Publicado em 24/03/2023 - 08:02 / Clipado em 24/03/2023 - 08:02
Opinião – Sou Ciência: Mais médicos e o fortalecimento do SUS
O novo programa Mais Médicos foi lançado oficialmente pelo Presidente Lula no dia 20 de março, retomando o programa anterior, mas com algumas novas diretrizes e prioridades. Estamos virando uma página da história brasileira, saindo de um ciclo de necropolítica em defesa da vida. Como veremos, o Mais Médicos precisa ser acompanhado de outras ações, vinculadas ao SUS e ao fortalecimento e atualização dos currículos dos cursos médicos.
Sem dúvida, a retomada do programa é uma iniciativa importante e necessária, até porque, como já sabemos, no Brasil, temos um número de médicos formados por habitante semelhante ao dos países desenvolvidos, porém com péssima distribuição no cenário nacional território. A diferença entre médicos por 1.000 habitantes chega a 5 vezes quando comparamos o Estado com maior e menor quociente. E dentro dos estados também há uma grande disparidade entre as capitais e o interior, principalmente os pequenos.
Este é um problema antigo, que tem várias razões, algumas mais facilmente reconhecíveis, outras não tão evidentes. O Brasil é um país de dimensões continentais, o que se reflete em uma grande diversidade e desigualdade de situações sociais, econômicas e de Infraestrutura. O número de médicos nos estados da região Sudeste é muitas vezes maior do que o dos estados da região Norte. Além disso, as necessidades regionais são diferentes. Em alguns locais, há maior necessidade de médicos generalistas e médicos generalistas, em outros, há ausência de algumas especialidades e tratamentos mais complexos. A questão econômica, mas principalmente, a ausência de uma política de distribuição e retenção de profissionais, inclusive carreiras no Estado, também pode influenciar.
É preciso reconhecer que o lançamento do primeiro Programa Mais Médicos foi fundamental e atendeu a brasileiros e brasileiras que mais necessitavam de Atenção à Saúde. Várias avaliações acadêmicas do programa já foram realizadas, incluindo avaliação da satisfação do usuário. Entre as dificuldades relatadas (como melhoria na Infraestrutura, maior disponibilidade de medicamentos e ampliação contínua do corpo médico), algumas já podem ser corrigidas e melhoradas. A discussão não pode e não deve se resumir à questão da vinda de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil. Isso nem chegava a ser um problema, visto que médicos estrangeiros sempre eram convidados para vagas não ocupadas por médicos brasileiros.
O atual programa voltará a privilegiar a contratação de médicos formados no Brasil e terá ações de incentivo à permanência desses profissionais em áreas remotas ou periféricas do país. Entre as políticas de retenção anunciadas estão o pagamento de bônus a médicos que se dispuserem a trabalhar onde ninguém quer e a facilitação do ingresso em cursos de especialização, com apoio de centros de excelência em medicina, além de auxílio-moradia.
Outros fatores estão relacionados à ausência de uma política de médio e longo prazos para garantir a estabilidade na distribuição dos profissionais na rede do SUS. E isso também depende de um programa abrangente que corrija as distorções relacionadas à formação dos médicos. Certamente, a prioridade não é abrir mais escolas médicas, que no último Governo Bolsonaro tiveram terreno fértil para sua proliferação, todas privadas. A questão agora é investir na qualidade e dimensão pública da formação. Também é preciso resolver a questão dos milhares de médicos brasileiros que se formaram em outros países e que poderiam ter seus diplomas revalidados rapidamente para diminuir a fila, sem perder a qualidade da avaliação.
Precisamos fortalecer e expandir os cursos de Medicina de nossas universidades públicas, que têm um enorme potencial de ensino de qualidade. E incentivar a formação de médicos com foco no SUS, para que conheçam o funcionamento e a organização do sistema e nele se incluam. A mudança do perfil dos alunos, graças à política de cotas, traz para nós alunos com outras trajetórias de vida, classe, raça/etnia, nascidos e criados no SUS, que certamente darão importância às carreiras públicas na prática médica para a expansão e melhoria do sistema.
Também é necessário realizar programas de educação continuada para os próprios professores, pois eles têm pouco conhecimento aprofundado do serviço público de saúde em nosso país. Há também a questão da falta de ambientes adequados de treinamento, inclusive algumas universidades federais com cursos de medicina que não possuem hospital ou locais de treinamento prático.
No que diz respeito às faculdades ou centros universitários privados, há muito a ser feito, principalmente em termos de regulamentação e fiscalização, além de um sistema de avaliação que estimule cursos de qualidade e possa fechar aqueles que não reúnam condições suficientes para a formação de um médico ou habilidades médicas capazes de lidar com a vida humana. Assim como no Setor público, é preciso capacitar esses profissionais para que recebam formação adequada e estejam preparados para atuar no SUS.
A formação médica e os seus elementos curriculares devem ser orientados para a resolução dos grandes problemas da sociedade, incluindo o progressivo envelhecimento da nossa população. Precisamos trabalhar nos cenários de prática, na formação continuada de professores e preceptores, na inclusão da pesquisa como elemento da formação científica e cultural, na inclusão de novas tecnologias, no conhecimento sobre o SUS e como atuar nele, no direcionamento de especialidades de acordo com as necessidades regionais, entre outros fatores. Em todos os casos, deve-se perguntar: para quem e para quê estão sendo formados os novos médicos?
A retomada do Mais Médicos deve ser comemorada, por se tratar de um programa necessário, que traz elementos da experiência do primeiro programa, erroneamente boicotado e cancelado pelo Governo Bolsonaro, quando poderia ter suprido inúmeras carências e atuado decisivamente na pandemia. Virando a página da necropolítica e do negacionismo, agora também é possível avançar nas Políticas de Ensino Superior voltadas para a formação de médicos com qualidade, bem como sua inserção após a graduação. Temos todas as condições para isso, e estaremos em sintonia com as necessidades da nação e a defesa da vida
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