Publicado em 01/12/2023 - 10:43 / Clipado em 01/12/2023 - 10:43
Desconstruindo mitos sobre o orçamento de Universidades Federais
Painel do SoU Ciência lançou luz sobre as estatísticas entre 2000 e 2022
Maria Angélica Minhoto
Soraya Smaili
Pedro Arantes
*Com a colaboração de Weber Tavares
SÃO PAULO (SP)
Na última semana apresentamos neste blog os dados elaborados pela equipe do Sou_Ciência e disponibilizadas no Módulo I do painel de financiamento da Ciência e Tecnologia, disponível em: https://souciencia.unifesp.br/fctesp, que mostram as restrições orçamentárias a que as Universidades Federais Brasileiras foram submetidas a partir do início do governo Temer, e que foram fortemente agravadas durante o governo Bolsonaro.
O foco da última semana foram as despesas com infraestrutura/material permanente, que sofreu uma redução de 87,9% entre 2014 e 2022, e nas despesas com manutenção e funcionamento, que em 2022 registrou valores empenhados inferiores aos observados em 2010. Dando continuidade à análise, este breve ensaio pretende mostrar que as perdas orçamentárias urgidas pelo governo Bolsonaro também atingiram as despesas com servidores e o orçamento de assistência estudantil, atingindo, portanto, dois alvos prioritários do último governo, servidores públicos de carreira e a população vulnerabilizada que teima em buscar o ensino superior como ferramenta de mobilidade social.
Num cenário de debates intensos sobre o financiamento das universidades federais, é imperativo analisar cuidadosamente os dados para desmistificar preconceitos e compreender a dinâmica real dos investimentos. Uma crença frequentemente disseminada é a de que os gastos com pessoal nas instituições de ensino superior crescem descontroladamente. No entanto, ao lançar luz sobre as estatísticas entre 2000 e 2022 (publicação aqui do blog, na semana passada), o centro de estudos SoU_Ciência, se deparou com um panorama intrigante.
Desconstruindo a "falácia" de que os gastos com pessoal crescem de forma descontrolada, os dados mostram que entre 2000 e 2019 as matrículas em cursos presenciais das Universidades Federais cresceram 159,8% e os gastos com Pessoal (ativos e aposentados) cresceram 118,5%, ou seja, os dados mostram que considerando o período observado, as Universidades Federais reduziram seu gasto com pessoal quando o cálculo considera o ‘gasto por matrícula’.
Em outro giro, a partir de 2019, e de forma consistente, os gastos com pessoal tem sofrido redução. Entre 2019 e 2020 a queda foi de -0,9%; entre 2020 e 2021 houve redução de -4,9%; e finalmente, entre 2021 e 2022 a retração foi de -7,4%. As causas para este fenômeno serão explicadas em Boletim Analítico a ser publicado ainda em 2023 pela equipe do SoU_Ciência, mas já é possível adiantar que parte da queda é explicada por: arrocho salarial; não reposição de quadros; congelamento do Banco de Professor Equivalente; extinção de cargos que são substituídos por pessoal terceirizado e pagos com recursos de custeio; reformas previdenciárias e falecimento precoce de aposentados e pensionistas, inclusive no contexto da Covid-19.
Assistência ao Estudante
Os dados sobre o orçamento da assistência estudantil evidenciam a importância do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), implementado em 2007 por força da Portaria Normativa nº 39/2007 e regulamentado pelo Decreto nº 7.234/2010. Os dados mostram que entre 2008 e 2016 os investimentos em assistência estudantil foram ampliados em 1.077,1%, ou 31,52% a cada ano.
Parte do crescimento dos valores liquidados em assistência estudantil foi motivado pelo aumento do número de matrículas presenciais, entretanto, é fundamental considerar que a partir da sanção da Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas), houve uma mudança do perfil socioeconômico dos estudantes das Universidades Federais brasileiras, já que o marco normativo determinou que no mínimo 50% das vagas de ingresso passassem a ser reservadas para estudantes que tivessem cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas, mudança que democratizou o acesso à educação superior no Brasil, permitindo que pobres e pretos chegassem à Universidade Federal.
Segundo dados publicados no Boletim "Assistência aos estudantes da educação superior pública brasileira, uma política necessária[i]", em 2010, logo após a publicação do Decreto que regulamentou o PNAES, apenas 0,5% dos estudantes das Universidades Federais estavam no extrato de Renda Per Capita Familiar (RPF) inferior a 0,5 Salários Mínimos (SM), ao passo que, em 2021, este extrato representava 30,35% dos estudantes. Se considerarmos o extrato RPF inferior a 1,5 SM, público-alvo do PNAES até 2023, a evolução é a seguinte: em 2010, 43,7% dos estudantes estavam no extrato alvo do PNAES, já em 2021, este extrato socioeconômico representava 75,7% dos estudantes das Universidades Federais Brasileiras.
A partir de 2016 os dados evidenciam uma inversão desta tendência de expansão dos recursos do PNAES. Entre 2016 e 2018 houve uma redução de -4,55% nos valores liquidados, seguido de uma forte retração entre 2019 e 2021 (-31,8%) e, apesar do crescimento ocorrido em 2022 (+12,6%), as Universidades Federais fecharam o ano de 2022 liquidando valores inferiores aos observados em 2013.
Deste modo, é possível afirmar que apesar do forte crescimento registrado entre 2008 e 2016, em virtude dos cortes observados a partir de 2016 e, considerando a mudança do perfil socioeconômico dos estudantes, é muito importante reforçar as políticas de assistência estudantil, caso contrário, parte da democratização do acesso conquistada a partir da sanção da Lei de Cotas será perdida para a evasão escolar, que continua a empurrar nossos alunos trabalhadores para fora do ensino superior.
Encerramos esta breve análise reiterando nosso compromisso com a metodologia rigorosa e a transparência na apresentação de dados. Acreditamos firmemente que transformar a educação em um direito universal requer o reconhecimento da Universidade Pública como um patrimônio coletivo.
Convidamos a todos a explorar mais informações no Módulo I do painel de financiamento da Ciência e Tecnologia, onde dados adicionais e análises complementares aguardam sua consideração crítica. O entendimento compartilhado é a chave para moldar o futuro da educação no Brasil.
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