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 Site Valor Econômico - São Paulo/SP

Publicado em 26/02/2025 - 10:49 / Clipado em 26/02/2025 - 10:49

Os três Ps da inovação na medicina


Prevenção, precisão e personalização definem os avanços na saúde a partir da transformação digital


Por Carin Petti — Para o Valor, de São Paulo


Junte inteligência artificial (IA), volume massivo de dados e avanços na genética. O resultado, na medicina, pode ser resumido em três Ps: precisão, prevenção e personalização. Acrescente conectividade, busca de otimização de recursos e da inclusão de pacientes, e agora a equação passa também a incluir atendimentos à distância.

“Nesta época de transformação digital, pela primeira vez a tecnologia não implica necessariamente aumento de custo”, diz Giovanni Cerri, ex-secretário da Saúde de São Paulo e presidente do conselho do Inova HC, núcleo de inovação tecnológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). “Soluções para consultas, exames e tratamentos remotos, por exemplo, podem melhorar o acesso ao sistema de saúde e também cortar gastos”, afirma Cerri.

Já no campo da genética, o mapeamento do genoma humano, concluído em 2022, possibilitou não só o rastreamento de genes responsáveis por milhares de doenças como também a busca de variantes que protegem contra mutações desfavoráveis. É o que explica Mayana Zatz, professora de genética da USP e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco. “Se descobrimos que um gene produz determinada substância que protege contra certas doenças, podemos desenvolver drogas à base dessa mesma substância para quem não teve a sorte de nascer com a variação genética protetora”, diz a professora.

A terapia gênica é outra frente de tratamento no radar da equipe de Zatz e cientistas pelo mundo afora. A técnica prevê a introdução, remoção ou alteração do material genético do paciente, para tratamentos de males como diversos tipos de câncer, anemia falciforme e cegueira congênita.

O mapeamento de genes também abre caminho para o desenvolvimento de medicamentos mais alinhados a perfis populacionais. “Uma droga muito boa para os japoneses pode não ser tão eficaz para nossa população miscigenada”, exemplifica Zatz, cuja equipe identificou, entre quase mil idosos brasileiros, 2 milhões de variantes genéticas não registradas em bancos internacionais.


    Monitores em leitos de hospitais geram cerca de 20 mil dados por hora


Assim como viabiliza uma medicina mais adaptada às características de populações, a genética também permite tratamentos individualizados. “Cada vez mais teremos informações que vão determinar que a forma de tratamento para mim é diferente da indicada para você, mesmo se tivermos mesma doença”, diz Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein.

Uma das áreas em que a abordagem vem se destacando são as pesquisas de novas vacinas de tratamento do câncer, baseadas na análise genética de tumores, feita de forma rápida com IA, antes que novas mutações inibam a eficácia da terapia, como conta Álvaro Machado Dias, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e sócio do Instituto Locomotiva.

“Esse mesmo princípio, em que algoritmos aceleram e refinam tratamentos baseados na própria capacidade de o organismo reagir à patologia, vem sendo orientado para o tratamento de uma miríade de síndromes complexas e até de doenças neurodegenerativas”, acrescenta Dias.

A IA também pode ajudar na evolução de pacientes internados. No Einstein e no hospital municipal paulistano Vila Santa Catarina, administrado pela instituição, cerca de 920 leitos são acompanhados por monitores que geram cerca de 20 mil dados por hora, como tremores, traçados eletrocardiográficos e padrões de sono. “Existem alterações imperceptíveis para o cérebro humano, mas que, quando analisadas por algoritmos, com a comparação de um volume imenso de dados, possibilitam saber se, por exemplo, haverá deterioração do estado clínico do paciente”, explica Klajner.

A falta de médicos especialistas também pode ser combatida com a ajuda de IA. Em projeto com o objetivo de reduzir a mortalidade materna no norte do país, o Einstein, com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates, está testando um aplicativo que acompanha consultas de pré-natal realizadas em unidades básicas de saúde de Manaus com falta de obstetras. O sistema recorre a um banco de dados com mais de 2 mil artigos científicos e sugere, durante o atendimento, perguntas adicionais ao médico de família responsável pela consulta. Já para a gestante, oferece um material de apoio com recomendações.


A China já fez centenas de cirurgias robóticas remotas”
— Gustavo Guimarães

Tecnologias de atendimento remoto abarcam ainda a realização de exames. No Hospital das Clínicas, unidades como psiquiatria e pediatria tiveram, desde meados de 2021, cerca de 100 mil exames de tomografia ou ressonância magnética realizados remotamente por especialistas do Instituto de Radiologia da instituição, com tecnologia desenvolvida no Inova HC.

Marco Bego, diretor do instituto e do Inova HC, conta que, com o novo sistema, não é mais preciso remover pacientes à noite, às vezes sob sedação, para realização de exames de urgência em unidades com técnicos disponíveis em qualquer horário. Segundo ele, a produtividade também aumenta, já que, do computador à distância, profissionais podem se dedicar a duas ou três máquinas simultaneamente. E é possível alinhar melhor o perfil do técnico ao exame realizado. “Podemos, por exemplo, ter alguém com mais experiência em cardiologia para exames no coração”, diz.

A viabilidade financeira do modelo é agora foco de estudo. “Se o sistema se provar mesmo economicamente sustentável, poderemos oferecer a tecnologia a governos para atendimentos a hospitais remotos, que nem sempre têm técnicos disponíveis toda hora”, afirma o diretor.

Exames à distância também estão no horizonte da Beneficência Portuguesa (BP). No ano passado, médicos do hospital em São Paulo realizaram remotamente um ecocardiograma em um voluntário na Bahia, para demonstração da tecnologia, em parceria com a Samsung, durante um congresso médico em Salvador.

A mesma lógica vale para cirurgias. “A China já fez centenas de cirurgias robóticas remotas em órgãos como próstata, rins e pulmões”, conta Gustavo Guimarães, coordenador-geral dos departamentos cirúrgicos oncológicos da BP. No ano passado, a tecnologia foi testada por médicos do hospital no Brasil, numa cirurgia robótica remota para retirada do rim de um porco no AdventHealth Nicholson Center, centro de pesquisa em Orlando, nos Estados Unidos.

A ideia é que futuramente as cirurgias à distância cheguem a áreas isoladas, como na Amazônia. “Seria uma forma de realizar cirurgias eventuais ou de menor complexidade em hospitais regionais sem a necessidade de haver profissionais altamente qualificados, 24 horas por dia, para isso”, afirma Guimarães. “O modelo poderia ser utilizado em hospitais regionais para cirurgias eventuais ou de menor complexidade sem necessidade de haver pessoal altamente especializado 24 horas por dia”, avalia o médico.

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