Publicado em 27/10/2022 - 07:39 / Clipado em 27/10/2022 - 07:39
Esvaziamento de fundo científico é fruto de prioridades erradas do Brasil
Mecanismo crítico para pesquisa, inovação e desenvolvimento do país perdeu R$ 44 bilhões em 12 anos
Por Editorial
É lamentável — e ao mesmo tempo sintomática — a constatação de que R$ 44 bilhões arrecadados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deixaram de ser aplicados no setor desde 2010, quando o financiamento para a ciência começou a sofrer cortes mais drásticos. Os recursos, informou relatório do Centro de Estudos Universidade, Sociedade e Ciência da Unifesp (Sou Ciência) revelado pelo GLOBO, voltaram para o Tesouro, perderam a destinação original e foram parar nas receitas genéricas da União.
O estudo, coordenado pela ex-reitora da Unifesp Soraya Smaili, considera os recursos arrecadados, mas não aplicados na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal executora do fundo. Entre 2010 e 2021 a arrecadação cresceu, mas os pagamentos feitos pelo FNDCT caíram. Só no ano passado, o fundo arrecadou R$ 10,41 bilhões, mas pagou apenas R$ 1,3 bilhão.
O total de R$ 44 bilhões — em valores atualizados — equivale a 25 vezes o valor do maior projeto científico do país na última década: o acelerador de partículas Sirius, em Campinas (SP), orçado em R$ 1,8 bilhão. Das 28 unidades federais que produzem pesquisa no país, apenas uma não sofreu redução de investimentos no período: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que recebeu aportes na pandemia para fabricar vacinas.
As instituições mais afetadas foram as universidades federais, onde o investimento caiu 50% apenas entre 2019 e 2022. Com isso, encolheram os recursos para compra de equipamentos, computadores, livros, móveis, material permanente e reformas de instalações. No início do mês, o ministro da Educação, Victor Godoy, viu-se obrigado a voltar atrás em mais um bloqueio de verbas, tamanha a revolta. A situação é tão crítica que as universidades corriam risco de não ter dinheiro para pagar contas básicas, como luz e água, e ameaçavam fechar as portas.
Nos últimos anos, cortes nos ministérios da Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovações têm sido uma constante. O setor não é prioridade para o atual governo. O desprestígio não se revela apenas nos bloqueios, contingenciamentos ou cortes anunciados a todo momento. Fica patente também no comportamento de um governo que trocou a ciência pelo obscurantismo. O presidente Jair Bolsonaro contesta dados objetivos de desmatamento, atacou as vacinas, incentivou o uso de drogas comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 e preferiu se aconselhar com pseudocientistas durante a pandemia.
Ciência não deveria ser tratada como questão ideológica. O fortalecimento dos setores de educação, ciência, tecnologia e inovação é essencial para o desenvolvimento do país, de qualquer país. Não há caminho para o mundo desenvolvido que não passe por ele. Deixar de investir nessas áreas equivale a deixar de investir no Brasil. Asfixiar financeiramente as universidades e instituições científicas tem um preço. E ele será cobrado.
Veículo: Online -> Portal -> Portal O Globo - Rio de Janeiro/RJ