Publicado em 25/03/2022 - 07:43 / Clipado em 25/03/2022 - 07:43
Educação que Brasil precisa não inclui bíblias, nem desmonte
Denúncias contra ministério explicitam projeto de destruição do atual governo
Maria Angélica Minhoto
Pedro Arantes
Soraya Smaili
SÃO PAULO
Há pouco tempo mencionamos em artigo que, diante das demissões no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e da Capes, estávamos assistindo à Boiada da Educação, com o desmonte das importantes estruturas de avaliação do Ministério da Educação (MEC). Mal sabíamos que o desmonte é de fato muito mais profundo e, ao que tudo indica, envolve um esquema de beneficiamentos a pastores e prefeituras alinhadas com o atual ministro.
São muitas as informações divulgadas desde o dia 18 de março por meio de um importante trabalho jornalístico comprometido com a busca de dados. Um mês antes, veio a público a notícia de que servidores da Consultoria Jurídica da pasta entregaram seus cargos dizendo defender a "supremacia do interesse público sobre o privado".
Diante dos fatos recentes, seria coincidência pensar que os advogados da União estariam discordando de atos ou pedidos dos atuais gestores do MEC e por isso apresentaram as exonerações? Provavelmente não.
Desde o início do governo Bolsonaro, o MEC passou por muitas transformações que certamente estão levando a uma desestruturação significativa do órgão e da educação brasileira. Pelo ministério passaram olavistas, militares, oportunistas e agora, os pastores.
Enquanto isso, tanto a Educação Básica quanto a Superior têm passado por ataques, pelo aumento das deficiências no aprendizado, pelo sucateamento das universidades públicas, mesmo com suas importantes ações de enfrentamento à covid-19. Um processo acompanhado pelo crescimento da modalidade EAD (Educação a Distância) e pela evasão dos jovens em busca de empregos e do combate à fome de suas famílias.
Não por acaso, este governo se dedicou a criar mecanismos que impedem cada vez mais a autonomia das universidades federais, diretamente mantidas pelo MEC. Os ataques incluem desde a não nomeação de reitores eleitos em 19 das 68 instituições, até a pressão e perseguição de membros das comunidades acadêmicas. Uma clara intervenção em diversos níveis e que tem o propósito de enfraquecer os últimos redutos de resistência civilizacional.
Não se trata apenas do enxugamento orçamentário, com cortes de bolsas e recursos das universidades, mas também da forte interferência destrutiva no tecido organizacional das estruturas e métodos de trabalho, estabelecidos ao longo de décadas de pesquisa.
Com a ciência brasileira, que tem como base da sua produção e desenvolvimento as universidades públicas, não foi diferente. Além de resistir a todos os cortes e apresentar respostas à pandemia, teve que lidar também com a desinformação e com o negacionismo.
Ataques aos pesquisadores e pesquisadoras se tornaram comuns, assim como a facilitação do envio de verbas a reitores que apoiam a política atual. Agora, as denúncias dos últimos dias mostram que o mesmo vem acontecendo com pastores.
As denúncias envolvendo o ministério da Educação inauguram (ou desnudam) uma nova peça na engrenagem do projeto deste governo: o ataque à laicidade do ensino e do Estado, além da interferência ideológica e dos cortes de verbas.
Não se trata mais de minar sistematicamente as estruturas da educação, especialmente voltadas à qualidade do ensino, mas de interferir definitiva e contundentemente no conceito de Educação pelo qual tantos lutaram e que está presente na Constituição Federal.
A Educação como dever do Estado, direito do cidadão e que deve ser autônoma de partidos. Uma educação de qualidade e laica, que, em nenhum contexto, misture ensino e religião.
Mais do que uma necessidade momentânea, parar essa boiada na área da educação é um dever e uma questão central para o país. As soluções para a reconstrução do Brasil virão da educação, da ciência e da democracia. Não há outro caminho.
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