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Portal Folha de S. Paulo

Publicado em 22/09/2023 - 09:18 / Clipado em 22/09/2023 - 09:18

Permanência dos Povos Indígenas para o desenvolvimento


Rejeição do marco temporal contribui para a troca de saberes com povos indígenas

 

 

 

Soraya Smaili

Pedro Arantes

Maria Angélica Minhoto

Com a colaboração de Andreia Constâncio

SÃO PAULO (SP)

 

 

O SoU_Ciência, assim como as universidades públicas e os cientistas, têm atuado e trabalhado junto com os povos indígenas em diferentes localidades do País. Por isso, nesta quinta-feira (21), comemoramos a derrubada da aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu o direito originário dos indígenas sobre as suas terras ancestrais, independentemente da comprovação de posse até a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Foram muitas disputas, polêmicas e pressões políticas. Mas a decisão representa uma grande vitória para os povos indígenas e para nós como nação. O marco temporal se constituiria em uma séria ameaça à sobrevivência física e cultural dos indígenas, pois desconsideraria as violências históricas que indígenas sofreram, incluindo invasões, expulsões, massacres e contatos forçados. O marco temporal também contribuiria para legitimar a grilagem de terras, o avanço do agronegócio sem limites, da mineração e de outros projetos predatórios sobre os cobiçados territórios indígenas.

A decisão se deu em razão de um caso específico, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina. Agora, com o julgamento a medida se aplicará a todos os processos semelhantes. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas em aberto no país, que estavam paralisados ou sob risco por causa do marco temporal. Agora, estes poderão ser retomados e concluídos com base nos critérios constitucionais.

Esta decisão é uma resposta ao projeto de lei (PL) 490/2007, que lamentavelmente foi aprovado pela Câmara dos Deputados em junho de 2023, com o objetivo de instituir o marco temporal e outras medidas que dificultariam a demarcação de terras indígenas. O PL 490/2007 ainda tramita no Senado Federal, mas esperamos perder força após o julgamento.

Os Ministros do STF deram uma demonstração de respeito à diversidade cultural e à democracia no Brasil. Os povos indígenas são os primeiros habitantes do Brasil e constituem a identidade nacional, que não pode ser apagada. Eles têm o direito de viver conforme seus costumes, línguas e tradições, sem serem discriminados ou violentados.

Por isso, reconhecer os saberes desenvolvidos por eles(as) ao longo de séculos, evidencia também a importância dos povos indígenas para a proteção do meio ambiente e do clima, para a manutenção da alta biodiversidade e o baixo desmatamento. O seu conhecimento acumulado é necessário para o próprio desenvolvimento humano e para o futuro, se quisermos ter um.

A manutenção dos povos indígenas e os saberes que eles(as) detêm é elemento fundamental e nos remete ao conhecimento de território, de sua ocupação tradicional. Em artigo publicado recentemente neste blog, defendemos os direitos dos povos Yanomami, ameaçados pela mineração ilegal em seu território. Lembramos que a Ciência de nossas universidades deve cada vez mais ser realizada e desenvolvida com os povos indígenas e não sobre ou para os povos indígenas. Uma construção contínua e permanente, com estudos e aprendizados e crescimentos mútuos.

Nossas universidades federais sofreram com os duros cortes orçamentários da era Bolsonaro. Mas não deixaram de atuar junto às comunidades indígenas, como fez a Unifesp no caso do Xingu e de outras regiões da Amazônia, com a pesquisa, a formação e a atenção em saúde, mesmo durante a pandemia.

O programa de saúde indígena, iniciado pelo Dr. Roberto Baruzzi, médico sanitarista e professor da Escola Paulista de Medicina, em colaboração com os irmãos Villas Boas, teve início há mais de 60 anos. É conduzido até os dias de hoje por pesquisadores da Unifesp, que realizam ensino pesquisa e extensão, além da formação de profissionais de saúde indígenas. Da mesma forma que a Unifesp, diversas universidades federais atuaram e atuam em diversas áreas, especialmente em regiões que foram devastadas ou exploradas pela chamada "civilização".

Continuaremos trabalhando junto com os povos dos territórios indígenas na defesa dos direitos e também da cultura que tanto sofre com a devastação ambiental e social. A derrubada do marco temporal pelo STF é um elemento de esperança para a permanência dos povos indígenas, o que deve ser celebrado por todos que constroem a Educação e a Ciência em nosso País.

Somente o conhecimento incorporado ao ensino e à formação de novas gerações poderá trazer a diversidade e a riqueza das experiências e dos saberes indígenas para uma sociedade mais justa e igualitária.

 

https://www1.folha.uol.com.br/blogs/sou-ciencia/2023/09/permanencia-dos-povos-indigenas-para-o-desenvolvimento.shtml

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