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Portal Folha de S. Paulo

Publicado em 28/04/2023 - 08:26 / Clipado em 28/04/2023 - 08:26

Tragédia nas escolas: o que fazer?


Perda de vidas e ameaças impõem urgência e ações concretas; indicamos algumas

 

 

 

Maria Angélica Minhoto

Soraya Smaili

Pedro Arantes

SÃO PAULO (SP)

 

 

Assassinatos em escolas de São Paulo e Blumenau, seguidos de uma onda de ameaças de novos ataques, acenderam o debate sobre tema em toda a sociedade. Ocorre que, infelizmente, a violência escolar não é pontual e nem um fenômeno novo, mas está generalizada no cotidiano escolar de diversas formas, atingindo crianças e jovens de todas as classes sociais. Se há novidade, é a violência escolar poder ganhar tração com o novo padrão de discurso de ódio, polarização, ressentimento e desamparo, amplificados por redes sociais, e que grassa na sociedade brasileira nos últimos anos. Será casualidade que a ameaça de novos ataques tenha escolhido para isso o dia 20 de abril, aniversário de Hitler?

Mas, para além dessa conexão explosiva com células de extrema-direita e neonazistas, vejamos alguns dos fundamentos do problema.

Os conflitos são percebidos mais comumente em escolas de ensino médio, entre adolescentes considerados indisciplinados e que acabam sendo responsabilizados pela produção de um ambiente adverso em sala de aula. Por outro lado, para maioria dos jovens, o ambiente escolar tem sido pouco aberto ao diálogo, sofrendo com a ausência de funcionários, docentes em péssimas condições de trabalho e profissionais sobrecarregados e pouco sensíveis à promoção de espaços voltados à resolução de diferenças e conflitos.

É fundamental debater amplamente os diferentes tipos de conflito e violência escolar e não só aquela que gera comoção nacional. Assim, será possível formular medidas mais efetivas para superar os circuitos de exclusão que teimam em se reproduzir nas nossas escolas.

A Constituição brasileira garante educação de qualidade a todos, o que pressupõe espaços escolares seguros e acolhedores. E isso não é sinônimo de tecnologias de vigilância ou presença de policiais no interior da escolas, mas de promoção de confiança entre estudantes para se desenvolverem de maneira saudável, podendo existir, se expressar e conviver com proteção, segurança e liberdade.

No entanto, o Brasil oferece historicamente um acesso limitado - e segregado - aos determinantes dessa qualidade, visto que não consegue superar as imensas desigualdades educacionais. Ao contrário, promove trajetórias escolares distintas para estudantes de origens sociais diferentes, jovens que não se reconhecem como iguais. Isso afeta profundamente a formação acadêmica, cultural e política de todos.

Para além desse acesso desigual à qualidade, que já é violento e injusto por si, outros âmbitos da vida dos estudantes são permeados por violências. Vale lembrar que somos um dos países com taxas mais altas de violência urbana, o que sem dúvida permeia o ambiente da escola e se traduz em casos de vandalismo, furto, uso de drogas e álcool, gerando danos físicos e emocionais, estresse, desmotivação e absenteísmo em todos os segmentos da comunidade escolar.

Um recente estudo do IBGE - a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, de 2009 a 2019 - mostra que aumentou o percentual de estudantes que sofreram agressão física por um adulto da família, foi de 9,4%, para 16,0%, entre 2009 e 2019. Mostra também que dobrou o percentual de estudantes que faltaram ao menos um dia às aulas por não se sentirem seguros no trajeto, ou na própria escola, eram 8,6% em 2009 e passaram a 17,3% em 2019. No caso de violência sexual, mostra que 14,6% dos estudantes de 13 a 17 anos afirmaram ter passado por essa agressão ao menos alguma vez na vida, e contra a sua vontade, sendo que mais que o dobro desses casos são de meninas - 20,1% para elas e 9% para eles.

Com a ampliação massiva do acesso à educação, a diversidade no interior das escolas públicas aumentou consideravelmente, muito ao contrário do que ocorreu nas escolas de elite, cada vez mais seletivas e padronizadas. Com isso, a escola, cuja função é conservar um legado cultural e científico em geral determinado pelas elites, vem falhando em acolher outros referenciais, aceitar diferenças e valorizar a diversidade e a convivência.

Há também rejeição dessa diversidade entre os próprios jovens na escola, ao reproduzirem comportamentos discriminatórios e violentos presentes em seu ambiente de socialização. Em 2019, ainda segundo a pesquisa do IBGE, 23% dos estudantes afirmaram que se sentiram humilhados pelos colegas nos últimos 30 dias. O percentual das meninas (26,5%) foi superior ao dos meninos (19,5%) e a aparência corporal foi declarada como motivo do bullying por 16,5% dos estudantes.

Esses dados mostram claramente que vivemos em tempos avessos às relações democráticas e inclusivas. No ano passado, durante a campanha eleitoral para a presidência da república ouvimos várias notícias sobre violências e até mortes em momentos de acaloradas discussões políticas e de ódio entre apoiadores dos diferentes candidatos. Esses discursos e ações violentos parecem ter se tornado um meio comum para muitos visando eliminar os conflitos.

Na escola, além de consequências negativas na saúde física e mental, a violência promove efeitos negativos sobre o desempenho dos estudantes, estimula comportamentos agressivos e violentos ao longo da vida, perpetuando a ideia de que só é possível resolver os conflitos de forma violenta. Por outro lado, ouvir e se colocar à disposição dos adolescentes promove maior engajamento e respeito na escola. A mediação dos professores é extremamente importante para que estudantes aprendam a expressar seu pensamento, respeitar a opinião contrária e a conviver mutuamente sem violência. Por isso, é preciso valorizar o papel da escola e de seus profissionais.

 

E o que fazer?

Algumas possibilidades aos órgãos públicos:

· Ouvir e respeitar sempre a comunidade escolar. Há instâncias constituídas nas escolas para isso.

· Proporcionar recursos técnicos e financeiros aos municípios para responderem às situações que fomentem a violência no entorno das escolas.

· Reforçar estratégias de transferências sociais que permitam às famílias maior acesso e permanência dos filhos nas escolas.

· Fortalecer os vínculos de instituições públicas que prestam serviços integrais às crianças com as escolas e suas comunidades para prevenir e apoiar famílias ou estudantes que enfrentam problemas de violência.

· Estimular atividades entre as escolas e equipamentos públicos (bibliotecas, centros culturais e esportivos, museus e parques), com oportunidades gratuitas de lazer e aprendizado, ampliando os espaços de proteção e acolhimento.

· Criar novos espaços urbanos de convivência nas periferias das cidades, principalmente no entorno das escolas, como CEUS, teatros, cinemas, parques, clubes, centros de convivência etc.

· Promover estudos sobre as populações estudantis submetidas a climas mais violentos e apoiar técnica e financeiramente as secretarias de educação e as escolas para adotarem medidas preventivas e corretivas em planejamento próprio.

· Valorizar os professores, do ponto de vista da carreira e do salário, e resgatar a credibilidade da profissão perante a sociedade.

· Rever o processo de formação inicial de professores, estabelecendo, nas diretrizes, a educação em direitos humanos, a valorização da diversidade, a garantia do direito das crianças e jovens à educação, conhecimentos sobre a adolescência, indisciplina, bullying etc. e caminhos para o enfrentamento de situações de violência.

· Estabelecer processos efetivos de supervisão dos cursos de licenciatura, cobrando energicamente de seus mantenedores a observância às diretrizes de formação.

· Qualificar a infraestrutura das escolas, para que seja mais acolhedora, funcional, abarcando experiências de ensino-aprendizagem em espaços qualificados, com laboratórios, ateliês, bibliotecas, espaços de convivência e esportivos, hortas comunitárias, refeitórios dignos etc.

Algumas possibilidades junto às escolas:

· Proibir explicitamente todas as formas de discriminação.

· Promover estratégias que conduzam à valorização da diversidade.

· Apoiar estudantes com comportamento violento, ao invés de puni-los com algum tipo de exclusão, e contribuir para que possam refletir e modificar suas atitudes.

· Eliminar completamente agressões por parte dos professores, de toda a equipe escolar e do sistema de ensino.

· Estabelecer formações de professores e gestores que respondam à prevenção da violência nas salas de aula e entre os alunos. Esses processos precisam ser realizados nas próprias escolas e centrados em problemas reais, com o devido apoio dos sistemas de ensino

· Desenvolver protocolos de atuação e responsabilidades específicas a serem acionadas em caso de violência escolar.

· Desenvolver projetos interdisciplinares, articulados ao Projeto Político-Pedagógico da escola, que tenham como temática os direitos humanos, a valorização da diversidade.

· Estabelecer mecanismos formais para que as opiniões e contribuições dos estudantes sejam consideradas nos programas e prioridades escolares.

· Incentivar o esporte e expressões artísticas, pois viabilizam os jovens para se colocarem no lugar e se reconhecerem no outro.

· Incentivar a participação ativa das famílias nas ações de prevenção e atendimento à violência escolar.

· Colaborar para reduzirmos a desinformação, a polarização política e social e os discursos e ataques de ódio na sociedade brasileira que criaram, novamente, o fantasma do "inimigo interno" a ser exterminado.

É preciso ouvir e respeitar a comunidade escolar, resgatar a experiência existente e criar alternativas a partir dos novos desafios. Só a defesa veemente da educação pública universal, de qualidade e socialmente referenciada dará bases para as ações indicadas.

 

https://www1.folha.uol.com.br/blogs/sou-ciencia/2023/04/tragedia-nas-escolas-o-que-fazer.shtml

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