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Publicado em 03/05/2022 - 15:46 / Clipado em 03/05/2022 - 15:46

Taxa de vacinação infantil cai e Brasil volta a patamar de 1987


No último ano, taxa de vacinação infantil foi a pior das últimas três décadas. Queda na imunização das crianças está ligada a diversos fatores, como fake news e menores verbas para campanhas destinadas ao tema.



Por Ana Clara Godoi


Em 2021, a vacinação infantil no país chegou a seu pior nível em três décadas. As taxas de cobertura voltaram ao patamar de 1987. Com isso, doenças já erradicadas, como a poliomielite, podem voltar a fazer vítimas.

A vacinação infantil é obrigatória no Brasil, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cobertura vacinal de pelo menos 95% da população infantil. Nos últimos cinco anos, o número de crianças imunizadas vem caindo cada vez mais, preocupando autoridades e especialistas.

De acordo com o Ministério da Saúde, a média de cobertura vacinal no Brasil caiu de 97%, em 2015, para 75% em 2020. Das 9 vacinas analisadas pelo DataSUS, a que sofreu maior queda é a BCG, que apresenta queda de 38,8% entre 2015 e 2021. Em segundo lugar fica o imunizante contra a Hepatite A, com queda de 32,1%, e poliomielite em terceiro, com queda de 30,7%.

O Brasil costumava ser o país líder em cobertura vacinal em todas as faixas etárias. Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunização (PNI), com o intuito de oferecer imunização em massa gratuita para a população. O Programa cresceu gradativamente e, em 2015, no seu auge de cobertura vacinal, oferecia 29 imunizantes para todas as idades. No entanto, dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), coletados em março deste ano, apontam que três em cada dez crianças brasileiras não receberam as vacinas necessárias para protegê-las.

Existem diversas questões que causam a queda no índice de vacinação infantil, entre elas as fake news. Para Soraya Soubhi Smaili, professora titular do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, a diminuição de investimentos na área da saúde e de campanhas de vacinação abriu espaço para a disseminação de informações mentirosas.

“Até 2016, nós tivemos uma política de saúde voltada para a saúde pública, para o fortalecimento do SUS e do PNI. Nós tivemos bons gestores no PNI e investimentos nessa área para a realização de campanhas e estruturação do sistema, para que as imunizações fossem bem-sucedidas. De 2017 para cá, nós já temos uma diminuição no investimento, uma estrutura mais desorganizada no Ministério da Saúde, que é responsável pelo PNI, e, portanto, uma diminuição dos programas e das campanhas, que dá espaço ao crescimento de campanhas contrárias à vacinação”, afirma.

Dados do Ministério da Saúde apontam que o orçamento para campanhas de vacinação caiu de R$ 77 milhões, em 2018, para R$ 45 milhões em 2020. Mas não é só a falta de campanhas com informações corretas que influenciam os pais a não vacinarem seus filhos. Questões estruturais, como o horário de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS), são um grande problema. Geralmente, as UBSs ficam abertas das sete da manhã às cinco da tarde, de segunda a sexta-feira, quando a maioria dos pais e responsáveis está trabalhando.

Outro fator que contribui para a queda da cobertura vacinal é a falsa sensação de que não é necessário se vacinar, visto que as doenças foram erradicadas. Contudo, o Brasil é um dos oito países sul-americanos que apresentam alto risco de volta da poliomielite, causadora da paralisia infantil, segundo relatório divulgado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 2021.

Daniel Jarovsky, infectologista e pediatra do Sabará Hospital Infantil, considera esse pensamento “extremamente complicado e errôneo”.

“Esse sucesso, controle e eventual eliminação de determinada doença só ocorreu porque grande parcela da população foi vacinada. O mérito de uma erradicação de uma doença é da vacinação coletiva”, destaca.

Ele também explica que “se cada vez mais pessoas pensarem que uma doença parou de circular e então não devemos vacinar, surgirão bolsões de pessoas suscetíveis a essa doença. E caso essa infecção seja reintroduzida no país, como ocorreu com o sarampo em 2019, a doença se espalha de maneira extremamente rápida”.

Jarovsky destaca a poliomielite como uma das doenças que podem retornar caso as taxas de cobertura vacinal permaneçam baixas. A poliomielite, causada pelo Poliovírus, é uma doença infectocontagiosa aguda. Ela ocorre majoritariamente em crianças menores de 4 anos e apresenta, de início, sintomas de uma gripe comum (febre e dor de garganta) ou até mesmo uma infecção gastrointestinal (náusea, vômito e dor abdominal).

O Poliovírus, vírus que vive no intestino, também pode causar efeitos de paralisia, insuficiência respiratória e até mesmo a morte de 1% dos infectados, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A transmissão acontece através da boca, quando há contato com algum material contaminado por fezes – principalmente a água. Uma vez infectada, a pessoa pode transmitir o Poliovírus ao tossir ou espirrar.

A professora aposentada Cheilamar Prates Page, de 70 anos, recorda sua felicidade diante da vacinação de suas irmãs contra a poliomielite, doença que a acometeu quando tinha dois anos de idade.

“A vacinação contra a pólio foi de uma importância enorme, porque eu tive a certeza de que aquele grande mal não atingiria meus amigos e familiares. Vacinados, não passariam pelas mesmas dificuldades que passei. Assim, logo que o imunizante foi distribuído para a população, meus pais tiveram a preocupação de vaciná-las. E vivendo de perto a minha experiência com a pólio, todo o meu ‘familhão’, que engloba filhos, netos, bisnetos, sobrinhos e primos, foi vacinado”.

Cheilamar foi infectada pela pólio antes da chegada da vacina ao Brasil. Graças ao apoio dos pais e à busca por tratamentos fisioterápicos, a carioca pôde viver e se tornar “uma pessoa forte e disposta a enfrentar as dificuldades naturais impostas a uma criança com deficiência severa”.

As sequelas da poliomielite, no entanto, não ficaram restritas à infância de Cheilamar. Quando ela estava com 50 anos, foi diagnosticada com Síndrome pós-pólio (SPP). “Passei a ser hipertensa, a sentir dores e muita flacidez no pé direito, que eram sintomas da SPP, desconhecida por mim e pelos neurologistas em geral na época”, contou.

A Síndrome pós-pólio é considerada como um efeito tardio da pólio, caracterizada por nova fraqueza muscular de pessoas que tiveram poliomielite aguda, muitos anos antes.


Vacinas aumentam expectativa de vida

As campanhas de vacinação têm grande influência na adesão da população aos imunizantes. A primeira campanha realizada no Brasil foi feita em 1961, a partir da regulamentação do Código Nacional de Saúde, Lei n° 2.312, de 3 de setembro de 1954. Profissionais de saúde aplicaram a vacina oral contra a poliomielite durante projetos experimentais nas cidades de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e Santo André, em São Paulo. No ano seguinte, foi a vez da Campanha Nacional Contra a Varíola.

As vacinas foram fundamentais para o aumento da expectativa de vida e queda da mortalidade infantil no país, segundo o Ministério da Saúde. Foi com a vacinação em massa que doenças como varíola, rubéola, poliomielite e sarampo foram eliminadas.

Segundo Jarovsky, é essencial que crianças a partir dos 2 meses de vida sejam vacinadas, uma vez que essa faixa etária é suscetível a infecções, por seu sistema imunológico ainda ser imaturo. “Crianças menores de 6 meses dependem dos anticorpos maternos passados pela placenta, durante a gestação, e pela amamentação. As vacinas fazem com que o próprio organismo crie anticorpos e outros mecanismos de defesa contra as estruturas específicas de vírus ou bactérias”, explica.

No caso das vacinas inativadas, são usados vírus e bactérias enfraquecidos, que não causam doenças na pessoa, mas resultam na indução de resposta imune.

O trabalho conjunto de profissionais da saúde, da educação e da mídia é o que o pediatra sugere para contornar a queda nos números de vacinação infantil. Já Soraya Smaili afirma que “o sistema de saúde e a ciência juntos podem fazer esse trabalho”.

“É preciso ter políticas de desenvolvimento da saúde para que tenhamos mais saúde da população. Nós não podemos colocar em risco a saúde das crianças, que são o futuro do nosso país. Precisamos de líderes que valorizem isso e cuidem da sua população”, acrescenta Soraya.

O Governo Federal divulgou, recentemente, uma atualização do calendário de vacinação infantil, no portal da Agência Brasil. De 3 de maio a 3 de junho de 2022, ocorrerá a campanha de vacinação contra sarampo para crianças de 6 meses a menores de 5 anos, junto da aplicação da segunda etapa de imunização contra influenza.


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