Publicado em 19/09/2022 - 09:49 / Clipado em 26/09/2022 - 09:49
Mais ricos são os mais favoráveis a cortes no financiamento da ciência e universidades
Levantamento do centro SoU_Ciência revela que apenas 27% da elite brasileira defende o orçamento para o setor, enquanto pessoas mais pobres e negras são as que mais apoiam
Por: Rebeca Costa
Fonte: Andreia Constâncio
As instituições públicas de educação superior vêm passando por reduções de orçamento desde 2015, e o quadro se agravou na atual gestão do presidente Jair Bolsonaro, chegando ao nível de colapso. As perdas com cortes orçamentários em fomento à pesquisa científica e tecnológica nos últimos sete anos chegam a R$ 83 bilhões, segundo o Observatório do Conhecimento. No último mês, o governo federal anunciou um corte de R$ 3,23 bilhões do orçamento do Ministério da Educação, atingindo todos os órgãos ligados à pasta, como institutos e universidades federais. Além disso, R$ 35 bilhões que estavam vinculados ao FNDCT (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia) foram desviados pelo governo para outras finalidades orçamentárias, como o pagamento da dívida pública.
Mas, o que a população brasileira pensa dos cortes de recursos destinados à ciência e às universidades federais? Um levantamento nacional de opinião pública realizado pelo Centro SoU_Ciência, em parceria com o Ideia Big Data em julho de 2022, aponta que a maioria (62%) da população é contra, enquanto apenas 11% se diz favorável aos cortes. Nessa fatia de público, uma constatação: os mais ricos são os mais favoráveis aos cortes no financiamento da ciência e universidades.
De acordo com a pesquisa do SoU_Ciência, apenas 27% da elite brasileira defende o orçamento para o setor, enquanto pessoas mais pobres (82%) e negras (75%) são as que mais apoiam. Apesar de ainda ser considerado um alto índice, no levantamento anterior, realizado pelo centro em 2021, a porcentagem contra os cortes nessa fração da população mais rica era de 66%, o que pode refletir o clima eleitoral, em que os mais ricos seguem majoritariamente apoiando Bolsonaro, e ainda o reconhecimento de que a ciência e as universidades tornaram-se ao longo da pandemia, uma das principais forças públicas e políticas da oposição ao governo.
Na pesquisa atual, ficou mais evidente que o fator político eleitoral e ideológico tem forte impacto no posicionamento dos entrevistados: entre eleitores de Bolsonaro, 19% são favoráveis aos cortes e entre eleitores de Lula, 5%. Contudo, merece atenção o fato de que 55% dos bolsonaristas são contra os cortes, ou seja, quase o triplo dos que defendem o arrocho orçamentário.
“Há ainda uma maioria entre os bolsonaristas preocupada com a capacidade do país em produzir ciência e manter suas melhores universidades. Esta é uma possível ponte para diálogo entre posições político-ideológicas opostas. A ciência pode colaborar, senão para unir, para criar espaços de diálogo na sociedade brasileira para a reconstrução nacional pós-pandemia”, destaca Soraya Smaili, uma das coordenadoras do SoU_Ciência.
Entre os que mais desaprovam os cortes estão os jovens, negros e de menor escolaridade: 64% da juventude brasileira (de 16 a 29 anos) são contra os cortes. Os jovens em idade universitária têm sido muito ativos na luta pela defesa da educação pública de qualidade, e preocupados com seu futuro e do país. Mas, o dado mais expressivo, sem dúvida, é o etnicorracial: 75% das pessoas pretas e 73% das pardas se posicionaram contra os cortes, frente a apenas 46% das pessoas brancas - que, por sua vez, podem manifestar ressentimento com a política de cotas, tal como os mais ricos.
Associado ao corte racial está o da população de menor renda e instrução, que defende em massa a retomada dos investimentos em ciência e educação. São contra os cortes: 75% com Ensino Fundamental ou sem instrução, 82% das pessoas que ganham até um salário mínimo e 68% das que ganham de 1 a 3 salários. A elas, como aos negros, e suas intersecções, também a política de cotas garantindo 50% de vagas para originários do ensino médio público trouxe interesse e acesso ao sistema público de educação superior.
A pesquisa telefônica foi realizada em duas rodadas, nos dias 27 de julho e 10 de agosto de 2022, com 1200 respondentes, entre homens e mulheres residentes em todas as regiões do Brasil, com idade igual ou superior a 16 anos, de diferentes escolaridades, raça/cor, renda e classe social. A amostra seguiu cotas variáveis, segundo distribuição da população por região e com proporções definidas com base nas pesquisas Pnad 2021 e Censo 2010/IBGE. A pesquisa tem grau de confiança igual a 95% e margem de erro máxima prevista de aproximadamente 2.85% para mais ou para menos.
Para Pedro Arantes, também coordenador do SoU_Ciência, “os resultados, comparando os segmentos defensores ou não do orçamento para ciência e universidades públicas nos dão um retrato do Brasil. Claro que há influência do cenário eleitoral, mas está evidente, também, que as elites, brancas, com nível superior do sul e sudeste, somadas a evangélicos, estão hoje na vanguarda do projeto obscurantista de destruição do sistema de ciência, cultura e universidades públicas, e de regressão em muitas outras áreas, do meio ambiente aos direitos humanos”. Segundo Arantes, “esse é mais um motivo para cientistas e professores voltarem suas instituições para compreender cada vez mais as demandas do povo brasileiro, de negros, indígenas, nortistas e nordestinos, pobres e menos instruídos, que hoje são a força civilizatória contra a barbárie. Para criar a universidade necessária no Brasil, diria Darcy Ribeiro. Descolonizar e deselitizar as nossas universidades é urgente. Façamos isso antes que as elites as destruam definitivamente”.
Veículo: Online -> Site -> Site Bahia.Jornal - Salvador/BA