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Portal O Globo - Rio de Janeiro/RJ

Publicado em 10/03/2025 - 14:08 / Clipado em 11/03/2025 - 14:08

De quem é a culpa? Casarão desmorona no Centro do Rio e expõe abandono de imóveis históricos


No último sábado, parte da fachada do casarão da Avenida Mem de Sá desabou e interditou a via


Por Anna Bustamante

 

Basta um passeio pelo Centro do Rio para se deparar com casarões e prédios que, em vez de preservarem a memória da cidade, desmoronam pouco a pouco. Foi o que aconteceu com o antigo casarão que abrigava a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio — preservado pela Proteção do Ambiente Cultural da Cruz Vermelha (APAC) — na Avenida Mem de Sá, na Lapa. No último sábado, enquanto a cidade celebrava o Desfile das Campeãs, parte da fachada veio abaixo, interditando uma das vias mais movimentadas da região — frequentada, inclusive, por crianças que, aos domingos, transformam a rua em um espaço de lazer. Na manhã de segunda-feira, a equipe do GLOBO esteve no local e encontrou a cena ainda marcada pelos escombros. Técnicos de telefonia trabalhavam para reparar a fiação danificada, que deixou ao menos seis imóveis sem internet. Enquanto isso, comerciantes vizinhos, que tiveram seus restaurantes interditados, buscam respostas: afinal, "de quem é o imóvel, e de quem é a culpa?"

Vizinho ao casarão, um restaurante também sentiu o impacto do desabamento. Parte do teto do estabelecimento foi destruído pelos escombros, e o local precisou ser interditado pela Defesa Civil Municipal. Segundo a proprietária, a reabertura depende da liberação do órgão, enquanto os prejuízos com a reforma já se aproximam dos R$ 50 mil.

— Eu acabei de voltar da Defesa Civil, quase fui expulsa de lá, não quiseram saber de nada que eu estava falando. Eu não posso ficar sem funcionar, ainda mais por um motivo que não compete a gente. Nós, e os moradores daqui, colecionamos reclamações sobre esse prédio, não é de hoje — disse Laura Jannuzzi, dona do buffet vizinho do casarão.

Em nota, a Defesa Civil do município do Rio disse que realizou três vistorias ao longo de 2024 no casarão da Avenida Mem de Sá, e que, "em todas elas, houve isolamento da fachada, interdições, acionamento de outros órgãos e tentativas de contato com o proprietário do imóvel".

Após o desabamento deste sábado, o órgão disse que as edificações vizinhas, de número 201 e 203, sofreram impacto com a queda do material. Por isso, "os dois imóveis foram interditados por apresentarem risco de queda de parte do telhado e da fachada lateral", cabendo aos proprietários realizarem os reparos e acionarem a Defesa Civil para uma nova vistoria preventiva.

Mesmo com os entulhos ainda espalhados pela calçada do casarão, a Defesa Civil afirmou que "no último domingo, o restante dos escombros foi retirado pela Secretaria de Conservação e a limpeza foi realizada pela Comlurb".

— A gente foi atingido no telhado, mas a casa é sólida, a casa não tem problema. A gente já tinha avisado milhões de vezes. Como esse tem vários, a cidade está abandonada. Ninguém faz nada. A sorte é que não tinha ninguém na hora, mas tem gente que mora aí. Agora, quando pedimos para demolir não pode, porque é preservado, só que não tem nada de preservado nisso — disse a comerciante.

No local, quem também estava presente e tirava fotos do imóvel era um agente fiscalizador do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ). Segundo ele, o Crea vai "fiscalizar as condições do prédio e encaminhar o relatório para a Prefeitura do Rio", a fim de multar o prédio. Para ele, o imóvel está, aparentemente, "legal do ponto de vista arquitetônico".

— Vim aqui para registrar a condição do imóvel e vamos encaminhar para a prefeitura e para a Defesa Civil. Vamos apurar e levar para eles. O Crea está fazendo um levantamento, através da minha pessoa, desses imóveis todos que estão por aqui por perto e nesta condição. Só que nós ainda estamos lá na Rua da Alfândega (Centro). É um fiscal só para fazer tudo. Mas nós estamos fazendo isso e mandando tudo para a Prefeitura do Rio. Porque, se ninguém reclamar, ninguém vai fazer nada — disse Fernando Mendes, fiscalizador do CREA-RJ.

Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Rio informou que o casarão não é tombado, mas sim preservado pela Apac da Cruz Vermelha, podendo, portanto, “ser reformado ou demolido”. Segundo o órgão, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade já havia notificado o proprietário anteriormente, com a última intimação no dia 20 de fevereiro deste ano.

"Além disso, em outubro de 2023, a Prefeitura do Rio publicou o decreto Nº 53.306, que estabelece a arrecadação do imóvel caso seja comprovado seu abandono ou o não pagamento dos impostos por um período mínimo de cinco anos”.

De acordo com a Prefeitura do Rio, a lei obriga os responsáveis pelas edificações existentes no Município do Rio de Janeiro, inclusive as edificações tombadas, preservadas e tuteladas, bem como as públicas, a realizarem vistorias técnicas periódicas, com intervalo máximo de 5 anos, para verificar as condições de conservação, estabilidade e segurança e garantir, quando necessário, a execução das medidas reparadoras.

Enquanto isso, moradores e comerciantes seguem em um jogo de empurra-empurra, sem saber a quem recorrer nos casos de risco de desabamento. Segundo um funcionário da Gerência de Fiscalização de Manutenção Predial da Prefeitura do Rio, que esteve no local nesta segunda-feira, o processo funciona da seguinte maneira:

Quando há reclamações feita por moradores à Defesa Civil sobre um imóvel em más condições — como o casarão da Avenida Mem de Sá —, o órgão avalia a necessidade de um laudo definitivo para demolição. Caso considere necessário, encaminha o caso para a Prefeitura, que então analisa a viabilidade da demolição por meio do departamento responsável.

— Viemos aqui para analisar se tem ou se continua o risco de desabamento. A gente pode avaliar e fazer um laudo definitivo até para poder ver se é caso de demolição. O fato é que toda a obra que está em processo de demolição pode ser escorada. O negócio é ter tempo para fazer isso. Eu não vou falar para você que se ele não for demolido ele vai permanecer assim, porque, na verdade, a fiscalização em si tenta sempre achar o responsável para responsabilizá-lo — disse o funcionário.

O casarão da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio está localizado a menos de um quilômetro em linha reta da Praça da Apoteose, no Sambódromo do Rio, onde, no último sábado, aconteceu o Desfile das Campeãs. Imagens do Google Street View mostram que, até 2019, ele aparentava boas condições, com a fachada mais limpa, livre de pichações. Veja a comparação em seis anos:

Nas redes sociais da instituição, internautas já alertavam para os riscos da estrutura. Um deles chegou a apontar que pedaços de reboco costumavam se desprender, sinalizando o perigo iminente.

"Venho por meio dessa alertar para o grande e iminente risco de desabamento do prédio da associação que fica na Rua Mem de Sá 197. Não se trata mais de 'se' vai desabar, mas de 'quando' vai desabar. Fora a situação de total abandono quem transformando o imóvel em foco de roedores e mosquito da dengue. É vergonhoso para uma associação de caráter e história tão importante. Vidas podem ser duramente atingidas e/ou ceifadas em caso de desabamento sobre a calçada. Alguma providência precisa ser tomada urgentemente", afirma uma mensagem deixada por um usuário numa rede social da Sociedade de Medicina.

 

Casarões em ruínas no Centro

Saindo da Avenida Mem de Sá e caminhando menos de 120 metros até a Rua Carlos Sampaio, outro edifício em ruínas salta aos olhos. O abandono é evidente, com a vegetação crescendo sem controle e tomando conta da estrutura. A fachada, marcada pelo tempo, exibe rachaduras profundas e pichações sobrepostas. As janelas, muitas vezes cobertas por tábuas de madeira, já não oferecem qualquer proteção, e o teto simplesmente não existe mais.

De acordo com moradores e comerciantes da rua, o casarão está abandonado há pelo menos 20 anos.

— Dizem que esse prédio era de uma família rica, da Bidu Sayão, que foi uma célebre intérprete lírica brasileira. Com a morte deles foi ficando abandonado, todos os filhos largaram de mão. Todo mundo reclama desse casarão, porque daqui a pouco está caindo também — disse um morador da Carlos Sampaio.

Na rua do Riachuelo, também na região Central do Rio, só restou a casca do que era o Palacete São Lourenço (ou Solar São Lourenço), na Lapa, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. O espaço colonial, que agora só tem a fachada, foi transformado em um estacionamento, que funcionava até pouco tempo, segundo moradores. Com o que restou do que seriam três andares, o palacete fica na esquina com a Rua dos Inválidos, e corre o risco de desabamento.

Nesta segunda-feira, o local, que seria um estacionamento, estava fechado.

No portal do 1746, foram registradas, de janeiro de 2023, até o ultimo sábado, 855 solicitações para vistoria em ameaça para desabamento na região do Centro e Centro Histórico do Rio. Na Zona Norte, foram 2.453.

— Nós aqui do Centro estamos sofrendo muito com o abandono de imóveis históricos e negligência da prefeitura em estar atuando sobre isso. Inclusive há outros imóveis que caíram recentemente causando prejuízos aos comércios vizinhos. O comércio do Centro agoniza com IPTU elevado, má gestão do prefeito no Centro — Isis Viana, membro do Conselho Renovação do Centro na Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Em junho de 2024, a Defesa Civil Municipal interditou um sobrado situado na Praça da República, no Centro do Rio. A ocorrência aconteceu após parte de um imóvel vizinho ceder sobre ele, desestabilizando toda a estrutura.

 

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