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 Blog Gilvan Melo - Democracia Política e novo Reformismo

Publicado em 27/10/2022 - 07:41 / Clipado em 27/10/2022 - 07:41

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões


Constituição de 1988, caminho de paz

O Estado de S. Paulo

É urgente a tarefa de pacificação nacional, que inclui respeitar as liberdades fundamentais e prover uma mais madura compreensão da independência e harmonia entre os Poderes

Se há uma necessidade consensual para 2023, seja quem for o presidente eleito no domingo, é a pacificação nacional. Para este jornal, não há desenvolvimento social e econômico possível com tanto conflito, com tanta agressividade, com tanto atrito entre os Poderes. O que ocorreu nos últimos quatro anos no País foi absolutamente disfuncional. Por isso, consideramos que o Brasil precisa urgentemente de paz – e isso é uma tarefa de todos; muito especialmente, de quem exerce autoridade no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.

A dimensão da tarefa pacificadora pode causar certa perplexidade. Pode-se ter a impressão de ser uma empreitada difícil demais, em que as pontes de diálogo, racionalidade e equilíbrio teriam sido há muito implodidas. Já não teríamos disponíveis as ferramentas necessárias para a reconstrução da paz.

Diante desse panorama desafiador, é preciso lembrar que, apesar de todos os pesares – apesar da crise cívica, social e política em que o País se encontra –, continuamos contando com a Constituição de 1988. Ela tem inúmeros defeitos, tantas vezes criticados neste espaço. Mas dois aspectos muito positivos se sobressaem nesse texto que, resultado de um impressionante trabalho da Assembleia Constituinte, é expressão central das aspirações da sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, a Constituição de 1988 assegurou aquilo que é a base de uma sociedade livre: direitos e garantias fundamentais, ancorados no princípio da dignidade humana e que não estão sujeitos a maiorias políticas. Seja qual for o governo, seja qual for a maioria parlamentar, continuará havendo liberdade de expressão e de opinião, liberdade religiosa, liberdade econômica e todas as outras liberdades reconhecidas no texto constitucional. Muita coisa muda e pode mudar na sociedade e no Estado, mas – eis a afirmação basilar da Constituição de 1988, que é fundamento de paz e tranquilidade para toda a população – existem cláusulas pétreas, pontos inegociáveis que todos, sem exceção, devem respeitar e proteger.

O segundo aspecto muito positivo da Constituição de 1988 refere-se ao princípio da separação dos Poderes. O legislador constituinte forneceu um caminho republicano para a ação do Estado. Nele ninguém detém poder absoluto. Cada autoridade dispõe de um âmbito de atuação, e o exercício deste poder está sempre sujeito à transparência e ao controle de outros órgãos. Não existe poder acima da Constituição. Não existe poder à margem da lei.

Não se fala aqui de um tema teórico, distante do dia a dia da população. A submissão de toda ação estatal aos limites e procedimentos constitucionais é não apenas condição para manter a paz, como caminho para o restabelecimento da paz. Por isso, a tarefa de pacificação nacional inclui, de forma muito direta, uma nova e mais madura compreensão da relação de independência e harmonia entre os Poderes.

Não há paz possível se um Poder avança sobre competências alheias ou se não respeita as legítimas decisões dos demais. A maioria obtida nas urnas por um governante não autoriza confrontar e, menos ainda, afrontar decisões que não lhe agradam. Da mesma forma, o fato de a Constituição ser ampla e ter normas abertas não permite que o Judiciário modifique decisões políticas contrárias a eventuais interesses ou percepções de um magistrado ou tribunal.

Não há paz possível se um Poder não defende suas prerrogativas. Por exemplo, o orçamento secreto – a entrega da gestão orçamentária própria do Executivo a algumas lideranças do Legislativo, em manobra sem transparência e sem critérios técnicos – é profundamente desagregador. Não é caminho de paz.

Não há paz possível sem respeito ao princípio federativo. Estados e municípios dispõem de uma autonomia que não pode ser atropelada pelo poder central, seja Executivo, Legislativo ou Judiciário.

O respeito às instituições – às suas prerrogativas, à sua independência e ao seu trabalho – não é exigência formal ou burocrática. É o reconhecimento prático de que, num Estado Democrático de Direito, o poder é sempre limitado. Não há soberanos imperando sobre a sociedade – e isso é fonte de paz.


Um urgente plano econômico

O Estado de S. Paulo

Após uma eleição em que nada relevante se discutiu, quem vencer terá de restabelecer a confiança na sustentabilidade da economia e tomar a iniciativa de encaminhar reformas

Outubro de 2022 ficará marcado como um dos meses mais longos da história brasileira. As quatro semanas de intervalo entre o primeiro e o segundo turno da disputa presidencial serviram somente para interditar o debate sobre os problemas reais que o País terá de encarar no ano que vem, em especial na economia. Nem o presidente Jair Bolsonaro nem o petista Lula da Silva se prestaram a apresentar ao menos um rascunho de um programa econômico com um diagnóstico do quadro nacional, uma análise sobre as perspectivas perante o cenário externo ou propostas para encaminhar soluções estruturais para o País.

Quem vencer a eleição no próximo domingo, no entanto, não terá tempo a perder. O Orçamento é o maior e mais imediato dos problemas – e precisa ser aprovado até o fim do ano. Para além de ser a tradicional peça de ficção enviada pelo Executivo ao Legislativo, a proposta de 2023 garantiu um feito inédito: já saiu do prelo desmoralizada e sem condições de ser executada. Ela é o reconhecimento tácito da falência de um governo que se mostrou incapaz de acomodar receitas e despesas a despeito de ter rompido reiteradamente o teto de gastos.

Já nas próximas semanas, o governo eleito terá de encontrar maneiras de viabilizar o piso do Auxílio Brasil, recompor a verba do programa Farmácia Popular e reajustar o salário dos servidores, há anos sem aumento. Ainda que os investidores já tenham sinalizado ter disposição de aceitar uma licença para gastar de cerca de R$ 100 bilhões acima do teto, o presidente terá de apresentar uma âncora fiscal como contrapartida e nomear uma equipe econômica que tenha o respaldo do mercado. Seja o retorno de metas para o resultado primário, seja a reconstrução do teto de gastos ou uma banda de metas para a dívida pública, o essencial é que o arcabouço fiscal seja crível e não maquiado por manobras, como receitas extraordinárias ou gastos excepcionalizados.

Como tal âncora precisará ser aprovada pelo Congresso, antes mesmo da posse dos parlamentares em fevereiro, o governo não pode desperdiçar a oportunidade única de retomar o papel de protagonismo do Executivo na condução da agenda legislativa. Construir uma base de apoio estável na Câmara e no Senado deve ser uma meta inadiável do novo presidente e passa, necessariamente, por acabar com as emendas de relator, símbolo da falta de transparência no manejo dos recursos públicos. De forma realista, uma boa relação com o Congresso garante não apenas a estabilidade política de um governante, mas a aprovação de uma agenda econômica que seja liberal sem desprezar a dimensão social.

Estabelecida uma maioria parlamentar, é imprescindível priorizar as reformas e resistir à adoção de respostas temporárias e improvisadas que só adiam a solução de problemas estruturais da economia. Na área tributária, ainda que haja divergências, o entendimento quase unânime entre governadores, setor produtivo, especialistas e instituições é o de que o debate deve ser feito com base nas duas propostas em discussão na Câmara e no Senado – as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019. O Executivo deve mirar na unificação de impostos e na simplificação do sistema, orientado pelo aumento da produtividade, pela redução da burocracia e pelo crescimento econômico. Diante de todas as necessidades e carências do País, reduzir a carga se torna um objetivo secundário.

A reforma administrativa tampouco pode ser menosprezada. O apoio a uma proposta que garanta maior eficiência do gasto público passa por um texto ambicioso que inclua todas as carreiras públicas. Isso exige acordos – e não embates – com carreiras do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. O mais importante é que tal reforma se reverta em benefícios para a população, ampliando o acesso e a qualidade dos serviços públicos.

Ter um plano de ataque para reconquistar a confiança na economia é fundamental para reconstruir o País. Colocá-lo em prática, porém, demandará uma liderança capaz de resgatar a pacificação que a sociedade parece ter perdido há anos.


O desafio político da crise industrial

O Estado de S. Paulo

Indústria de média e alta tecnologia perde espaço, cenário que qualquer governo deveria trabalhar para reverter

O retrocesso industrial, acentuado nos últimos dez anos, cada vez mais visível na balança comercial e negligenciado pelo poder central, será um dos desafios mais urgentes e mais importantes para o próximo presidente, se ele estiver disposto, de fato, a restaurar o desenvolvimento econômico. Um dos sinais mais claros da modernização do País, no último meio século, foi o aumento da presença da indústria nas exportações de bens. Mas esse avanço começou a perder vigor antes da recessão de 2015-2016 e depois disso a crise setorial se tornou indisfarçável, mas o tema permaneceu fora da pauta governamental.

De 2018 a 2021 a parcela da indústria de média e alta tecnologia no valor exportado diminuiu de 15,8% para 11,8%. A do segmento de alta tecnologia reduziu-se de 4,7% para 2,2%, segundo análise da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) citada pelo Estadão. A mudança qualitativa no comércio exterior é mais um indício de reversão das mudanças acumuladas depois da 2.ª Guerra Mundial.

O saldo comercial tem refletido o recuo do setor. No primeiro semestre, o déficit da indústria de alta tecnologia atingiu US$ 21,1 bilhões, valor 28,6% maior que o de um ano antes. Na indústria de média e alta tecnologia o saldo negativo cresceu 34,6% e chegou, entre janeiro e junho deste ano, a US$ 38,5 bilhões, de acordo com estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

O descompasso entre o Brasil e outros países, no cenário da indústria, tem sido denunciado por empresários nacionais. A participação brasileira no valor adicionado da indústria de transformação global passou de 1,35% em 2019 para 1,28% em 2021, segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) citado pela Confederação Nacional da Indústria. O País tem perdido posições na classificação internacional desde 1996, mas permaneceu nos dez primeiros lugares até 2014. As perdas continuaram e em 2021 a indústria brasileira ficou em 15.º lugar.

A expansão e a modernização do setor industrial, especialmente a partir dos anos 1950, envolveram muito mais que enormes investimentos. O avanço da industrialização resultou da ampliação dos canais de financiamento, de políticas setoriais complexas, de uma reforma cambial implantada em 1968, de incentivos fiscais e de um esforço de geração e absorção de tecnologia. Houve acertos e erros. Nem todo recurso destinado ao setor foi bem aproveitado, mas os progressos acumulados em algumas décadas foram consideráveis.

A longa fase de expansão e modernização da indústria foi interrompida, no entanto, e os principais fatores explicativos são conhecidos. A economia é muito fechada, o sistema tributário é pouco funcional, os esquemas de capitalização e financiamento são deficientes, falta segurança jurídica e a formação de mão de obra é deficiente – para citar só alguns dos obstáculos mais evidentes. A carência de uma política de desenvolvimento, a partir de 2019, agravou esse quadro, com danos econômicos muito piores que os causados pela pandemia.


Desaceleração da economia desafia presidente eleito

O Globo

O vencedor da disputa no domingo terá de apontar logo soluções para a queda no ritmo de crescimento do PIB

É lastimável que a economia brasileira volte a desacelerar quando a fome ainda fustiga milhões de lares. Instituições financeiras consultadas pelo Banco Central (BC) preveem que o PIB crescerá 2,76% neste ano e não mais de 0,63% em 2023. Estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) são similares. O cenário para o último trimestre do ano começa a ficar nebuloso, e as estatísticas do IBGE na certa começarão em breve a captar a perda de fôlego descrita em reportagem do GLOBO.

O certo é que as medidas eleitoreiras adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua chance de vitória no próximo domingo têm vida curta como motor de crescimento. O governo baixou os combustíveis na marra — há seis semanas a Petrobras tem vendido gasolina abaixo do preço de importação —, distribuiu auxílio a caminhoneiros e taxistas, elevou o valor do programa de transferência de renda e abriu a torneira do gasto como se a conta nunca fosse chegar. As consequências de políticas desastrosas podem tardar, mas um dia aparecem.

Com seu estilo belicoso, Bolsonaro também contribuiu para o clima de insegurança que aumentou o dólar e a inflação muito antes de a guerra estourar na Ucrânia no começo do ano. O BC foi uma das primeiras autoridades monetárias a começar o ciclo de alta dos juros. Desde o início do ano passado, foram mais de 11 pontos percentuais.

Na reunião de ontem, o Comitê de Política Monetária manteve a Selic em estratosféricos 13,75%. Ao mesmo tempo, a prévia da inflação de outubro veio mais alta do que a expectativa de mercado, depois de dois meses de deflação. A decisão por manter os juros, mesmo diante dos sinais de desaceleração, é sinal de que o BC não está tão convencido de que a inflação esteja sob controle.

No exterior, o cenário é de incerteza. De acordo com o FMI, boa parte da economia mundial entrará em recessão no ano que vem. Nos Estados Unidos e na Europa, os juros estão em alta para vencer a inflação. A China parece ter decidido sacrificar suas taxas de crescimento em nome de questões que considera de segurança nacional, entre elas o desacoplamento das cadeias de produção que mantêm seu vínculo com os Estados Unidos. Os preços dos combustíveis deverão continuar a ser pressionados para cima, com o corte de produção promovido pelos maiores exportadores de petróleo, sob a liderança da Arábia Saudita.

É por todo esse quadro que o vencedor da eleição no domingo, seja quem for, precisará ter como prioridade diminuir a instabilidade doméstica. Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e os partidos coligados precisam anunciar logo os nomes que farão parte da equipe econômica que assumirá em janeiro. Reeleito Jair Bolsonaro, com Paulo Guedes mantido no cargo de ministro da Economia, um dos primeiros desafios do novo mandato será lidar com a incerteza gerada pela indefinição orçamentária. Será impraticável cumprir as promessas da campanha eleitoral sem primeiro pôr um mínimo de ordem na casa e definir um rumo consistente para a economia brasileira.


Esvaziamento de fundo científico é fruto de prioridades erradas do Brasil

O Globo

Mecanismo crítico para pesquisa, inovação e desenvolvimento do país perdeu R$ 44 bilhões em 12 anos

É lamentável — e ao mesmo tempo sintomática — a constatação de que R$ 44 bilhões arrecadados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deixaram de ser aplicados no setor desde 2010, quando o financiamento para a ciência começou a sofrer cortes mais drásticos. Os recursos, informou relatório do Centro de Estudos Universidade, Sociedade e Ciência da Unifesp (Sou Ciência) revelado pelo GLOBO, voltaram para o Tesouro, perderam a destinação original e foram parar nas receitas genéricas da União.

O estudo, coordenado pela ex-reitora da Unifesp Soraya Smaili, considera os recursos arrecadados, mas não aplicados na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal executora do fundo. Entre 2010 e 2021 a arrecadação cresceu, mas os pagamentos feitos pelo FNDCT caíram. Só no ano passado, o fundo arrecadou R$ 10,41 bilhões, mas pagou apenas R$ 1,3 bilhão.

O total de R$ 44 bilhões — em valores atualizados — equivale a 25 vezes o valor do maior projeto científico do país na última década: o acelerador de partículas Sirius, em Campinas (SP), orçado em R$ 1,8 bilhão. Das 28 unidades federais que produzem pesquisa no país, apenas uma não sofreu redução de investimentos no período: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que recebeu aportes na pandemia para fabricar vacinas.

As instituições mais afetadas foram as universidades federais, onde o investimento caiu 50% apenas entre 2019 e 2022. Com isso, encolheram os recursos para compra de equipamentos, computadores, livros, móveis, material permanente e reformas de instalações. No início do mês, o ministro da Educação, Victor Godoy, viu-se obrigado a voltar atrás em mais um bloqueio de verbas, tamanha a revolta. A situação é tão crítica que as universidades corriam risco de não ter dinheiro para pagar contas básicas, como luz e água, e ameaçavam fechar as portas.

Nos últimos anos, cortes nos ministérios da Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovações têm sido uma constante. O setor não é prioridade para o atual governo. O desprestígio não se revela apenas nos bloqueios, contingenciamentos ou cortes anunciados a todo momento. Fica patente também no comportamento de um governo que trocou a ciência pelo obscurantismo. O presidente Jair Bolsonaro contesta dados objetivos de desmatamento, atacou as vacinas, incentivou o uso de drogas comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 e preferiu se aconselhar com pseudocientistas durante a pandemia.

Ciência não deveria ser tratada como questão ideológica. O fortalecimento dos setores de educação, ciência, tecnologia e inovação é essencial para o desenvolvimento do país, de qualquer país. Não há caminho para o mundo desenvolvido que não passe por ele. Deixar de investir nessas áreas equivale a deixar de investir no Brasil. Asfixiar financeiramente as universidades e instituições científicas tem um preço. E ele será cobrado.


As pesquisas ficam

Folha de S. Paulo

Ameaças a institutos que medem intenção de voto são antigas e tendem ao fracasso

Num gesto que não constitui surpresa nem causa espanto, aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara dos Deputados protocolaram um pedido de criação da CPI das Pesquisas Eleitorais.

CPI, como se sabe, responde por Comissão Parlamentar de Inquérito, donde se depreende que existem deputados federais interessados em investigar os institutos de pesquisa por sua atuação durante as eleições deste ano.

Se tomada pelo valor de face, a iniciativa revela os traços parvos e obscurantistas daqueles que a endossam. Seus signatários, afinal, teriam de acreditar que a disparidade verificada entre os levantamentos e os resultados nas urnas atestam erro ou má-fé dos institutos.

Ledo engano. Pesquisas, como deveria ser claro, medem intenção, não sufrágio. Muita coisa pode acontecer entre a resposta do eleitor na entrevista e sua decisão final diante da cabine de votação. Querer comparar os dois momentos é pressupor que ninguém muda de ideia na reta final da campanha.

O equívoco conceitual seria apenas risível se não viesse insuflado pelo ânimo autoritário. Pois a esse certificado de estultícia, que muitos parlamentares podem ter conquistado de boa-fé, subjaz o verdadeiro motivo para a investida bolsonarista: intimidar aqueles que reforçam a transparência do processo democrático.

A cruzada contra o livre fluxo de informações começou tão logo o Tribunal Superior Eleitoral confirmou que Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disputariam o segundo turno neste domingo. Partiu do presidente da República a primeira agressão contra os institutos, e a ela se seguiram outras.

Na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que é líder do governo, disse ser preciso criminalizar as pesquisas que não acertassem o resultado das urnas. Seu correligionário Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, acelerou a tramitação de um projeto de lei nesse sentido.

Fora do Parlamento, os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações) defenderam o boicote aos institutos, enquanto a Polícia Federal e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) foram mobilizados nessa caça às bruxas.

Se algo pode ser dito em defesa dos bolsonaristas é que lhes falta originalidade. Institutos de pesquisa no Brasil enfrentam a oposição dos políticos há mais de 30 anos; mesmo uma CPI já foi instalada, em 1998, e terminou meses depois sem deixar conclusão.

Assim como no passado, também agora os ataques se mostrarão ociosos, pois uma sociedade democrática sabe reconhecer o valor da liberdade de informação. Os institutos de pesquisa ficam, os defensores da censura passam.


Política da bala

Folha de S. Paulo

É imperativo esclarecer caso do tiroteio em visita de Tarcísio a Paraisópolis

Em 17 de outubro, um compromisso de campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos), postulante ao governo de São Paulo, terminou de forma prematura em razão de um episódio deplorável.

Durante visita a um projeto social em Paraisópolis, na capital do estado, uma rajada de tiros irrompeu nas proximidades. Agentes à paisana revidaram, matando um suspeito. Ninguém mais se feriu.

No mesmo dia, embora o caso ainda estivesse sob investigação policial, tanto a campanha de Tarcísio como a de seu padrinho político, Jair Bolsonaro (PL), buscaram explorá-lo politicamente.

No horário eleitoral do candidato à reeleição, afirmou-se sem rodeios que "Tarcísio de Freitas e sua equipe foram atacados por criminosos em Paraisópolis". A mesma interpretação foi adotada, a princípio, pelo ex-ministro nas redes sociais.

O caso, já em si nebuloso, adquire agora novos contornos com a revelação, por parte desta Folha, do áudio de um diálogo ocorrido logo depois do incidente.

Nele, um integrante da campanha de Tarcísio questiona um cinegrafista da Jovem Pan, que acompanhava a comitiva, a respeito das imagens que ele havia registrado. Referindo-se a algumas delas, o homem ordena, taxativo: "Você tem de apagar". E completa: "Não pode divulgar isso, não".

Tais imagens poderiam ajudar a esclarecer o tiroteio, algo que, supõe-se, seria do interesse de Tarcísio e seu entorno.

As explicações tampouco justificam a atitude do estafe. O ex-ministro acusou a imprensa de sensacionalismo e se referiu ao áudio como "narrativa mentirosa". Afirmou, ainda, que a ordem teria ocorrido num momento de tensão e que o objetivo seria tão somente preservar a identidade dos membros da equipe de segurança.

Para especialistas, a ação pode configurar obstrução à Justiça, favorecimento pessoal, supressão de documento, fraude processual e coação no curso do processo, além de violações à legislação eleitoral.

É evidente a necessidade de uma apuração célere do ocorrido. O pedido da Polícia Civil para ter acesso ao conteúdo completo das imagens constitui o primeiro passo.

Ao próprio Tarcísio conviria afastar-se da retórica e da prática truculenta do bolsonarismo —que já o levou a defender, com recuos posteriores, propostas equivocadas como o fim das câmeras nos uniformes policiais e o status de secretaria para os comandos das polícias.


China tende a radicalizar com poder concentrado em Xi

Valor Econômico

A política de não alinhamento do Itamaraty é algo útil à mão

O presidente chinês Xi Jinping arrancou dos milhares de participantes do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês uma carta branca para deixar o poder quando quiser, na maior mudança do funcionamento do comando do Estado e do PC desde 1989. Mais do que um fato amplamente esperado, Xi deu demonstrações da rudeza com que pretenderá governar. Primeiro, ao retirar do plenário seu antecessor Hu Jintao em um episódio não esclarecido, mas revelador: a campanha anticorrupção do presidente atingiu muitos membros do partido ligados a Hu. Para indicar uma vitória total e a submissão do partido a seu poder, foram eleitos para os 7 cargos do Comitê Permanente do Politburo, a instância suprema de decisão, apenas burocratas ligados ao presidente, pondo fim a uma hierarquia de postos, diversidade de posições e idades que vigia no partido desde Deng Xiaoping.

A tomada do poder e fim da direção colegiada tornou-se possível após uma depuração de alas que têm outras visões da China ou que estiveram de fato envolvidos em casos de corrupção. Desde os tempos de Joseph Stalin, na Rússia, e Mao Tsetung, na China, a acusação de corrupção foi apenas um pretexto falso para expurgar quem se colocasse no caminho dos líderes autocratas.

Uma ameaça externa, ou percebida como tal, é razão suficiente para stalinistas e maoístas impedirem a dissensão, em primeiro momento, e eliminá-la em seguida. Houve uma mudança sísmica na geopolítica global, e a China é tanto uma das causas como um dos alvos. O mundo está se separando em blocos cada vez mais, depois da guerra comercial insensata de Donald Trump, que erigiu barreiras às importações chinesas - um pouco mais que inúteis economicamente. Exprimindo um consenso partidário americano, o democrata Joe Biden acentuou o cerco à China. Seu último ato foi o de cercear a venda de máquinas, equipamentos e softwares usados na fabricação de semicondutores não só por fabricantes americanos, mas de todos os países que a utilizam de alguma forma.

Essa era uma arma que estava guardada na gaveta de Biden e foi usada depois que Xi se colocou ao lado da Rússia na invasão da Ucrânia. A inclinação autoritária de Xi, seus aumentos dos orçamentos militares, sua diplomacia mais agressiva e seu apoio, ainda que longe de incondicional, às aventuras de Putin, levaram o governo americano a concluir que a ditadura chinesa abriu uma disputa geopolítica com os EUA em condições de se equiparar no tempo ao poderio econômico americano e subir degraus em seu poderio militar. Biden quer barrar o avanço chinês e, nessa ofensiva, conta com o apoio ainda reticente da União Europeia.

A Ásia, mas não só ela, será o campo de batalha da disputa. Os EUA perderam a grande chance da Parceria Transpacífico, diante da recusa de um xenófobo como Trump e, com isso, deixaram escapar a chance de ter capacidade decisiva de influência em todos os campos no quintal chinês. Coreia do Sul e Japão, mais Austrália, alinham-se com os americanos. Na China o seu poder é mais concentrado em decorrência do seu enorme parque fabril. China e EUA detém 50% da capacidade de fazer manufaturados no mundo.

Mais cedo ou mais tarde, os dois países exigirão um alinhamento político de outros países. O Brasil tem flancos vulneráveis, o que exigirá dele a habilidade diplomática que o governo Bolsonaro não teve. A China compra 35% dos produtos vendidos pelo Brasil e o país também depende dos chineses na importação. A fraqueza brasileira é também sua força. Pequim compra basicamente alimentos e minério de ferro para os quais não há - por enquanto - fornecedores globais com escala e preço competitivo suficiente para substitui-lo. É improvável que surja um a curto prazo e os EUA, maior competidor em soja e outros produtos, não está mais disposto a aprofundar vínculos comerciais com a China.

Um novo governo Bolsonaro significará a manutenção do status quo. Um governo Lula poderá ter arestas a aparar com os EUA. Lula enterrou a Alca e fez alianças Sul-Sul, onde a China despontou. Os americanos, porém, compram manufaturas de maior tecnologia do Brasil, que hoje tem déficit com eles. Abrir pontes entre duas margens afastadas é uma tarefa delicada. A política de não alinhamento do Itamaraty é algo útil à mão, mas desenvolvê-la em uma nova polaridade exigirá expertise, negociação, tato e muita paciência.


Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo


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