniella Castro, figura entre as mais promissoras no desenvolvimento de rastreios do câncer. A tecnologia própria, desenvolvida nos laboratórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), utiliza hemogramas para identificar padrões associados ao risco de tumores malignos por meio de inteligência artificial. Ela foi treinada para detectar padrões biológicos associados a eles, técnica que pode funcionar como uma triagem de menor custo e maior adesão.
Neste ano, a tecnologia foi validada em dois estudos com análise de cerca de 350 mil exames de sangue de indivíduos que passaram por biópsia para câncer colorretal ou exame papanicolau em até seis meses após esse check-up. Os resultados demonstraram que o modelo de IA teve alto desempenho na detecção desses biomarcadores. As análises foram apresentadas no seminário anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO 2025) e publicados no periódico científico Journal of Clinical Oncology. Também em 2025, a empresa levantou US$ 1,5 milhão de investimento, entre fundos e investidores-anjo, para expandir os algoritmos. O dinheiro será direcionado ao aprimoramento de uma plataforma "multicâncer", entre eles o de mama.
Esse tipo foi o primeiro, aliás, a entrar no alvo da Huna. A ideia era que gestores de saúde se baseassem nos hemogramas para melhorar e agilizar as filas de mamografia. Ao separar as mulheres em dois grupos, sendo um com diagnóstico de câncer de mama e outro sem, o grupo avaliou laudos realizados até seis meses antes do diagnóstico final. O modelo inicial apresentou uma uma taxa de acerto de cerca de 70%, chegando a quase 90% quando cruzado com outros dados relacionados a histórico familiar e avaliações complementares.
NOVOS ALIADOS
Para quem já tem o diagnóstico fechado, também há novidades. Neste mês, o Sistema Único de Saúde recebeu o primeiro lote do remédio Trastuzumabe Entansina. O nome difícil se refere a um medicamento de última geração para o tratamento do câncer de mama HER2-positivo, forma mais agressiva da doença. Ele era aguardado desde 2022, quando foi incorporado ao SUS, pela excelente resposta diante de casos mais avançados: é capaz de reduzir em até 50% a mortalidade nas situações para as quais está indicado.
"Essa medida representa o combate direto às desigualdades no tratamento. Na prática, se traduz em mais tempo de vida, maior qualidade de existência e renovada esperança para milhares. A incorporação alinha o SUS aos padrões globais da oncologia de precisão, priorizando menos toxicidade, maior eficácia e a dignidade humana", diz o mastologista Eduardo Pessoa, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional de São Paulo. Os insumos atenderão 100% da demanda atual do SUS, beneficiando 1.144 pacientes ainda em 2025.
A indicação prioritária é para quem tem câncer de mama HER2-positivo em estágio III. São casos que já estão em fases avançadas e que não responderam a outras terapias. Aplicado por infusão, ele pertence a uma classe de fármacos moderna, chamada de anticorpos conjugados à droga (ADC). "Ele une o anticorpo trastuzumabe — que se liga especificamente à proteína HER2, presente em até 20% dos tumores mamários — a um agente quimioterápico potente, o DM1. Essa combinação permite que ele penetre nas células doentes e libere a quimioterapia no interior delas, minimizando danos aos tecidos saudáveis e reduzindo aos efeitos colaterais comuns", explica o médico.
Outro ineditismo da área dos tratamentos vem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Docentes da instituição realizaram, pela primeira vez em um hospital público brasileiro, neste ano, um procedimento de crioablação para o tratamento do câncer de mama em estágio inicial. Trata-se do primeiro protocolo de pesquisa da América Latina a empregá-lo nesse tratamento.
A crioablação é um procedimento minimamente invasivo que se vale de temperaturas extremamente baixas para congelar e destruir células cancerígenas. Além de ser indolor, o método é preciso, rápido e apresenta bons resultados. Em países como Estados Unidos e Japão, a técnica já é adotada para tumores mamários e outras condições, como problemas cardíacos.
No Brasil, a crioablação tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não integra o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para o tratamento do câncer de mama. O protocolo é voltado para pacientes com tumores menores que 2,5 cm e indicação primária de cirurgia.
Por enquanto, tudo foi desenvolvido em caráter experimental, mas, nos 60 casos eleitos, apresentou eficácia de 100% para tumores menores que dois centímetros. A fase seguinte compara um grupo tratado apenas com crioablação, sem cirurgia, a outro submetido ao método cirúrgico tradicional. Nessa nova etapa, mais de 700 pacientes devem participar da pesquisa. A expectativa da instituição, quando aprovado, é diminuir a fila do SUS em 30% para esse tipo de paciente que aguarda tratamento.
APOIO ÀS CIRURGIAS REPARADORAS
Passa a valer em novembro deste ano uma lei que amplia o direito das mulheres de recorrerem ao SUS (Sistema Único de Saúde) e aos planos privados para realizar cirurgia reparadora de mama. A determinação mantém o procedimento em situações de transformação total ou parcial do órgão, salientando que agora a cirurgia alcança a outras causas além do câncer.
Sancionada em julho, a nova determinação vai permitir a realização da cirurgia em casos não oncológicos, nos quais se incluem malformações, mamas tuberosas, grandes assimetrias, gigantomastia, entre outras ocorrências. Mas, de acordo com o mastologista José Luiz Pedrini, assessor especial da Presidência da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), ela também ganha muito em importância por autorizar a simetrização da mama contralateral, isto é, o procedimento que equilibra o tamanho e a forma da mama sadia com a mama reconstruída após a mastectomia.
"A reconstrução mamária como parte integral do tratamento oncológico não é uma questão meramente estética. Em geral, a paciente que se submete à plástica após o tratamento do câncer tem menos episódios depressivos e retoma mais rapidamente sua vida familiar, afetiva e o trabalho", complementa Fabrício Brenelli, mastologista e presidente da Comissão de Oncoplastia da SBM. Ele destaca que a simetria é importante porque diz respeito ao contorno corporal feminino. "Uma mulher que passa por um procedimento que inclui a simetrização consegue se olhar no espelho com mais autoconfiança", defende.
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