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Portal Folha de S. Paulo

Publicado em 03/07/2025 - 09:37 / Clipado em 03/07/2025 - 09:37

Instabilidade emocional típica da adolescência pode ser explicada por cérebro em desenvolvimento


 Córtex pré-frontal, responsável pela regulação emocional, só se consolida por volta dos 25 anos


Bárbara Blum
São Paulo

Em "Divertida Mente 2", lançado no ano passado, a personagem Riley deixa a infância do primeiro filme para trás e entra na adolescência. Além das mudanças físicas típicas dessa fase —o estirão de crescimento, as espinhas e cravos na pele, o suor que ganha um novo cheiro— suas emoções, protagonistas dos filmes, também se transformam.

No caso da Riley, isso significa a chegada de novos personagens: Ansiedade, Inveja, Tédio e Vergonha. Significa, também, um reajuste da potência de ação das criaturinhas que habitam a mente da jovem, como se menos botões do painel de controle precisam ser movidos para causar reações maiores.

O filme da Disney pinta um retrato fiel de aspectos marcantes da adolescência, segundo neurologistas: um certo descontrole e descompasso das emoções.

Os especialistas consultados pela reportagem afirmam que boa parte das mudanças comportamentais típicas dessa fase, que vai dos 10 aos 19 anos, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), pode se explicar por mudanças no cérebro.

Segundo Marcelo Masruha, neurologista infantil e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI), o cérebro dos adolescentes tem alterações físicas, estruturais e funcionais em relação ao cérebro dos adultos e das crianças.

"O cérebro passa por uma intensa reorganização neurológica", diz. Acontece a chamada poda sináptica, ou seja, ocorre a perda de sinapses entre os neurônios.

"É como se fosse uma árvore com muito mais galhos do que precisa e tem que passar por uma poda", afirma. Nesse processo, conexões pouco usadas são eliminadas e as mais ativas são fortalecidas.

É, segundo Masruha, um fenômeno que ocorre em várias fases da vida —como com bebês e com mulheres que se tornam mães. A poda na infância, por volta dos dois anos de idade, e a poda na adolescência são duas das mais importantes.

Na vida adulta, as conexões amadurecem e se estabilizam, afirma Arthur Caye, psiquiatra da infância e adolescência e gerente de pesquisa do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM) .

Além disso, diz o médico, a adolescência é um momento em que o cérebro "ainda está se mielinizando", ou seja, as bainhas de mielina que envolvem os prolongamentos neuronais estão se formando. "É um cérebro que estruturalmente também não está pronto."

Esse processo de desenvolvimento tem impactos práticos. "Quando falamos sobre adolescente, falamos de um ser que é mais impulsivo, mais reativo, com emoções à flor da pele", diz Masruha. "Isso significa uma menor capacidade de medir as consequências das próprias ações, decisões precipitadas, explosões emocionais e maior dificuldade em lidar com frustrações."

Quando falamos sobre adolescente, falamos de um ser que é mais impulsivo, mais reativo, com emoções à flor da pele. Isso significa uma menor capacidade de medir as consequências das próprias ações, decisões precipitadas, explosões emocionais e maior dificuldade em lidar com frustrações - Marcelo Masruha - neurologista infantil e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI)

As dificuldades emocionais ocorrem por causa do sistema límbico do cérebro, região que controla as emoções e que regula as percepções de prazer e de recompensa. É uma parte do órgão que amadurece mais cedo.

"O adolescente é mais impulsivo, tem maior sensibilidade para rejeição, maior influência dos pares para buscar novas experiências", afirma Masruha.

Segundo Caye, duas áreas do sistema límbico ficam particularmente ativas nessa fase: a amígdala, relacionada ao processamento emocional, e o núcleo accumbens, envolvido na busca de prazer e recompensa. Isso gera sensações de ansiedade, intensidade, comportamento de risco e reatividade emocional. "O adolescente sente demais, ele reage com mais intensidade", diz Masruha.

O que demora mais a ficar pronto é o córtex pré-frontal, parte da região mais frontal do cérebro, que controla "funções executivas, raciocínio lógico, planejamento, mas principalmente também controle de impulsos e regulação", diz Caye. Segundo Masruha, essa parte só termina de amadurecer por volta dos 25 anos.

Cria-se, assim, um descompasso entre emoções produzidas com muita intensidade e uma capacidade baixa de regular elas.

"O adolescente tem um cérebro muito desenvolvido na parte límbica, mas o freio não está formado", diz Masruha. "É como se você tivesse um acelerador pronto e você não tivesse um freio ainda bem estruturado."

Masruha diz que essa falta de maturidade pode ter lados positivos. É um período, segundo o médico, em que o cérebro está plástico, então as experiências dessa fase podem moldar profundamente o adulto.

Ele afirma que, nessa fase, é importante que adultos exerçam um papel regulador que os adolescentes não são capazes de assumir por si. "Eles não precisam só de liberdade, aliás, eles precisam fundamentalmente de limites estruturantes, da presença afetiva dos responsáveis e de modelos positivos de comportamento, porque a criança, o adolescente, todos nós, a gente aprende muito mais pelo exemplo."

 

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2025/07/instabilidade-emocional-tipica-da-adolescencia-pode-ser-explicada-por-cerebro-em-desenvolvimento.shtml

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