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Publicado em 29/11/2021 - 08:06 / Clipado em 30/11/2021 - 08:06

Visão sobre as universidades públicas brasileiras reflete polarização da sociedade brasileira


E mais de ⅓ dos brasileiros ainda desconhecem o que nelas é feito. A sociedade também quer ter mais informações sobre gastos de recursos pelas universidades públicas e impacto dos cortes 


Os gravíssimos cortes no orçamento da ciência e das universidades públicas que têm ocorrido nos últimos anos no Brasil, e com destaque nesse último mês de outubro, têm gerado imensa preocupação à comunidade acadêmica e científica, pois irão comprometer seriamente a educação e a produção de ciência e tecnologia no país. Foco atual de diversas manifestações de repúdio de organizações científicas, educacionais, mobilizando docentes, pesquisadores e estudantes, a defesa da ciência e das universidades públicas brasileiras precisa também enfrentar a desinformação da sociedade, segundo dados recentes da segunda pesquisa feita pelo Centro SoU_Ciência, em parceria com o Instituto Ideia Big Data. 

A pesquisa, com grau de confiança de 95%, foi realizada entre os dias 07 a 13 de outubro de 2021, com 1.500 respondentes, entre homens e mulheres residentes em todas as regiões do Brasil, com idade igual ou superior a 16 anos, de diferentes escolaridades, raça/cor, renda e classe social. A amostra seguiu cotas variáveis, segundo distribuição da população por região e com proporções definidas com base nas pesquisas Pnad 2018 e Censo 2010/IBGE. 

Em pergunta sobre "O que você acha que é feito nas universidades públicas?", com resposta espontânea (não estimulada), 36,1% dos brasileiros disseram não saber o que ocorre nas universidades públicas. Esse percentual é maior (40-42%) quando se trata da população de menor renda e menor escolaridade. Outro dado preocupante é que esse percentual fica ainda mais elevado entre os respondentes identificados como estudantes: 42,2% informaram que não sabem o que acontece nas universidades. Mesmo entre jovens em idade universitária (de 16 a 29 anos) há alto grau de desconhecimento sobre o que as universidades públicas realizam (37,1%). O percentual cai um pouco entre os mais ricos (acima de 6 SM) e com ensino superior, no entanto, o desconhecimento sobre o que é feito nas universidades ainda é citado por 23-25%. 

"Os dados reforçam a importância da divulgação e comunicação à sociedade brasileira sobre a relevante atuação das universidades públicas no país, por exemplo, no enfrentamento da pandemia da Covid-19", afirma Soraya Smaili, professora titular da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e coordenadora geral do SoU_Ciência. "Como parte da resistência frente aos ataques, retrocessos e negacionismo da ciência, a comunicação hoje é ainda mais urgente, especialmente com a população de menor renda e escolaridade e também com estudantes, no intuito de ampliar e democratizar o conhecimento e o acesso aos seus programas e atividades", completa Soraya, que foi reitora da Unifesp entre 2013 e 2021. 

A pesquisa também indicou que apenas 2,3% dos brasileiros identificam atividades relacionadas à extensão universitária e à função social da universidade . O dado revela que há ainda um grande trabalho a ser feito para o reconhecimento efetivo da extensão universitária como uma das três bases fundamentais das universidades públicas. O chamado "tripé" do ensino, pesquisa e extensão das universidades foi estabelecido na redemocratização do país e na Constituição Federal de 1988. Os dados da pesquisa reforçam a importância da sistematização e divulgação de experiências e proposições para o fortalecimento e o reconhecimento da extensão universitária no país, tarefa com a qual o SoU_Ciência pretende colaborar. Em pergunta estimulada, contudo, 21,7% dos respondentes disseram que as universidades devem colaborar para fortalecer políticas públicas e 21,4% para apoiar comunidades vulneráveis - ambas ações de extensão universitária. 

A pesquisa de opinião pública aponta ainda que a visão sobre o que se faz nas Universidades Públicas é oposta entre os favoráveis e os críticos do governo atual. Entre os respondentes "bolsonaristas" (que avaliam positivamente o governo Bolsonaro como bom ou ótimo), um em cada cinco apontaram espontaneamente que a principal ação seria a "doutrinação" (ideológica, partidária, comunista, de gênero etc.): a doutrinação ideológica foi apontada por 20,9% dos Pró-Bolsonaro, contra apenas 2,4% entre os contrários ao governo. Inversamente, os críticos ao governo Bolsonaro consideram que o ensino e a pesquisa de qualidade são as atividades definidoras das universidades públicas (resposta de 47,6%, somadas, contra apenas 15,3% dos bolsonaristas). 

Outro destaque na polarização de opinião vai para o reconhecimento da pesquisa científica. Críticos do governo apontam que a pesquisa científica é a segunda atividade mais relevante das universidades públicas (empatada tecnicamente com ensino de qualidade): apontada por 22,3% dos críticos ao governo contra apenas 4,5% dos pró-governo. Além de considerarem local de doutrinação ideológica, as outras duas características mais lembradas por apoiadores do governo Bolsonaro foram: má qualidade de ensino e dos docentes (12%) e o "clima de balbúrdia" (drogas, bebidas, curtição, não fazer nada - com 11%). Entre os críticos ao governo, depois de ensino e pesquisa de qualidade, a terceira principal característica destacada sobre as universidades públicas são os ataques e cortes orçamentários que vem sofrendo. 

Segundo Pedro Arantes, professor da Escola de Filosofia, Ciências e Letras-EFLCH da Unifesp e coordenador do SoU_Ciência, "a posição polarizada sobre as universidades públicas é sintomática e emblemática, é quase um divisor na sociedade brasileira, como é a posição antagônica em torno do legado e memória de Paulo Freire. Nossa pesquisa revelou que os pró-governo consideram a universidade como espaço de doutrinação, balbúrdia e má qualidade de ensino. Nos perguntamos, baseados em quê? Em declarações e publicações nas redes sociais do próprio governo". O professor explica que o SoU_Ciência está agora "fazendo esse monitoramento nas redes sociais para mapear quais os principais divulgadores dessa maneira de descrever as universidades públicas, suas 'narrativas', posts e memes". 

Ao tratar do que as pessoas gostariam de saber mais sobre as universidades públicas, a principal demanda da sociedade é que as universidades deem maior transparência no uso dos recursos públicos. A população com nível superior, maior renda e pró-Bolsonaro é a que mais cobra transparência das universidades no uso de recursos. Os dados apontam a importância de se ampliar a divulgação e a transparência dessas informações, especialmente para esclarecer diversos "mitos e verdades" sobre o custo das universidades públicas, o custo-aluno (ao se comparar com o setor privado e internacional), o salário de docentes, etc. A pesquisa ressalta que a prestação de maiores esclarecimentos sobre esses temas são demandas relevantes da opinião pública na atualidade.

Sobre o tema, enquanto a transparência do uso das verbas é a maior demanda apontada em geral, com destaque para servidores públicos, empresários/acionistas e trabalhadores (CLT e autônomos), a preocupação com os cortes orçamentários e seus impactos foi o terceiro tema com mais citação, e o que mais interessa estudantes. Vale lembrar também que as universidades têm portais de transparência, relatórios anuais de prestação de contas que são públicos a analisados pelo TCU, que tem ouvidorias etc. A Profa. Soraya Smaili informa que "O SoU_Ciência vai iniciar um curso aberto com o Prof. Nelson Amaral, da UFG e um dos maiores especialistas no Brasil em financiamento da educação superior, justamente para discutir mitos e verdades sobre os custos das universidades e a melhor forma de apresentar isso para a sociedade". 

Além disso, conhecer o funcionamento da política de cotas, acesso e permanência é a segunda principal demanda da sociedade para a universidade. O interesse pelas políticas de acesso e inclusão, cotas e bolsas é muito maior entre críticos do governo (12,9%) do que entre bolsonaristas (apenas 3,5%). Além disso, verifica-se que desempregados/sem renda são os maiores interessados em saber sobre cotas nas universidades públicas (somam 15,4%, diante da média de 9,9% que apontaram o tema). Sobre o tema das cotas, Maria Angélica Minhoto, professora da EFLCH-Unifesp e coordenadora do Centro SoU_Ciência informa que "o SoU_Ciência iniciará diversas ações sobre o tema, apresentando resultados do impacto das cotas, histórias de vida e uma campanha em defesa da sua manutenção e ampliação. A Lei de Cotas [Lei 12711/2012] será revisada em 2022, quando completará 10 anos de vigência. Precisamos colaborar com mais elementos para a opinião pública estar informada sobre isso nesse momento." 

Segundo Maria Angélica, "o diálogo e a comunicação com a população devem partir da sua realidade e das suas experiências", e como indicamos no segundo Release, dados da mesma pesquisa de opinião pública apontam que problemas relacionados à crise econômica são o tema do momento, sendo que a fome e a pobreza preocupam 62% dos brasileiros. 


Por Denis Dana, da Ex Libris Comunicação Integrada


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