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 Site Diário de Petrópolis

Publicado em 25/08/2022 - 14:57 / Clipado em 13/09/2022 - 14:57

Adesão à vacina e defesa da ciência tem claro recorte de classe, raça, gênero e posição política


Novo levantamento do SoU_Ciência mostra elites brancas e evangélicos mais descrentes da vacina, da ciência e das universidades públicas do que outros segmentos


O Centro de Estudos SoU_Ciência segue analisando as percepções da população brasileira diante da pandemia da Covid-19 e sua relação com a ciência, cientistas e universidades públicas. O levantamento nacional de opinião mais recente, realizado entre julho e agosto de 2022, permitiu identificar algumas tendências de comportamento da população brasileira em relação ao tema das vacinas e das máscaras, entre outros temas relacionados à pandemia. Mais pobres, menos instruídos e negros confiam mais na ciência, na vacina e no SUS, enquanto mais ricos, instruídos e brancos estão mais descrentes.


Destaque 1: 41% dos mais ricos sequer tomaram ou estão com apenas uma dose de vacina. Adesão foi maior entre mais pobres, menos instruídos, mulheres e negros.

Era uma vez um país em que grande parte dos homens mais ricos, brancos e mais instruídos não acreditam na ciência. Ao menos é o que a pandemia e a adesão à vacina nos indica, além de outros dados levantados pelo SoU_Ciência. Entre esses segmentos há parcelas significativas que não seguem as recomendações da ciência e da Anvisa para a adesão à vacina - 41% dos mais ricos e 32% dos com ensino superior, 29% dos brancos e 29% dos homens não tomaram vacina ou apenas uma dose, sem eficácia necessária, com é amplamente sabido. Mas, felizmente, os mais pobres, menos instruídos, mulheres e negros tiveram níveis de adesão muito superiores, como indicamos no gráfico a seguir.

De acordo com a professora Soraya Smaili, uma das coordenadoras do Centro de Estudos, ao contrário do que poderia supor o senso comum, quem mais aderiu à vacinação e uso de máscara foi a população de menor renda e instrução.  “De acordo com os dados, a porcentagem negacionista ou apenas displicente se concentrou na alta renda e nível superior de escolaridade. O corte ideológico, pró-Lula ou pró-Bolsonaro, é outro marcador relevante", explica.

A pesquisa mostrou que fatores políticos influenciaram as decisões sobre a vacinação e o uso de máscara no contexto da pandemia, em especial relacionados ao apoio ou não ao atual governo federal. Declararam ter tomado apenas uma ou nenhuma dose da vacina (ou seja, estão com vacinação insuficiente/ausente) 37% dos eleitores de Bolsonaro, contra 10% dos eleitores de Lula. A pesquisa também apontou diferenças regionais: moradores do Centro-Oeste do país são os que indicam menor adesão à estratégia da vacinação contra Covid-19 (30% das pessoas dessa região declaram ter tomado apenas uma ou nenhuma dose). 


Destaque 2: Homens, mais ricos e mais instruídos são os menos vacinados e também os mais internados em decorrência do vírus, comprova o levantamento

Nesta mesma pesquisa, 1/4 da população brasileira com mais de 16 anos declarou ter tido Covid, com destaque para as pessoas com 50 anos ou mais (38%). Há variações importantes em função de renda e escolaridade, abrangendo também a necessidade e/ou possibilidade de internação.

Entre as pessoas que declararam ter tido Covid-19 ao menos uma vez, além das pessoas com mais de 50 anos, destacam-se as de maior escolaridade (31% com ensino superior) e maior renda (42% das pessoas com mais de 6 SM). Isso pode refletir a diferença de acesso ao diagnóstico, mas também se relaciona proporcionalmente aos dados sobre vacina e comportamento na prevenção e exposição ao coronavírus, como destacamos anteriormente.

A pesquisa também revelou que quase o dobro de homens precisou ser internado se comparado a mulheres (22 a 12%). Lembrando que, na nossa matéria anterior, destacamos que porcentagem relevante dos homens desconsiderou a importância da vacina (32% não tomou, ou tomou só uma dose, contra apenas 10% das mulheres nessa condição).

Pedro Arantes, um dos coordenadores do SoU_Ciência, explicou que há diversas variáveis a serem consideradas, como a facilidade ou não de acesso à rede hospitalar, apesar da ampla cobertura que o SUS alcançou para internações em vários estados. “Mesmo sem considerar essa possível restrição à demanda por internação, o dado do levantamento é ainda relevante para destacar, que homens, mais ricos e mais instruídos foram ao mesmo tempo os que optaram por serem os menos vacinados e os que acabaram sendo os mais internados. Dados epidemiológicos e de internação também confirmaram essa correlação", ressaltou.


Destaque 3: Política e religião deram claro perfil aos que aderiram ao engodo da cloroquina e do "Kit Covid"

Do total dos entrevistados, 3% indicaram ter usado  medicamentos do kit, como cloroquina e ivermectina. Já, 21%  declararam que sabem não existir qualquer recomendação científica para o seu uso. No entanto, como esperado, a adesão ao kit cresce entre bolsonaristas. Num total de 28% que disseram ter sido infectados entre os que avaliam como ótimo ou bom o atual governo federal, 9% tomou o kit, ou seja, ? dos infectados bolsonaristas foi iludido com o engodo de tratamento. Já entre os que consideram a gestão Bolsonaro ruim ou péssima, dos 20% infectados apenas 0,18% tomaram o kit, com adesão praticamente nula. Entre os 25% de evangélicos e 22% de católicos infectados, há também diferença relevante: 7% dos evangélicos (ou quase ? dos infectados) tomou o kit contra apenas 1% dos católicos, novamente adesão praticamente nula.


Destaque 4: Condução do governo na pandemia é reprovada por metade dos brasileiros: pobres, mulheres, jovens, negros e católicos são os mais críticos

A melhor avaliação do governo na condução da pandemia advém dos segmentos: homens, brancos, com mais de 40 anos, moradores do Centro-Oeste, evangélicos, de nível superior, com mais de 6 SM. Além, evidentemente, dos eleitores de Bolsonaro: 74% consideram a condução na pandemia ótima e boa, contra menos de 2% de aprovação entre eleitores de Lula. Já entre eleitores de Ciro, 43% consideram a condução regular.

Os dados do levantamento mostram que a polarização política na sociedade brasileira tem marcadores de classe, gênero, raça, religião e faixa etária importantes. Chama a atenção, dentre os dados apresentados, que 46% dos mais ricos consideram a atuação do governo como boa ou ótima, diante de apenas 14% dos entrevistados com até 1 salário mínimo de renda. Segundo Pedro Arantes, essa diferença de percepção é decorrente das diferentes condições socioeconômicas: "Os mais ricos tiveram como se proteger melhor na pandemia, pois moram melhor, puderam em geral trabalhar em home office e receber em casa por entrega o que necessitavam. As pessoas mais pobres foram as mais expostas, mais penalizadas com perda da renda, com a volta da fome, com a falta de espaço adequado para ficarem isoladas em casa, com as dificuldades de estrutura para suas crianças estudarem online".

A pesquisa também constatou que a maioria das mulheres (55%) consideram que a condução do governo foi ruim ou péssima, frente a um percentual menor que a metade dos homens (43%).


Destaque 5: Mais ricos e instruídos são os que defendem mais cortes no financiamento da ciência e das universidades. Contradição ou confirmação?

O levantamento nacional de opinião pública abordou também a questão dos cortes orçamentários do fomento à pesquisa científica e das instituições públicas de educação superior que vêm se intensificando nos últimos anos, sobretudo na atual gestão.

Confirmando a tendência já identificada como uma “Onda pró-ciência” na percepção pública da pandemia no Brasil, ampla maioria (62%) da população declara ser contra os cortes da ciência e das universidades federais.  Os mais ricos, os mais instruídos (com ensino superior), brancos e moradores da região Sul são os que mais defendem os cortes ou apenas indiferentes em relação ao financiamento da ciência. Segundo Maria Angélica Minhoto, também pesquisadora do SoU_Ciência, "há claro descompromisso de parcela relevante das elites brasileiras com a defesa e financiamento da ciência e da universidade pública, lembrando que estas mesmas elites, há algumas gerações atrás, construíram o nosso sistema universitário público".

De outro lado, entre os que mais desaprovam os cortes estãos os jovens, negros e de menor escolaridade. 64% da juventude brasileira (de 16 a 29 anos) são contra os cortes. Mas o dado mais expressivo, sem dúvida, é o etnicorracial: 75% das pessoas pretas e 73% das pardas se posicionaram contra os cortes, frente a apenas 46% das pessoas brancas - que, por sua vez, podem manifestar ressentimento com a política de cotas, tal como os mais ricos. É possível relacionar essa posição com a abertura de vagas por meio de políticas afirmativas para negros, que passam a fazer parte e a defender o sistema público de ensino superior com maior veemência.

São contra os cortes também os mais pobres e menos instruídos: 75% com Ensino Fundamental ou sem instrução, 82% das pessoas que ganham até um salário mínimo defendem o financiamento da ciência e das universidades públicas. A elas, como aos negros, e suas intersecções, também a política de cotas garantindo 50% de vagas para originários do ensino médio público trouxe interesse e acesso ao sistema público de educação superior.

O fator político eleitoral e ideológico tem forte impacto no posicionamento dos entrevistados: entre eleitores de Bolsonaro, 19% são favoráveis aos cortes e entre eleitores de Lula, 5%. De acordo com a pesquisa, merece atenção o fato de que 55% dos bolsonaristas são contra os cortes, ou seja, quase o triplo dos que defendem o arrocho orçamentário. Para Soraya Smaili há ainda uma maioria entre os bolsonaristas preocupada com a capacidade do país em produzir ciência e manter suas melhores universidades. “Esta é uma possível ponte para diálogo entre posições político-ideológicas opostas. A ciência pode colaborar, senão para unir, para criar espaços de diálogo na sociedade brasileira para a reconstrução nacional pós-pandemia", declarou.


NOTA METODOLÓGICA

A pesquisa telefônica foi realizada em duas rodadas, nos dias 27 de julho e 10 de agosto de 2022, com 1200 respondentes, entre homens e mulheres residentes em todas as regiões do Brasil, com idade igual ou superior a 16 anos, de diferentes escolaridades, raça/cor, renda e classe social. A amostra seguiu cotas variáveis, segundo distribuição da população por região e com proporções definidas com base nas pesquisas Pnad 2021 e Censo 2010/IBGE. Pesquisa com grau de confiança igual a 95% e margem de erro máxima prevista de aproximadamente 2.85% para mais ou para menos


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