Publicado em 20/05/2023 - 09:06 / Clipado em 22/05/2023 - 09:06
Sem incentivo à ciência, pesquisadores brasileiros migram para o exterior
Segundo Ricardo Valentim, professor da UFRN, "o Brasil tem de fato muita dificuldade no investimento em ciência e tecnologia. O que temos aqui é um investimento amador, sendo muito pouco, e poucos grupos têm acesso a eles."
por Ayrton Silva
“O negacionismo científico e a propagação de fake news nos últimos quatro anos”. Estas foram as justificativas da fonoaudióloga e doutoranda em Neurociência, Carolina Evangelista, 25 anos, para ter aceitado o desafio de estudar e morar na Alemanha. Esse sentimento é compartilhado por grande parte dos cientistas brasileiros que deixaram o país para continuar a carreira de pesquisador no exterior.
A busca por oportunidades fora do Brasil também está relacionada à redução no número de bolsas de pós-graduação nos últimos quatro anos. De acordo com dados do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap/Sou Ciência), foram ofertadas 8,6 mil bolsas de mestrado no início de 2019. No fim de 2022 esse número caiu para 4 mil. Uma redução de 53%. As bolsas de Doutorado em 2019 eram 8,4 mil e no fim de 2022 caíram para 6,7 mil. Uma queda de 20%. Em se tratando do valor das bolsas federais, somente depois de dez anos, o valor foi reajustado: mestrado e doutorado em 40% e pós-doutorado em 25 %.
“Acredito que a ciência no Brasil foi deixada de lado e se tornou ainda mais desvalorizada. Eu vi colegas trabalhando sem bolsa, cada vez menos financiamento para as universidades e institutos de pesquisa, sucateamento de laboratórios e com isso as oportunidades de viver como pesquisador eram cada vez menores”, destacou Carolina Evangelista.
O pesquisador Marcel Ribeiro-Dantas, 33 anos, morou na França durante o doutorado em Biotecnologia. “Durante o mestrado, fiquei ciente de uma seleção para fazer o doutoramento no exterior, mais especificamente no Instituto Curie em Paris, na França, junto à Sorbonne Université”, explica. Segundo Ribeiro, uma experiência no exterior é sempre enriquecedora, principalmente nos grandes centros de pesquisa. “E é o sonho de praticamente todo pesquisador”, obervsa.
Nesse caso, era algo ainda mais relevante, já que se tratava de um financiamento concedido peça própria União Europeia através da Marie Skłodowska – Curie Actions, uma das mais prestigiosas bolsas da Europa. Marcel chegou ao final do processo seletivo com outros 50 pesquisadores de todo o mundo. “Ao final, fui selecionado e no fim de 2018 fui para Paris”, relembra.
Tanto Carolina como Marcel Ribeiro-Dantas, foram pesquisadores do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LAIS/UFRN), antes de terem a chance de aprofundar as pesquisas no exterior. Assim como eles, outros dez pesquisadores migraram para fora do país nos últimos quatro anos. A fonoaudióloga iniciou as pesquisas ainda durante a graduação, já Marcel durante um programa de Pós-Graduação.
O diretor do LAIS/UFRN, professor Ricardo Valentim, afirma que existem muitas limitações para desenvolver e dar continuidade à ciência no Brasil.
“O Brasil tem de fato muita dificuldade no investimento em ciência e tecnologia. O que temos aqui é um investimento amador, sendo muito pouco, e poucos grupos têm acesso a eles. E isso, gera fuga dos pesquisadores”, explica. Em contrapartida, as universidades públicas brasileiras oferecem uma boa qualificação aos cientistas. “ Essa qualidade, faz com que eles sejam cobiçados pelo exterior”, avalia Ricardo Valentim.
O professor Ricardo Valentim explicando o que pode está motivando os pesquisadores brasileiros migrarem para o exterior.
Ainda segundo o professor, o Brasil não consegue fixar os pesquisadores por conta dos baixos incentivos à ciência e a tecnologia, como também pela baixa remuneração e descontinuidade das pesquisas. “Durante a pandemia, o país sofreu muito. Como o imunizante que estava sendo desenvolvido no Instituto Butantã, nós poderíamos ter mais pesquisas no setor”, observa.
O professor responde como essa migração pode afetar a ciência no país.
Faltam bolsas para desenvolver pesquisas
Aqui no Brasil, Carolina Evangelista considera que nos últimos anos a falta de investimento e o negacionismo criou barreiras para a continuidade de muitos projetos, o que a motivou a buscar novas oportunidades na Alemanha.
“Eu ainda tinha o sonho de poder ajudar as pessoas por meio da ciência e vi na Europa, mais especificamente na Alemanha, uma valorização dessa classe e muitas oportunidades de trabalho bem pagas. E quando digo trabalho, é porque aqui possuo um contrato com todos os direitos trabalhistas como férias remuneradas, plano de saúde, 13° salário e outros benefícios que no Brasil está longe de ser a realidade”.
A realidade brasileira assustou a fonoaudiologia. “Eu vi colegas trabalhando sem bolsa, cada vez menos financiamento para as universidades e institutos de pesquisa, sucateamento de laboratórios e com isso as oportunidades de viver como pesquisador eram cada vez menores”.
No exterior se reclama de ‘barriga cheia‘
Marcel desde de 2010 já trabalhava junto com o professor Ricardo Valentim, ainda na graduação, fazendo parte da criação do LAIS/UFRN, que surgiu oficialmente no ano seguinte, em 2011.
No ano de 2017, realizou uma Pós-Graduação em Bioinformática dentro do centro de pesquisa, o cientista trabalhava investigando a relação entre moléculas dentro de células de um tipo de câncer pediátrico chamado Sarcoma de Ewing. O objetivo era compreender a relação entre proteínas que contribuem para a expressão de alguns genes, os fatores de transcrição, e os próprios genes expressos.
Para ele o cenário internacional, apesar das possibilidades, não representa uma estabilidade que muitos buscam. “Todos os países têm problemas, ainda que diferentes em algum grau”, pondera.
Marcel conta que foi convidado por uma empresa de biotecnologia na Espanha para ser o representante de algumas de suas tecnologias na América Latina e Caribe. Isso o fez considerar a proposta. “Tinha de estar lidando com pesquisadores, tanto na indústria quanto na academia, quase que 24 horas por dia. Embora não fosse obrigatório, era preferível que eu me colocasse na América Latina e Caribe, o que na prática era algo que eu já tinha interesse, e assim retornei ao Brasil no final de 2022”, relembra.
Após atuar na França, Espanha, Suécia e também na América Latina, Ribeiro traça um panorama da pesquisa científica. “O cenário científico e acadêmico, para surpresa de muitos, é ruim praticamente no mundo inteiro. Você pode ir aos maiores e mais ricos centros de pesquisa do mundo e irá ver pessoas reclamando. Fui a Harvard, Massachusetts Institute of Technology (MIT), e sempre tem alguém reclamando de falta de apoio ou recursos. Isso assusta alguns brasileiros, já que aqui sempre faltou e falta o básico e lá eles reclamam do que para nós parece ser de barriga cheia”.
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