Publicado em 28/10/2021 - 08:08 / Clipado em 28/10/2021 - 08:08
‘Ciência vale o futuro do país’, afirmam pesquisadores durante ato virtual
Evento reuniu parlamentares e representantes de entidades acadêmicas e científicas para discutir cortes no orçamento e importância da ciência para desenvolvimento do País
Quanto vale a ciência? Esse foi o mote de discussão do ato virtual que fez parte da programação do 2º Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Ciência nesta terça-feira (26). Com transmissão pelo canal da ANPG no YouTube, o evento trouxe parlamentares e representantes de várias entidades acadêmicas e científicas para discutir a importância da ciência para o desenvolvimento do país e os frequentes cortes orçamentários que o setor vem sofrendo (assista aqui).
O ato virtual integrou uma série de ações organizadas pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e entidades acadêmicas e científicas. O programa contou com um misto de atividades presenciais e virtuais que iniciou com um tuitaço pela manhã, com a hashtag #SOSCiência, que alcançou os assuntos mais comentados no Twitter. A mobilização deu continuidade aos eventos do último dia 15 de outubro, quando a SBPC e as entidades parceiras realizaram mais de 30 atividades mostrando aos mais diversos públicos a importância da ciência para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
“Hoje é um dia importante não só por essa mobilização que estamos construindo em defesa da ciência, mas também porque é o dia em que se encerra a CPI da covid”, apontou Flávia Calé, presidente da ANPG. “Vamos ter um relatório histórico, que documenta, a partir do trabalho de centenas de pesquisadores e pesquisadoras, o que de fato aconteceu no Brasil: um genocídio. São mais de 600 mil vidas que perdemos. Há estudos que apontam que poderíamos ter perdido muito menos não fosse o negacionismo científico que tomou conta da sociedade brasileira, em partes, promovido pelo governo federal”.
Cortes no orçamento
A mobilização visou pressionar o governo e os parlamentares pela recomposição do orçamento da CT&I. Hoje, a principal fonte de financiamento da pesquisa científica no país é o Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que vem sofrendo cortes frequentes e contingenciamentos. No dia 7 de outubro, o governo federal redirecionou, a pedido do Ministério da Economia, R$ 690 milhões previstos no PLN 16, que beneficiaria principalmente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, cerca de R$ 2,7 bilhões seguem contingenciados, comprometendo a distribuição de novas bolsas e a atividade de fomento à pesquisa.
“O governo vem a cada ano cortando mais e mais os investimentos no setor, relegando uma infraestrutura montada ao esquecimento e deixando uma grande capacidade humana de produzir conhecimento sem condições de trabalho”, declarou Celso Pansera, secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br).
As entidades acadêmicas e científicas vêm promovendo uma série de atos e debates para sensibilizar o Congresso Nacional e pressionar o governo. O objetivo é reverter os cortes, bem como buscar a liberação dos recursos do FNDCT e o reajuste das bolsas de estudo, que estão congeladas desde 2013.
“Nós estamos aqui no dia a dia cobrando o mínimo de compromisso com a ciência e com os recursos que estão carimbados para a ciência, mas tudo está mais difícil nesse momento de contestação da ciência por esse governo que faz questão de nega-la”, afirmou o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ).
Investimento
Se por um lado o governo federal parece ver a ciência como uma despesa, a experiência nacional e internacional mostra que investimentos em CT&I podem trazer muitos benefícios econômicos.
Segundo Paulo Foina, presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), despesas com ciência e tecnologia não são gastos, são investimentos. “Nós acabamos de contratar uma pesquisa junto a uma consultora internacional que mostrou o quanto a pesquisa tecnológica traz de retorno para o Brasil. E os números foram espetaculares. Para cada R$ 1 de fomento (dinheiro vindo do governo) nós impactamos mais de R$ 15 na economia. E retornamos de imposto para o governo nas três esferas R$ 3,07”, explicou. “É uma pena que nosso ministro da Economia não perceba o quanto se pode ganhar com a ciência e a tecnologia”.
Ainda que alguns setores do governo não valorizem a ciência, a sociedade brasileira passou a dar muito mais crédito, especialmente após a pandemia. Soraya Smaili, professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e coordenadora do Centro de Estudos Sou Ciência (Sou_Ciência), apontou que pesquisas realizadas pelo Sou-Ciência mostram um apoio crescente da população. “Apenas 8% da população acredita no que o presidente Jair Bolsonaro diz a respeito da ciência, da pandemia ou das vacinas”, disse a pesquisadora. “Esse dado é muito importante porque mostra o quanto temos de credibilidade junto à sociedade. A sociedade viu o que fizemos durante a pandemia, está vendo o que fazemos o tempo todo pela educação e pela ciência”, afirmou.
O valor da ciência
O ato também colocou em pauta a série de crises que o país está vivendo, e como a ciência é fundamental para enfrenta-las. A ciência é essencial para ajudar a encontrar soluções, como vacinas, medicamentos, e outros avanços tecnológicos, que permitam melhorar a economia do país, gerar empregos e garantir um desenvolvimento sustentável.
Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), muito mais do que a luta por recursos, a mobilização marca uma luta para que possamos construir uma sociedade sustentável e soberana. “A pergunta que temos que fazer é que Brasil a sociedade brasileira deseja construir? Nós queremos construir um Brasil onde a estratégia de CT&I é definida por um ministro da economia? Por uma política neoliberal que basicamente trabalha pela concentração da renda e deixa milhares de brasileiros à mercê, como estamos vendo hoje?”, questionou.
Segundo Artaxo, o Brasil precisa da ciência para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável da agenda 2030, da qual é signatário. “O primeiro objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) é a erradicação da pobreza, e o segundo é a questão da qualidade de educação. Nesses dois ODS nós estamos andando pra trás. Também temos que trabalhar muito pelo ODS em relação à mudança global do clima e à preservação da vida terrestre. São questões absolutamente fundamentais para a sociedade brasileira”.
Para Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), é preciso se questionar qual a importância da ciência para uma nação que passa por tanta dificuldade para gerar emprego, para dinamizar sua economia, parar tirar das pessoas essa sensação de que não têm o apoio do poder público. “A ciência não tem preço. A ciência vale a saúde de um povo. Por exemplo, nas vacinas, recentemente assistimos à dependência do Brasil em relação à aquisição de insumos farmacêuticos e mesmo de vacinas para poder atender nossa população. Também vale o bem-estar desse povo e sua educação. Vale a soberania do país, sua capacidade de se autodeterminar. Vale o meio-ambiente, a conservação das nossas florestas. Vale nossa cultura e empregos qualificados”, afirmou.
Sociedades
Mais de 30 entidades acadêmicas e científicas participaram do ato virtual, entre elas a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Brasileira de Estatística (ABE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Sociedade Brasileira de Lógica (SBL), Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc), Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Associação Nacional de História (ANPUH).
Assista aqui ao evento “Quanto vale a Ciência?”.
Mobilização em Defesa da Ciência
O ato virtual fez parte da programação da nova mobilização em defesa da Ciência. Um tuitaço foi realizado pela manhã com a hashtag #SOSCiência e alcançou o topo dos assuntos mais comentados no Twitter e mobilizou milhares de internautas, parlamentares e instituições acadêmicas e científicas.
A SBPC, por meio de sua Diretoria, Conselho e Secretarias Regionais, também realizou uma série de atividades em Defesa da Ciência. O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, proferiu a conferência “Os potenciais da Democracia”, às 9h. Às 11h, aconteceu a conferência “A Ciência das Mudanças Climáticas Globais”, reaizada por Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC. E, às 16h, Miriam Grossi, diretora da SBPC, proferiu a conferência “Gênero e Sexualidade no Brasil em 3 tempos”. Essas atividades foram exibidas no canal da SBPC no Youtube (youtube.com/canalSBPC). As Secretarias Regionais também programaram atividades mostrando como a ciência pode melhorar a vida das pessoas, além de abordar temas relacionados à saúde, à cultura, ao meio ambiente, à exclusão e inclusão social e à democracia (as atividades estão gravadas e estão disponíveis no site da SBPC).
Chris Bueno – Jornal da Ciência
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