Publicado em 27/01/2023 - 09:32 / Clipado em 27/01/2023 - 09:32
Opinião – Sou Ciência: Ciência e universidade com os Yanomami
Há alguns anos, quando estávamos na reitoria da Unifesp, tivemos uma experiência que não era nova em nossa universidade, mas que foi transformadora para aquele grupo que estava na gestão: usar a ciência desenvolvida em nossa universidade e por pesquisadores experientes, a favor de comunidades indígenas.
Incrivelmente resiliente, a Unifesp, mesmo já sofrendo com cortes orçamentários, que no total duraram seis longos anos e se intensificaram na era Bolsonaro, agiu com afinco. A solicitação partiu de comunidades indígenas do Xingu e de outras regiões da Amazônia e que nossa gestão buscava acionar pesquisadores da universidade para trabalhar e analisar a água nas terras indígenas. E foi assim que um grupo de colegas do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, campus Diadema, com pouco mais de 10 anos de existência, iniciaria um trabalho de monitoramento da poluição das águas, causada pelo garimpo e por plantações com uso irregular do chão. Este trabalho resultou em teses e conhecimentos sobre o grau de contaminação das cabeceiras dos rios, principalmente pelo despejo de agrotóxicos.
A ligação da Unifesp com as terras indígenas não era nova, pois a Escola Paulista de Medicina já desenvolvia um trabalho relacionado à Saúde Indígena há muitas décadas, iniciado por Dr. Roberto Baruzzi, médico sanitarista e professora, em colaboração com os irmãos Villas Boas. Foram muitos os trabalhos realizados no Xingu ao longo de 60 anos, onde estiveram presentes inúmeros alunos de medicina e enfermagem, que vivenciaram a formação profissional e o trabalho minucioso e dedicado continuado do Dr. Douglas Rodrigues e toda a equipe que coordena o Projeto Xingu da Unifesp. Assim, como pode atestar Douglas, a obra de Baruzzi influenciou gerações de professores e pesquisadores da EPM e do Hospital São Paulo.
Foi esse trabalho que possibilitou a realização de muitos programas pioneiros de saúde indígena junto ao Ministério da Saúde. Também como parte dessa história, a Unifesp mantém um acervo que faz parte do Museu do Xingu. Lamentavelmente, tanto os programas de Saúde Indígena em parceria com o Ministério da Saúde, quanto o Museu do Xingu, sofreram muito com o corte de verbas e tentativas de destruição de nossas universidades perpetradas nos anos Bolsonaro. Sem recursos para os projetos e para a montagem e preservação do museu, trabalhamos para resistir.
O legado de Baruzzi foi além da saúde e certamente influenciou as ações de Educação iniciadas também durante nossa presidência. Além de trabalhar com água e saúde indígena, a Unifesp também se dedicou a criar a Educação Indígena, com programas de extensão, com o reconhecimento do conhecimento e mais recentemente com a titulação indígena, ministrada por indígenas.
Assim como a Unifesp, diversas universidades federais atuaram e atuam no apoio e assistência, principalmente em áreas que foram devastadas ou exploradas pela chamada “civilização”. Como já sabemos, a crise com os Yanomami, que agora assistimos horrorizados, não começou hoje. Decorre da ação exploratória e predatória, especialmente nos últimos quatro anos. O Governo Bolsonaro abriu a crise que se aprofundou e impossibilitou que muitas ações universitárias, que estavam em andamento, continuassem. A destruição perpetrada por Bolsonaro e o garimpo ilegal está em todos os níveis, o que dificulta hoje, inclusive o trabalho e a atuação dos setores de saúde e educação. Levará anos até que possamos retomar e curar essa imensa dor.
A Região Norte do Brasil conta atualmente com 11 universidades federais, entre elas a Universidade Federal de Roraima (UFRR), que possui diversas ações com a região Yanomami, além de garantir o acesso ao ensino superior para os povos indígenas da região. destacar o Programas de Ensino Superior Indígenabem como as atividades de pesquisadores no campo da Antropologia.
Da mesma forma, outras universidades federais em outras regiões desenvolvem ações e pesquisas para combater a devastação e preservar os povos indígenas. A Universidade de Brasília (UnB) conta com pesquisadores que contribuíram com a rede Pró-Yanomami e Y’ecuana, inclusive encaminhando denúncias de lideranças ao Ministério Público Federal sobre a ação genocida que estava em curso contra esses povos. Durante a pandemia, realizou estudos e publicou artigos no Brasil e no exterior sobre a grave situação de saúde dos Yanomami.
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho com os Yanomami, entre outros, começou em 2013, ano em que Davi Kopenawa Yanomami esteve na UFMG como professor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). Desde então, muitas são as colaborações da Hutukara Associação Yanomami (HAY), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA). Porém, tudo foi interrompido entre 2019 e 2022, quando foram encerrados os recursos do Ministério da Educação (MEC) destinados a esses projetos.
De lá para cá, Davi Kopenawa já denunciou diversas vezes o descaso, a falta de estrutura e a gravidade da situação de saúde nas aldeias Yanomami, como ocorreu na cerimônia de comemoração dos 95 anos da UFMG, quando também solicitou proteção e capacitação para os jovens indígenas para enfrentar a situação de viol3nc1a e desorganização social que havia ocorreu com a invasão dos garimpeiros. O reconhecimento de Kopenawa e de seus importantes escritos vem de várias universidades, como Unifesp que recentemente lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa.
São muitas as universidades federais, com seus professores e alunos das Faculdades de Educação e das áreas de Antropologia, que buscam agora estruturar novas ações para retomar a formação dos jovens, bem como o apoio à saúde por meio das redes locais DSEI em articulação com a Secretaria de Saúde Indígena, para capacitação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS). Serão ações que demandarão tempo, estrutura e muita dedicação, além de um grande esforço nacional para que a assistência e as condições de vida cheguem de fato aos Yanomamis.
Juntos, as universidades e nossos alunos e pesquisadores certamente crescerão e aprenderão com os saberes dos povos originários, que conhecem e conhecem a terra e os saberes que dela deduzem para uma vida sustentável, menos predatória e em harmonia com a natureza. E voltamos aos ensinamentos pioneiros de Baruzzi, que também aprendeu com os índios e que fez da experiência da saúde indígena também uma experiência de vida e formação que ficou marcada na vida e na trajetória daqueles que lá estiveram e ainda estão.
Assim, as universidades continuarão seu trabalho no combate à fome e às doenças, assim como na educação. Mas, acima de tudo, serão o ponto de encontro de experiências e saberes originais que farão finalmente parte da formação de novas gerações, inseridas no seu contexto e em busca de uma realidade com mais esperança.
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