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Publicado em 20/03/2022 - 07:49 / Clipado em 21/03/2022 - 07:49

Brasil perde Lisete Arelaro, uma de suas maiores professoras – 18/03/2022 – Sou Ciência


É impossível reunir em poucas palavras o enorme legado que a professora Lisete Arelaro deixou para a educação e a formação de educadores no país. Uma mulher incansável na luta de uma vida inteira pela educação pública, popular e de qualidade. Entre tantos cargos proeminentes que ocupou – e fez diferença – é possível mencionarmos sua participação na equipe de Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989-1992), sua gestão como Secretária Municipal de Educação de Diadema por duas vezes (1993-1996 e 2001-2002), sua liderança à frente da Direção da Faculdade de Educação da USP (2010-2014) e sua produção de estudos e pesquisas de alta voltagem e referência nacional sobre a educação brasileira.

Por onde passou, Lisete foi sempre muito generosa, intelectual, afetiva e política. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entre os anos de 2013 e 2021, contribuiu em diversos momentos com a formulação de propostas e projetos institucionais, partilhando o que de melhor a caracterizava: suas análises argutas sobre as políticas educacionais, a formação de professores e o financiamento da educação. Em um desses momentos na Unifesp, ainda no ano de 2013, sua fala deixou marcas profundas e duradouras na equipe da nova gestão que se iniciava naquele ano.

Lisete argumentava que entre os elementos fundamentais para a democratização do Ensino Superior público de qualidade, estavam as políticas de ampliação do acesso e de permanência estudantil nas universidades, considerando o aumento expressivo da diversidade socioeconômica e cultural dos estudantes e as suas necessidades específicas, para que tivessem garantido o direito a uma sólida trajetória acadêmica, ao bom aproveitamento e à conclusão de seus cursos. Em resumo, um enorme benefício para a população de todo o país.

O pensamento e as ações de Lisete foram particularmente marcantes quando tivemos uma grande expansão do ensino superior em nosso país entre 2005 e 2014, com a ampliação do sistema público federal – tanto das universidades, quanto dos institutos de pesquisa.

Este processo, porém, não se comparou ao estrondoso aumento do ensino superior privado. Por isso, a preocupação de Lisete recaiu em especial sobre as características da expansão que vinha ocorrendo no ensino superior privado, fortemente concentrada em poucos grupos educacionais com fins lucrativos, com aumento da oferta de vagas e cursos a distância, de baixa carga horária, com atividades acadêmicas precarizadas e que, no entanto, deveriam ser a base para uma boa formação profissional.

Um tipo de expansão de baixa qualidade e mesmo predatória que vinha sendo amplamente estimulada por recursos públicos, via Fies e ProUni, e que ensejava uma forte pressão do setor privado no que se refere à flexibilização dos padrões de regulação e de funcionamento das instituições de ensino superior. Expansão mercantil que enfraquece a dimensão pública, coletiva e cidadã da formação em nível superior e enfraquece também o poder das universidades públicas.

Se no ano de 2013 a matrícula em cursos a distância nas instituições privadas representava menos de um quinto (18,6%) do total, em 2020 elas passaram a representar quase a metade das matrículas nas privadas (44,0%), em cursos que, de maneira geral, obtêm resultados abaixo do esperado no Exame Nacional do Estudante (Enade), do MEC, como mostramos neste estudo do SoU_Ciência. Uma formação precária que chegará à sociedade e ao mundo do trabalho com fortes limitações de desempenho e de entendimento do mundo.

Apesar da expansão do ensino superior, ainda estamos muito aquém do que necessitam os jovens brasileiros com idade entre 18 e 24 anos e da meta número 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), em especial quando se trata das vagas públicas. Ao que tudo indica, o PNE, como política, está estagnado e as matrículas do ensino superior vêm tomando outros rumos com o aumento do Ensino a Distância (EaD) privado.

A pandemia, a falta de recursos para as instituições públicas, a falta de incentivos e mais programas de permanência estudantil, além do empobrecimento das famílias, inverteram os objetivos e fazem com que uma graduação EaD que custe R$ 50 mensais pareça melhor do que nenhuma. O custo social e para o desenvolvimento do país, ainda a ser elucidado, poderá ser devastador. Por isso, não há tempo a perder e não haverá espaço para lamentar. É preciso reverter esse quadro já.

Assim como bem nos ensinou Lisete Arelaro, tenhamos em mãos nossos estudos e diagnósticos, mas estejamos também engajados em tudo que puder significar ou ressignificar o presente. Mesmo que ainda não haja um balanço preciso do desmonte ocorrido no último período e suas consequências, é preciso retomar e garantir o crescimento da educação com qualidade para que os jovens brasileiros consigam vislumbrar possibilidades para além de cursos rápidos feitos por máquinas e vídeos pasteurizados, cuja metodologia está longe de assegurar ensino e aprendizagens significativas.

Neste sentido, os caminhos trilhados por Lisete, e generosamente compartilhados com muitos educadores brasileiros, precisam continuar iluminando o curso da educação brasileira, como garantia de nosso futuro, agora.


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