Publicado em 22/04/2022 - 18:11 / Clipado em 22/04/2022 - 18:11
Coibir fraudes e garantir direitos da Lei de Cotas
Bancas de heteroidentificação racial são fundamentais nas universidades públicas
Maria Angélica Minhoto
Soraya Smaili
Pedro Arantes
SÃO PAULO
A política de cotas raciais para acesso às universidades públicas brasileiras tem sido um instrumento fundamental de inclusão social da população negra, que é maioria no país, como já mostramos aqui.
No entanto, desde a promulgação da Lei (2012), tem sido possível acompanhar notícias de fraudes reiteradas nos sistemas. Candidatos de fenótipo branco se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas, fazendo uso indevido do direito às vagas reservadas para o ingresso nas instituições públicas de ensino superior.
Para coibir esse comportamento e verificar a condição racial dos candidatos, a maioria das universidades federais instituiu comissões ou bancas de heteroidentificação, com a função de verificar se a autodeclaração de cor, raça e etnia dos candidatos no processo de admissão confere de fato com as suas características físicas.
Desde o início, a Lei de Cotas exigiu apenas a autodeclaração dos candidatos, o que permitiu, muitas vezes, a falta de fiscalização ou a anuência das instituições frente a casos evidentes de burla.
Com o passar do tempo, as instituições públicas foram pressionadas a estabelecer bancas de heteroidentificação racial antes dos processos de matrícula, tanto para garantir os direitos dos beneficiários da política, quanto para conferir segurança jurídica no preenchimento de suas vagas.
Essas comissões têm apurado também denúncias em relação àqueles que conseguiram burlar o processo de ingresso, antes das bancas, e ocuparam indevidamente as vagas reservadas em cursos de graduação e de pós-graduação - geralmente nos mais concorridos das universidades.
SoU_Ciência - Daniel Bueno
A existência desse recente órgão universitário decorre principalmente da luta e reivindicação de estudantes negros por instâncias de fiscalização e controle do usufruto do direito às cotas, um protagonismo que os fez transcender de uma posição de "objeto da política", para ocupar o lugar de formuladores de políticas acadêmicas e de engajamento institucional.
Um avanço a ser comemorado por toda a sociedade, levando em conta os princípios de uma educação crítica e reflexiva, voltada ao exercício da cidadania plena e participação social.
No caso das universidades, a composição e a condução dos trabalhos das bancas de heteroidentificação têm sido realizadas com a colaboração ativa de docentes e técnicos administrativos negros.
O efeito mais evidente desse trabalho tem sido o alto índice de ausência de candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas no procedimento de heteroidentificação. Fato que indica a eficácia dessa instância para coibir fraudes, principalmente em cursos concorridos, assegurando que a política pública atinja efetivamente o seu destinatário.
Os mecanismo de heteroidentificação têm papel pedagógico no interior das instituições, na medida em que os processos de conquista dessas instâncias é permeado por debates acalorados entre defensores e opositores a essas medidas, assim como em toda a sociedade, visto que garantem a finalidade da norma legal e constitucional.
É preciso lembrar, ainda, que as denúncias de fraudes posteriores ao ingresso, quando apuradas e comprovadas, não têm efeito retroativo que permita devolver às populações negra e indígena as vagas indevidamente ocupadas. Em alguns casos, essas comprovações só ocorrem após a conclusão do curso, implicando em cassação do diploma do estudante que fraudou o sistema de ingresso. Um enorme prejuízo individual e para toda a sociedade brasileira.
Que possamos usufruir de mais esse ensinamento proveniente da Lei de Cotas, garantindo a sua continuidade!
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