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Publicado em 25/11/2021 - 15:29 / Clipado em 25/11/2021 - 15:29

Fim da pandemia? Por que é cedo para abandonar cuidados contra a Covid-19


​Pela primeira vez, há sinais de arrefecimento crise sanitária, e as perspectivas para 2022 são de um ano melhor. Mas especialistas pedem cautela — e desafios ainda precisam ser superados



TEXTO: MARÍLIA MARASCIULO | EDIÇÃO: LUIZA MONTEIRO



Quem passou a virada do ano de 2020 para 2021 acreditando que o pior da pandemia já havia passado não demorou a se frustrar. Em 14 de janeiro, a cidade de Manaus voltou a virar manchete pelos agravos derivados da Covid-19: além do alto número de casos, dessa vez faltavam inclusive ventiladores mecânicos em hospitais, com relatos dramáticos de alas inteiras de pacientes morrendo sem ar.

Dois meses depois, a segunda onda atingiu em cheio o restante do país: março foi o mês mais letal da pandemia no Brasil, com 66.868 vítimas da doença. O índice de ocupação de leitos em UTIs foi igual ou superior a 80% em 24 estados e no Distrito Federal, com 15 deles iguais ou acima de 90%, no que foi descrito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) como o maior colapso sanitário e hospitalar da história. A transmissão do vírus avançava descontroladamente a uma taxa de 1,5% ao dia, e os óbitos a 2,6%, alcançando o pico de 4.211 mortos em um único dia em abril.

Com pouco mais de 2% da população totalmente vacinada, assistíamos a países como Estados Unidos comemorarem a vacinação de suas populações e flexibilizarem as medidas de prevenção ao contágio — em 13 de maio, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA anunciou que indivíduos totalmente vacinados não precisariam mais usar máscara. Por aqui, no dia 19 de junho, alcançávamos a triste marca de 500 mil mortos pela Covid-19. Uma semana depois, registrávamos também o primeiro caso da doença provocado pela variante delta, que surgiu na Índia e é até três vezes mais transmissível.

Diante de tudo isso, as perspectivas não eram animadoras, e especialistas consideravam que uma terceira onda era só questão de tempo. Em julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta de que o mundo estaria entrando nos estágios iniciais de um novo pico da doença causada pelo coronavírus Sars-CoV-2. Países com bons índices de vacinação, inclusive os Estados Unidos, passaram a enfrentar novos surtos de Covid-19 provocados pela delta. Mas, em uma reviravolta inesperada e contrariando até previsões otimistas, esse não foi o cenário visto no Brasil.

“Nós tínhamos muito medo de como a delta iria nos afetar, mas não foi tão grave como esperávamos ou como vínhamos observando em outros países. No Rio de Janeiro houve uma [nova] onda, embora não tenha sido tão forte ”, avalia o estatístico Leonardo Soares Bastos, pesquisador do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc/Fiocruz).

Em julho, o país teve uma queda de 42% na média móvel de número de óbitos e de 40% em novos casos, segundo o Ministério da Saúde. A justificativa era só uma: a vacinação finalmente avançava por aqui. Embora o governo federal tenha demorado para comprar doses de imunizantes, elas passaram a ser aplicadas em larga escala assim que novos lotes estavam disponíveis — em um único dia de junho, mais de 2 milhões de pessoas foram vacinadas. “O papel do SUS foi impressionante. Apesar de tudo [em relação aos problemas na condução da pandemia], ainda temos uma boa estrutura e isso impactou diretamente nos números”, observa o estatístico da Fiocruz.

Outro fator que contribuiu para a aceleração na aplicação das vacinas foi a alta adesão dos brasileiros ao ato de se imunizar. “A população entendeu a importância. Todo mundo que pode está indo se vacinar. Por isso, enxergo o cenário atual e a queda de casos com muito mais otimismo do que as quedas anteriores”, analisa o engenheiro biomédico Vitor Mori, do Observatório Covid-19 BR e pós-doutorando no Larner College of Medicine da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos.

No dia 13 de outubro, o país ultrapassou a marca de 100 milhões de pessoas completamente imunizadas contra a Covid-19. Hoje, o número de vacinados no Brasil é maior até do que o de países que largaram na frente, como os Estados Unidos: até o dia 27 de outubro, 74% dos brasileiros haviam tomado ao menos a primeira dose da vacina, contra 65% dos norte-americanos, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Estaríamos, então, nos aproximando do fim da pandemia? “Se tudo continuar como está — e a única coisa que pode mudar esse cenário é a chegada de uma nova variante com aspecto de escape à resposta imune produzida por vacinas —, o cenário é positivo”, avalia o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz. Mas existem alguns desafios a serem superados antes de podermos queimar as máscaras em fogueiras de álcool em gel.

"Todo mundo que pode está indo se vacinar. Por isso, enxergo o cenário atual e a queda de casos com muito mais otimismo do que as quedas anteriores""

Vitor Mori, biomédico do Observatório Covid-19 BR


Muito para poucos

Um dos maiores entraves para o fim da pandemia ser declarado é a ampliação da cobertura vacinal. “Temos uma situação bastante desigual. Quando olhamos os dados do mundo, a gente vê que a população vacinada está em torno de 35%, pouco considerando que é uma pandemia que atingiu todos os países”, analisa a farmacologista Soraya Smaili, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Isso é uma péssima notícia, uma inconsequência. Porque os efeitos virão para nós mesmos. Em um mundo globalizado, não conseguimos restringir a circulação do vírus. Deveria ser uma estratégia do mundo, pois não haverá saúde enquanto não houver essa visão de saúde global”, adverte Smaili, que também é coordenadora do Centro de Saúde Global (CSG) e do Centro SOU Ciência, ambos da Unifesp.

Desde quando os principais laboratórios começaram a anunciar a fabricação de vacinas contra a Covid-19, poucos meses após o início da pandemia, as maiores economias do mundo se lançaram em uma corrida para garantir doses. O resultado foram países com o suficiente para vacinar até quatro vezes toda sua população, como o Canadá, hoje com cerca de 75% da população totalmente vacinada. Uma estimativa da Airfinity prevê que países do G7 e da União Europeia vão encerrar 2021 com 1 bilhão de vacinas a mais do que precisam, das quais 100 milhões devem perder a validade até o fim do ano.

Enquanto isso, somente 3% das pessoas em países de baixa renda receberam ao menos uma dose até o dia 27 de outubro, segundo a Our World in Data. A Nigéria, por exemplo, país africano com pouco mais de 206 milhões de habitantes e PIB per capita de US$ 2097, teve somente 1,4% de seus cidadãos completamente vacinados até essa data.

Prevendo a desigualdade na aplicação de vacinas, já em abril de 2020 a OMS criou o Covax Facility, um consórcio em que países poderiam comprar doses em conjunto antecipadamente para doá-las a nações de baixa renda ou reservar lotes para suas populações. O problema é que os ricos acumularam um número bem maior do que o necessário em negociações diretamente com os laboratórios, aumentando o preço dos imunizantes e diminuindo a oferta para a Covax.

Em setembro, o consórcio, que esperava receber cerca de 2 bilhões de doses em 2021, informou que o número deve ser de apenas 1,4 bilhão de doses. “Faz um ano desde que esse programa inovador nasceu, em um acordo para garantir acesso a vacinas a todos, não importa a renda, status ou onde moram”, diz uma nota da Organização das Nações Unidas (ONU) na data do anúncio. “Ainda assim, o panorama global de acesso às vacinas contra a Covid-19 é inaceitável.”

Reforçando o pedido por maior compromisso das nações e dos laboratórios com a entrega das doses, o comunicado enfatiza que “ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo”. “Só existe uma maneira de encerrar a pandemia e prevenir o surgimento de novas e perigosas variantes, e é trabalhando juntos”, conclui a ONU.

Na visão de Smaili, a falta de colaboração, de fato, foi uma das maiores falhas no modo como o mundo lidou com a pandemia. “A gente teve um grande desenvolvimento da ciência, a ciência queria resolver o problema, mas a política e a economia não foram cooperativas”, opina a docente da Unifesp. “Para controlar a situação, é preciso haver uma mudança na distribuição de renda e de vacinas, porque se não houver isso, o vírus continua circulando. Corremos o risco de aprofundar e prolongar ainda mais essa situação.”

"Para controlar a situação, é preciso haver uma mudança na distribuição de renda e de vacinas [no mundo], porque senão o vírus continua circulando""

Soraya Smaili, coordenadora do Centro de Saúde Global e do Centro SOU Ciência, ambos da Unifesp


Livre circulação perigosa

Com cerca de 30 mil letras de RNA em seu genoma, o Sars-CoV-2 usa essas informações para infectar nossas células, “sequestrá- -las” e se replicar, produzindo novos vírus. Nesse processo, existe o risco de ocorrerem pequenos erros de cópia ao acaso, as mutações — que podem alterar ou não a forma como o coronavírus é construído. Se isso acontecer, tem-se uma variante. E, se um grupo de variantes começar a se comportar de forma diferente que o vírus ancestral, com maior capacidade infecciosa, por exemplo, tem-se uma nova cepa (e um motivo de alerta).

Atualmente, existem quatro cepas consideradas de preocupação por serem mais transmissíveis e capazes de burlar medidas de controle da doença: a alfa, a beta, a gama (que surgiu no Brasil em novembro de 2020) e a delta, que já é a principal causadora de novos casos em diversos países, como o nosso. Mas novas modificações surgem a todo momento.

Uma das mais recentes, a mu, vem sendo monitorada pela OMS desde agosto por ter propriedades que indicam potenciais de escape da imunidade. E isso é apenas uma estratégia de sobrevivência viral: se um vírus tiver uma modificação que facilite sua entrada nas células, ela naturalmente se sobrepõe às outras por possibilitar que mais vírus causem infecções. Por isso, quanto mais o Sars-CoV-2 circular, maior o risco de mutações que podem eventualmente burlar a proteção fornecida pelas vacinas.

E há mais um motivo de alerta em relação aos imunizantes: o nível de proteção contra infecções pelo coronavírus. “A vacina não é uma armadura. Ela protege, mas não é tão efetiva para evitar infecções como gostaríamos que fosse”, explica Leonardo Soares Bastos, da Fiocruz. Isso porque, embora tenham eficácia comprovada contra casos graves e óbitos, a maioria das vacinas não foi testada para evitar a infecção em si.

“Esse é um dos desafios que a doença nos coloca, não saber a duração da imunidade tanto por infecção quanto pela vacina”, pontua a médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, da vigilância epidemiológica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, em São Paulo. “E já estamos vivendo isso, vendo pessoas vacinadas há mais tempo terem infecção de novo e falando em dose de reforço.” Está aí, aliás, mais um debate na condução da pandemia.


Terceira dose? Eis a questão

A necessidade de uma dose de reforço tem sido bastante discutida na comunidade científica. Em julho, à medida que a variante delta se espalhava e pessoas vacinadas voltaram a se infectar, alguns países começaram a questionar a necessidade de uma terceira aplicação da vacina. No dia 8 daquele mês, as farmacêuticas Pfizer e BioNTech anunciaram que buscariam autorização para recomendar uma dose de reforço de sua vacina. Citando dados de Israel, segundo os quais a eficácia da vacina caía de 95% para 64% seis meses após a segunda dose, o laboratório argumentou que a proteção dos imunizantes diminuiria em até um ano após o ciclo completo.

Em uma conferência quatro dias depois, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou a ideia, que considerou “seriamente decepcionante”. “Não faz nem sentido”, afirmou, pedindo que os governantes segurassem os planos pelo menos até o fim de setembro, o que permitiria que ao menos 10% da população de todos os países fosse vacinada.

A sugestão não foi respeitada. Em agosto, Israel, Estados Unidos, Alemanha, Turquia, Chile, Uruguai, Rússia e o próprio Brasil foram algumas das nações que passaram a aplicar uma terceira dose em grupos considerados vulneráveis — idosos e pessoas imunossuprimidas.

“Idosos respondem menos a vacinas, produzindo menos anticorpos e menor resposta celular”, justifica Julio Croda, da Fiocruz, que desde o início do debate defendeu abertamente a importância de uma terceira dose para esse grupo. “No caso do Brasil, ainda mais importante do que a queda da proteção ao longo do tempo, é que 78% dos idosos acima de 70 anos receberam a CoronaVac, que produz menos resposta imune. Tanto que agora a própria OMS recomenda uma terceira dose para idosos que tomaram vacinas de vírus inativo [caso da CoronaVac]”, conclui.

No início de outubro, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar a aplicação do reforço em idosos com 60 anos ou mais vacinados com produtos de vírus inativado e em todas as pessoas imunossuprimidas, não importa o tipo de imunizante recebido. Mesmo assim, alguns países vêm aplicando o reforço em toda a população. “Ainda não sabemos o tempo de duração da imunidade produzida pelas vacinas. Serão seis meses? Um ano? Se a transmissão estiver alta, vamos voltar a ter casos graves assim que a imunidade cair”, alerta Bastos.

Por enquanto, porém, não existem evidências da necessidade de uma terceira dose para a população geral. Ao menos foi o que concluiu um grupo de pesquisadores que fez uma revisão dos dados disponíveis até o momento e a publicou em setembro no periódico The Lancet. “Embora a ideia de reduzir ainda mais os casos ao aumentar a imunidade em pessoas vacinadas seja atraente, quaisquer decisões de fazê-lo deveriam ser baseadas em evidências e levar em conta os benefícios e riscos individuais e sociais”, escrevem os cientistas.

“As vacinas contra a Covid-19 continuam sendo eficazes para casos graves da doença, inclusive os causados pela variante delta. Mesmo que se comprove que os reforços diminuem o risco de doenças graves a médio prazo, os estoques de doses poderiam salvar mais vidas se usados em populações ainda não vacinadas, em vez de reforços para os já imunizados”, diz o texto.

"Sabemos que o número de casos é maior [que os dados oficiais], mas não sabemos mais como calcular a subnotificação (...) com a vacinação tudo mudou""

Leonardo Bastos, pesquisador do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc/Fiocruz)

Apesar desse imbróglio, vale acrescentar que a vacinação não é a única medida importante no manejo da pandemia que tem sido negligenciada ou ocorrido de maneira desigual no mundo: o diagnóstico também.


Testar para conter

Mesmo com a proteção das vacinas e a redução no número de casos e óbitos por Covid-19 no Brasil, ainda estamos em um patamar muito alto: em 26 de outubro, a média móvel foi de 12 mil novos casos e 342 mortes por dia, segundo o portal G1. “É um número bastante expressivo, que mostra que há uma transmissão importante do vírus na comunidade e é necessário manter os níveis de proteção, com uso de máscara, distanciamento, locais arejados e limpeza de mãos”, ressalta a médica Ana Freitas Ribeiro, do Instituto Emilio Ribas.

Só que há um agravante que permeou toda a condução da pandemia no país e permanece: as falhas na comunicação sobre essas medidas de segurança. “É um pouco frustrante olhar o que acontece hoje e ver que muita coisa não saiu do lugar, tem uma inércia muito grande”, considera Vitor Mori. Para o engenheiro biomédico, o principal foco hoje deveriam ser políticas que incentivassem as pessoas a ficarem ao ar livre, além de ações de fato eficazes para ambientes internos.

“Quando falamos em medidas de segurança, o cenário é muito dinâmico. Se adotamos protocolos com tamanho único para todos os lugares, acabamos com coisas desnecessárias e exageradas em alguns locais, e insuficientes em outras.” Esse entendimento deveria orientar o processo de abertura e flexibilização. “Cada local tem que olhar para os seus indicadores, não só vacinação ou óbitos, e ter um cenário mais amplo. Não adianta vender a ideia de que existe um número mágico de vacinados para tudo voltar ao normal”, ressalta.

Na visão do especialista do Observatório Covid-19 BR, com o atual cenário, é possível debater a possibilidade de grandes eventos para o ano que vem, como o Carnaval. “Um gestor tem que estar preparado e é possível discutir, pensar, propor métricas. O que tem de ser comunicado com muita clareza é que o cenário é volátil”, observa Mori. Uma das propostas veio da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que elaboraram uma Nota Técnica, a pedido da Comissão Especial de Carnaval da Câmara dos Vereadores, com cinco indicadores para a realização do Carnaval no Rio de Janeiro em 2022.

Seriam eles: média móvel semanal menor que 110 casos de Síndrome Gripal e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG); fila de espera para atendimento e internação por SRAG de não mais de uma hora e no máximo três pessoas; taxa de contágio no Rio de Janeiro menor que 1 (ideal 0,5) por pelo menos sete dias; taxa de vacinação no Brasil, estado e capital do RJ acima de 80%; e testes positivos para Covid-19 inferiores a 5% por pelo menos uma semana.

O último requisito é talvez um dos mais críticos, pois o Brasil realiza poucos testes e deixa de notificar casos. “Esse é um grande calcanhar de Aquiles”, reconhece o estatístico Leonardo Bastos. “Sabemos que o número de casos é maior [que os dados oficiais], mas não sabemos mais como calcular a subnotificação. Antes, sabíamos que para cada hospitalização havia 10 casos leves. Mas agora, com a vacina, tudo mudou.” Para Julio Croda, o ideal seria que os testes fossem ofertados gratuitamente, por livre demanda e sem a necessidade de prescrição profissional — como acontece nos Estados Unidos e em países da Europa. Essa seria, inclusive, uma das melhores formas de conter surtos futuros, seja de Covid-19, seja de outras doenças infecciosas.

No início de outubro, a médica curitibana Mariângela Simão, diretora-geral adjunta da OMS, afirmou que a organização já prepara um tratado sobre pandemias e que o surgimento de uma nova crise como a da Covid-19 é “apenas uma questão de tempo”. Mas a maioria dos países, especialmente o Brasil, ainda não conseguiu evoluir na criação de mecanismos de contenção rápida e local. “Vimos uma grande dificuldade global de contenção de um vírus extremamente contagioso. O ideal teria sido contê-lo nos primeiros casos lá na China”, avalia Croda.


À espera de um remédio

Falta também um medicamento ou tratamento eficaz contra a Covid-19. “Nunca sabemos quem eventualmente vai ter um quadro grave, então precisamos de tratamentos além das vacinas”, pontua Ana Freitas. “Isso geraria um conforto muito bom, porque nunca vamos conseguir impedir totalmente a transmissão ou garantir que alguém não vá ter complicação.” Desde o começo da pandemia, diversos medicamentos vêm sendo testados — segundo a Regulatory Affairs Professionals Society, maior organização voltada para entidades envolvidas na regulamentação de produtos farmacêuticos, existem ao menos 84 testes diferentes em andamento.

Dois dos maiores estudos globais, o Recovery, conduzido pela Universidade de Oxford, e o Solidarity, da OMS, já apontaram alguns caminhos, principalmente em relação ao que não funciona. Sabe-se, por exemplo, que hidroxicloroquina e ivermectina, que ganharam destaque no Brasil e nos Estados Unidos por fazerem parte de um suposto tratamento precoce, não só são ineficazes, como podem trazer complicações para os pacientes.

No caso do Solidarity, resultados preliminares apontaram que o antiviral Remdesivir, aprovado para uso emergencial pela agência reguladora dos Estados Unidos, a FDA, tem pouco ou nenhum efeito. Mas também mostraram que o imunomodulador dexametasona pode reduzir em um terço o risco de morte de pacientes em ventilação mecânica.

Ainda não existem, entretanto, remédios desenvolvidos e aprovados especificamente para tratar a Covid-19, embora as perspectivas sejam boas. No fim de setembro, a farmacêutica Pfizer anunciou que deve iniciar as próximas etapas de estudos clínicos de um antiviral oral contra a Covid-19. A droga inibe uma enzima fundamental para a replicação do vírus e será testada em até 2.660 adultos.

Poucos dias depois, a farmacêutica Merck divulgou que desenvolveu um remédio, o primeiro em formato de comprimido, que diminuiu pela metade as hospitalizações e mortes pela doença em pacientes com quadros leves. Mas o estudo preliminar, feito com 775 pessoas, ainda não passou pela revisão de outros cientistas e não há previsão de quando seria liberado para uso.

"[Ainda] Há um transmissão importante do vírus e é necessário manter os níveis de proteção, com máscara, distanciamento, locais arejados e limpeza de mãos""

Ana Freitas, médica da vigilância epidemiológica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas

Tudo isso faz os especialistas manterem cautela em relação a previsões sobre o próximo ano de pandemia. “Não estamos ainda em uma situação confortável. Enquanto essas perguntas não forem respondidas pela ciência, é hora de ter cuidado”, adverte Ana Freitas. Entretanto, é possível afirmar que, pela primeira vez, há bons motivos para crer que a tendência é de melhora. “Com o cenário atual, temos muito mais otimismo do que no ano passado”, completa Mori. Segundo ele, é natural que os casos aumentem quando há flexibilização, mas a reabertura é perfeitamente possível desde que se saiba reagir quando necessário.

Também é crucial não abandonar, por ora, as máscaras. Elas são a maneira mais eficaz de prevenir a transmissão viral e, consequentemente, novas infecções. Por outro lado, reuniões com grupos pequenos de pessoas vacinadas, em locais abertos e bem ventilados, oferecem baixo risco e já são possíveis. Para quem viveu no Brasil no primeiro semestre de 2021, isso já soa como um sopro de esperança de que o terceiro ano de pandemia talvez seja o último.


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