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Publicado em 17/12/2021 - 15:18 / Clipado em 23/12/2021 - 09:18

Orçamento federal para 2022 mantém ciência brasileira em situação de penúria


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Pesquisa. Imagem de DarkoStojanovic em Pixabay


Mesmo com a liberação de recursos do FNDCT e aumentos pontuais de verbas para CNPq e Capes, quadro financeiro permanece crítico para o ano que vem. Projeto deve ser votado no Congresso até o dia 20



Por Herton Escobar em Jornal da USP A proposta orçamentária do governo federal para ciência e tecnologia em 2022 traz uma novidade incomum: muitos dos valores destinados ao setor estão oscilando para cima, em vez de para baixo, como tem sido a regra nos últimos anos. Pelos números que constam na redação original do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), em tramitação no Congresso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) deverá ter R$ 6,6 bilhões à disposição no ano que vem para “despesas discricionárias”, que é de onde saem os recursos para o financiamento de bolsas, projetos e infraestrutura de pesquisa — um aumento de 138% em relação ao montante deste ano, segundo uma análise do orçamento feita para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e compartilhada com o Jornal da USP. O orçamento de fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também deverá aumentar, cerca de 47%.

Só tem um problema: esses valores foram tão brutalmente reduzidos nos últimos anos que, mesmo com esse aumento proposto para 2022, eles ainda passam longe de resgatar a ciência brasileira do estado de penúria em que se encontra. O orçamento de fomento do CNPq é um exemplo disso: mesmo com esse aumento de 47%, ele chegará a apenas R$ 35 milhões, um valor irrisório para o sustento da pesquisa científica nacional, que depende em grande parte desses recursos do CNPq para a sua sobrevivência. Dez anos atrás, para se ter uma ideia, esse montante passava de R$ 200 milhões, em valores corrigidos pela inflação. O orçamento de bolsas da agência, por sua vez, deve permanecer estacionado na faixa de R$ 955 milhões, com um aumento de apenas 6% em relação a este ano (menor do que a inflação), eliminando qualquer esperança de aumento no número ou no valor de bolsas concedidas.

Já o orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), deverá crescer apenas 4%, segundo a SBPC, com um incremento de 10% nos valores de fomento, mas um corte de 28% nos recursos destinados à avaliação de cursos de pós-graduação e um recuo de 2% no valor de bolsas para o ensino superior — criando uma perspectiva real de corte de bolsas no ano que vem. (Veja tabela abaixo.)

 

Proposta orçamentária 2022

Projeto de lei prevê aumento de recursos para Ciência e Educação no ano que vem. Veja abaixo alguns exemplos, com base em uma análise feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esses números poderão ser alterados durante a tramitação do projeto no Congresso.

*Valor previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2022) – PLN 19/2021 (em tramitação no Congresso, sujeito a alterações)

**Variação do valor previsto no PLOA 2022 comparado ao da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, incluindo os créditos suplementares aprovados no decorrer do ano

***IFES: Instituições Federais de Ensino Superior (universidades)

Fonte: SBPC e Andifes


Procurada pelo Jornal da USP, a Capes apresentou um quadro ainda mais preocupante da sua situação para 2022. Segundo a agência, o orçamento geral deste ano (considerando todos os créditos suplementares aprovados) chegou a R$ 3,37 bilhões, enquanto que o orçamento previsto para o próximo ano é de R$ 3,14 bilhões (uma redução de 7%). “Se adentrarmos 2022 com o mesmo orçamento de 2021 seremos irresponsáveis e terminaremos o ano com um déficit mínimo de R$ 800 milhões”, afirmou a presidente da Capes, Claudia Toledo, em 24 de novembro, no Encontro Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Enprop). 

“O déficit mencionado não corresponde a despesas novas”, esclareceu, posteriormente, a assessoria de comunicação da agência. “Com a pandemia, o início de alguns programas da Capes, no Brasil e no exterior, foi postergado, tornando a execução orçamentária de 2021 atípica. A retomada desses programas leva ao aumento das necessidades orçamentárias de 2022. Além disso, a taxa de câmbio subiu cerca de 40%, o que impacta na execução das cooperações internacionais e nos contratos com as editoras estrangeiras para o Portal de Periódicos.”


Possíveis cortes

Todos esses valores ainda poderão mudar até a votação final do orçamento no Congresso, prevista para ocorrer já nesta sexta-feira (17) ou, no máximo, até segunda-feira (20). O relatório preliminar do deputado Hugo Leal, relator do projeto na Comissão Mista de Orçamento, apresentado em 5 de dezembro, já propõe uma série de reduções desses montantes, incluindo um corte de R$ 33,2 milhões no orçamento geral da Capes e de R$ 60,2 milhões no orçamento geral do CNPq, incluindo R$ 53 milhões a menos para bolsas. O MCTI, no total, perderia R$ 126,7 milhões. 

“Apelamos ao bom senso dos congressistas para que os cancelamentos (…) não sejam aprovados pela Comissão Mista do Orçamento”, escreveu a SBPC em nota de 6 de dezembro, assinada pelo presidente da entidade e professor da USP, Renato Janine Ribeiro. “Todas estas áreas têm sofrido com diversos cortes nos últimos anos, colocando em xeque a própria subsistência do sistema científico brasileiro. O orçamento previsto para 2022 possui acréscimos que estão longe de equalizar estas perdas. É incompreensível que estas áreas não sejam consideradas prioritárias pelo Congresso Nacional, colocando-as em uma lista de cortes para atender a demandas de bancadas específicas.”

O cenário é de “profunda apreensão”, disse Ribeiro ao Jornal da USP. “Receamos que se repita o que aconteceu neste ano, em que verbas que estavam previstas acabaram não sendo liberadas.”


Retorno a 2019

A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), um consórcio que reúne entidades do setor em Brasília, pressiona deputados e senadores para que os valores propostos para 2022 sejam equivalentes, no mínimo, aos que constavam no orçamento de 2019, ajustados pela inflação. Nesse caso, seria necessário aumentar os valores previstos no projeto de lei atual em R$ 173 milhões para o CNPq e R$ 1,72 bilhão para a Capes, segundo a entidade.

O orçamento discricionário proposto pelo governo para as universidades federais em 2022, pelos cálculos da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), é de R$ 5,13 bilhões, apenas 14% maior do que o deste ano, que já foi um ano dificílimo. A proposta do relator do projeto na Comissão Mista de Orçamento é cortar R$ 298 milhões desse valor, reduzindo o aumento para 7%.

“Com a inflação dos últimos anos, e considerando o retorno das aulas presenciais que vai se completar integralmente no ano que vem, essa proposta orçamentária vai transformar 2022 no ano mais difícil dos últimos tempos para as universidades federais”, disse ao Jornal da USP o professor Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná e vice-presidente da Andifes.

Para retornar ao patamar de 2019, seria necessário incrementar esse valor em R$ 1,79 bilhão, segundo a Andifes. “Essa proposta orçamentária é terrível para as universidades federais. Não dá nem para respirar”, avalia a professora Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do SOU_Ciência, um centro de estudos voltado para políticas públicas nas áreas de ciência e ensino superior. Os aumentos previstos no orçamento do MCTI fornecem um “pequeno respiro” para a ciência nacional, diz ela, mas de forma alguma resolvem a situação.


FNDCT, enfim liberado

A grande novidade no orçamento do MCTI para 2022 é a liberação integral dos valores do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Não por uma boa vontade do governo, mas por uma obrigação legal: a da Lei Complementar 177/2021, aprovada em janeiro deste ano, que proíbe o contingenciamento de verbas do fundo — uma fonte vital de recursos para a ciência brasileira. A lei já era válida para este ano, mas uma manobra política fez com ela só fosse promulgada depois da votação do orçamento no Congresso, dando margem ao governo para manter o contingenciamento e adiar a implementação da lei. 

De um total de R$ 3,15 bilhões em recursos não reembolsáveis que deveriam ter sido liberados após a promulgação da lei, R$ 2,72 bilhões permaneciam contingenciados até a publicação desta reportagem. Apenas R$ 415 milhões foram liberados em junho, para a pesquisa de vacinas contra a covid-19, e outros R$ 16 milhões, para organizações sociais vinculadas ao MCTI. Havia a expectativa de que R$ 690 milhões fossem descontingenciados em outubro, mas o Ministério da Economia fez nova manobra e mudou o projeto de lei de última hora, liberando apenas R$ 90 milhões para o MCTI (com dinheiro remanejado de outras fontes, não do FNDCT). Por fim, há uma expectativa de que R$ 151 milhões sejam descontingenciados até o fim do ano pelo PLN 39, para a implementação da Chamada Universal do CNPq. Esse projeto foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento em 7 de dezembro, mas até a publicação desta reportagem (dia 14) ainda aguardava votação em plenário.

Para 2022, não há mais como dar a volta na lei. Seguindo o que determina a LC 177, o governo redigiu sua proposta orçamentária prevendo a liberação integral dos recursos que o FNDCT deverá arrecadar no ano que vem: R$ 8,46 bilhões.

Quanto desse dinheiro será de fato investido em pesquisa, porém, vai depender de uma série de fatores. Se por um lado a LC 177 proibiu o contingenciamento do FNDCT, por outro, ela modificou as regras de fundo para permitir que até 50% dos seus recursos sejam reservados como crédito para o financiamento de projetos de inovação em empresas (ou seja, recursos reembolsáveis, concedidos na forma de empréstimo). Antes, esse limite era de até 25%. O Ministério da Economia fez uso pleno dessa nova regra e dividiu os R$ 8,46 bilhões do FNDCT meio a meio: R$ 4,23 bilhões para operações de crédito e R$ 4,23 bilhões, para fomento (recursos não reembolsáveis, concedidos a fundo perdido para investimento em pesquisa e desenvolvimento). 

Além disso, carimbou cada centavo desses R$ 4,23 bilhões de fomento já no próprio orçamento, predeterminando quanto deverá ser gasto em cada um dos setores que contribuem para a arrecadação do fundo (veja tabela abaixo). É a primeira vez que isso ocorre. Anteriormente, essa alocação de recursos era definida pelo Conselho Diretor do FNDCT no decorrer de cada ano, por meio de decisões colegiadas, de acordo com as necessidades e prioridades do momento.


FNDCT 2022

A previsão é que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) arrecade R$ 8,46 bilhões no próximo ano. Graças a uma nova lei, esses recursos não poderão ser contingenciados. O governo propõe alocar 50% desse total como crédito reembolsável (para empresas) e 50%, como recursos não reembolsáveis (para fomento à pesquisa em universidades e institutos de pesquisa). Veja na tabela abaixo como esses 50% não reembolsáveis deverão ser distribuídos — ordenados por valor, em ordem decrescente.

*Valor previsto no texto original do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2022) – PLN 19/2021 (em tramitação no Congresso; sujeito a alterações)

Fonte: PLN 19/2021


Nesse ponto, surge uma pergunta fundamental: “Quem é que decide como esse dinheiro vai ser gasto?”, diz o pesquisador Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq.

Apesar dos recursos não reembolsáveis do FNDCT fazerem parte do orçamento do MCTI — razão pela qual o valor previsto para despesas discricionárias da pasta aumenta tanto em 2022 —, não é o ministério quem decide, sozinho, o que fazer com esse dinheiro. Muito menos o CNPq, ou mesmo a Finep, agência responsável pela gestão do fundo. A alocação dos recursos será definida pelo Conselho Diretor do FNDCT, no qual o governo federal tem maioria de votos. Mesmo nas situações em que o dinheiro vier a ser distribuído via editais do CNPq e da Finep, portanto, as decisões sobre onde, como e quando investir esses recursos dependerão, em sua maior parte, da vontade do governo.

“Temos todos os motivos para nos preocupar”, avalia Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, ex-presidente da Finep e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Há um caminho muito longo a ser percorrido até esse dinheiro chegar na mão do pesquisadores.”

A maior fatia não reembolsável do FNDCT, por exemplo, está reservada no projeto de lei para “subvenção econômica a projetos de desenvolvimento tecnológico”: R$ 700 milhões. Em segundo lugar vem a “manutenção de contratos de gestão com organizações sociais” (R$ 640 milhões), uma função que, até agora, cabia ao orçamento de administração direta do MCTI — pois visa ao pagamento de despesas operacionais dessas organizações, e não ao financiamento de pesquisas. As organizações sociais (OS) são entidades privadas, vinculadas a órgãos de governo, que prestam serviços de interesse da sociedade. Há seis delas vinculadas ao MCTI: CGEECNPEMEmbrapiiInstituto MamirauáIMPA e RNP

O terceiro maior valor no orçamento do FNDCT está reservado para “fomento a pesquisa e desenvolvimento em áreas básicas e estratégicas” (R$ 530 milhões) e o quarto, para “fomento a projetos institucionais de ciência e tecnologia” (R$ 466 milhões). Resta saber como esse dinheiro será gasto: se na forma de editais, em que qualquer cientista pode concorrer, ou na forma de “encomendas”, em que o governo escolhe um grupo de pesquisa para desenvolver um projeto específico. Também estão reservados R$ 200 milhões para a construção do Sirius, a nova fonte de luz síncrotron de última geração, instalada no CNPEM, e outros R$ 200 milhões, para a construção do novo Laboratório Nacional de Máxima Contenção Biológica (LNMCB), projetado para trabalhar com vírus patogênicos de alta periculosidade, que também será instalado no CNPEM, em Campinas. 

“Estão desrespeitando completamente a legislação dos fundos setoriais para botar o dinheiro onde eles querem”, diz o biofísico Wanderley de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que já foi secretário-executivo do MCTI e presidente da Finep. Ele questiona a legalidade do uso do FNDCT para o pagamento de contratos de gestão das OS e teme que os recursos de infraestrutura e fomento do fundo sejam usados preferencialmente na forma de encomendas, como já aconteceu neste ano. “O orçamento será maior, vai haver liberação de recursos, mas eles não serão utilizados para aquilo que a comunidade acadêmica espera”, diz. Nas universidade públicas, que empregam a maior parte dos cientistas no Brasil, “a situação será muito parecida com a que temos hoje”, aposta Souza. “Será um pouco melhor que 2021, mas só porque neste ano não aconteceu praticamente nada.”

A outra metade dos R$ 8,46 bilhões do FNDCT, destinada a operações de crédito (recursos reembolsáveis), muito dificilmente será utilizada pela indústria, pois os juros associados a esses empréstimos são altos demais para uma atividade de alto risco, como a inovação tecnológica. O mais provável, segundo os especialistas, é que esse dinheiro fique parado e seja recolhido de volta ao Tesouro no fim do ano, como superávit fiscal. “Se não houver subsídio esse dinheiro não é usado, porque não é atrativo para as empresas”, explica Arbix.

Outra preocupação é com relação ao tempo de liberação dos recursos não reembolsáveis. Uma tática já manjada dos governantes é fazer essa liberação apenas no fim do ano, para que as instituições beneficiadas não tenham tempo de fazer os empenhos necessários e o dinheiro, no fim das contas, acabe retornando ao caixa do governo como superávit. “Ainda que o FNDCT seja descontingenciado, nada garante que o dinheiro será liberado logo”, diz o físico Luiz Davidovich, professor da UFRJ e presidente da Academia Brasileira de Ciências. “Considerando o que este governo tem feito contra a ciência, tudo pode acontecer.”


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