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Portal Estadão

Publicado em 05/11/2021 - 07:37 / Clipado em 08/11/2021 - 07:37

Pílulas contra covid-19 avançam e aumentam cerco para conter a doença


Para gerar resultado em larga escala, especialistas ponderam que medicamentos teriam de ser acessíveis e combinados a testagem em massa; vacinação segue como principal arma para combater a pandemia


Ítalo Lo Re, O Estado de S. Paulo


Se a pandemia de covid-19 fosse uma equação, para além da cobertura vacinal, seria importante avançar ainda em outros pontos para solucioná-la. Um deles seria a disponibilização de pílulas de via oral, que nesta semana parece ter dado passos largos para ajudar a conter a doença. Especialistas ouvidos pelo Estadão comemoram, mas ponderam que, para gerar resultados em grande escala no tratamento da covid, os medicamentos teriam de ser acessíveis e combinados a testagem em massa da população.
A Pfizer divulgou nesta sexta-feira, 5, resultados preliminares indicando que a pílula antiviral Paxlovid, desenvolvida pela farmacêutica, teve eficácia de 89% na redução do risco de internação ou morte entre pessoas com casos graves de covid. A solicitação de autorização para uso da droga deve ser enviada à agência reguladora dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) ainda neste mês.

Enquanto isso, na quinta-feira, 4, o órgão regulador de medicamentos do Reino Unido aprovou o molnupiravir, pílula contra a covid-19 desenvolvida conjuntamente pela farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD) e pela Ridgeback Biotherapeutics. É o primeiro tratamento antiviral de via oral contra a covid aprovado no mundo.

“Esses novos medicamentos podem fazer uma grande diferença. A imunização é importante para evitar o desenvolvimento da doença, mas, mesmo imunizado, você pode ser contaminado com o vírus”, explica o professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) Adriano Andricopulo. É dele a analogia da pandemia com a equação que abre este texto.

Segundo Andricopulo, “as novidades desta semana dão esperança” porque as pílulas de via oral têm um potencial diferente do remdesivir, por exemplo, que “tem baixa eficácia contra a covid-19, tem de ser administrado por via intravenosa e é um medicamento extremamente caro, inviável para utilização em um país como o Brasil”. Em tratamentos com o remdesivir, o custo fica próximo de R$ 15 mil, aponta o professor.

As pílulas de via oral ainda não têm um preço estimado para comercialização no Brasil, uma vez que sequer tiveram solicitação de uso emergencial enviada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ainda assim, a expectativa de Andricopulo é que sejam mais acessíveis que o remdesivir e disponibilizadas em larga escala, a fim de combater a doença. Enquanto o medicamento da Pfizer demonstrou eficácia de aproximadamente 90%, a da pílula da Merck seria de 50%.

Biomédica e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ana Paula Herrmann explica que as tecnologias usadas nas pílulas da Pfizer e da Merck são distintas. “O mecanismo de ação do molnupiravir é menos específico do que o inibidor de protease da Pfizer, que atua inibindo uma macromolécula própria do vírus”, explica a professora. “De qualquer forma, os dois são indicados para o tratamento o quanto antes.”

Segundo Herrmann, os medicamentos teriam maior protagonismo caso as vacinas contra a covid-19 não funcionassem, o que não é o caso. “Melhor do que ter um tratamento antiviral para a covid-19, é não precisar tratá-la, e isso só as vacinas conseguem”, reforça. Mesmo com essa ressalva, a professora acredita que o desenvolvimento dos antivirais é “uma ótima notícia”, já que “apesar da alta eficácia das vacinas, casos de infecção em vacinados podem acontecer”.

De acordo com a farmacologista e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Soraya Smaili, as pílulas de via oral podem ser “o início do caminho para o futuro, mas este futuro do tratamento da covid-19 com fármacos ainda não chegou”. “A esperança que vejo é principalmente nos inibidores de protease (tecnologia utilizada na pílula da Pfizer), que podem impedir a infecção viral”, explica a pesquisadora.

“Tudo indica que teremos que utilizar mais de um medicamento, talvez um coquetel no futuro, pois ainda não há uma chave antiviral efetiva para a infecção pelo Sars-CoV-2”, complementa Smaili. Segundo ela, os medicamentos usados para tratar a doença já em estado mais grave — como corticosteróides, tocilizumabe e remdesivir — avançaram mais que os antivirais. “Ainda estamos um pouco longe de termos uma pílula efetiva para o dia seguinte”, explica, ressaltando ainda que o alto custo pode ser outro entrave.

Para a vice-presidente do Instituto Sabin, a epidemiologista Denise Garrett, ambas as pílulas, da Merck e da Pfizer, têm “potencial de ter um grande impacto na pandemia” de covid-19. A depender, pondera, de quais serão as condições criadas para atingir esse objetivo. “Para ter um impacto na pandemia, também é importante que esses medicamentos estejam amplamente disponíveis e facilmente acessíveis. Nesse sentido, o custo do tratamento fará grande diferença”, diz a epidemiologista. “Não seria algo para substituir vacinas, claro, mas sim mais uma arma no arsenal para a luta contra a covid.”

“Um ponto importante desses medicamentos é a necessidade de se ter testagem amplamente disponível”, destaca Garrett. Isso porque, explica, é necessário ter um diagnóstico rápido e precoce, já que o tratamento com os medicamentos deve começar nos primeiros dias de sintomas. O início tem de ocorrer em até três dias no caso da pílula da Merck e em até cinco dias com o medicamento da Pfizer.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que acompanha todos os estudos referentes ao tratamento da covid-19 e reforçou que cabe à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) a avaliação para inclusão de novas terapias e tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS), após o registro do medicamento pela Anvisa. “Até o momento a Conitec não recebeu pedido de incorporação dos medicamentos Paxlovid e molnupiravir”, apontou a pasta.


Pfizer testa pílula antiviral em brasileiros

Os testes da pílula Paxlovid também estão sendo feitos no Brasil. Ao todo, 29 centros de pesquisa do País fazem parte dos estudos clínicos de fase 2 e 3. Uma das participantes, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) informou que os estudos estão sendo conduzidos em três etapas. O objetivo é avaliar a segurança e eficácia do composto PF-07321332 na prevenção da infecção e dos sintomas causados pelo vírus.

Com a divulgação dos dados preliminares da Pfizer nesta sexta, a Faculdade de Medicina da UFMG informou que os centros ligados à pesquisa vão suspender o recrutamento de voluntários para a primeira das três pesquisas. A estimativa é que a próxima etapa do estudo, que é do tipo duplo cego, comece na segunda quinzena deste mês. Com duração de cinco dias, o tratamento é feito com duas doses diárias do composto PF-07321332 associado ao ritonavir, usado para aumentar o nível da droga ativa.


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