Publicado em 20/01/2023 - 09:04 / Clipado em 20/01/2023 - 09:04
Opinião – Sou Ciência: Ciência para combater o fascismo
Para quem ainda tinha dúvidas de que vivíamos em um contexto golpista, o já histórico dia 08/01/23 comprovou cabalmente o que já vinha sendo alertado, com base em inúmeras evidências. E o novo Governo foi surpreendido pelo fracasso ou golpe dos próprios grupos de “Inteligência” do Estado que deveriam ter alertado e tomado providências – e isso precisa ser rapidamente revertido. As universidades têm muito a colaborar no combate ao golpe de estado e na reconstrução dessa inteligência pró-democracia, em vários níveis, como propomos neste artigo.
Não há dúvida de que os movimentos autoritários, milicianos, militares, mafiosos e fascistas no Brasil de hoje não são passageiros ou pequenos, eles vieram para ficar e não estão brincando. O que poderia ser apenas uma gu3rr4 de narrativas é, antes de tudo, uma gu3rr4 total – que se trava de forma insidiosa no Brasil, nos bastidores e nas ruas, sem descanso e sem recuo, de forma híbrida e combinada.
Por outro lado, é a primeira vez que um Estado Democrático de Direito no Brasil leva à prisão, em número significativo, de militantes e soldados de direita (no levante integralista de 1937, o ditador Getúlio contra-atacou) . Estamos diante de um acontecimento histórico e suas consequências. E não podemos perder o comando da situação e da unidade nacional que se formou provisoriamente diante da rejeição dos acontecimentos de 1/8.
Então vamos ao nosso ponto. Adotando o título autoexplicativo do livro de Márcia Tiburi de 2020 (mais atual do que nunca) “Como derrotar o nazi-fascismo masculino turbo tecno” – ou qualquer nome que você queira dar ao mal que devemos vencer – cabe um complemento: qual o papel das universidades e da ciência nessa batalha? Nós, do SoU_Ciência, propomos 4 tarefas iniciais, algumas já em andamento e todas a serem fortalecidas e organizadas:
1) Estudarpesquisar e entender a ascensão da nova extrema direita no Brasil, seus traços fascistas, suas conexões internacionais com o movimento global e com o ventre estrutural de nossa história local de predação e viol3nc1a. Os estudos sobre o autoritarismo no Brasil, desde a escravatura colonial até o integralismo e as ditaduras do século XX, já são temas clássicos e relativamente bem estudados, mas a nova extrema-direita traz desafios em vários níveis, metodológicos, de acesso a dados e de pesquisadores ‘ própria segurança e integridade. Pelo menos desde 2013 há uma mobilização nas universidades para estudar o protofascismo brasileiro, como movimento social, como facções e grupos golpistas, com pesquisas de campo, muitas publicações, alguns fóruns e congressos e centros de pesquisa nascentes, agora formando redes de colaboração e criar maior organicidade, inclusive internacionalmente, já que se trata de um fenômeno global marcante na última década. É preciso dar visibilidade e apoio na promoção de pesquisas para fortalecer e expandir esses grupos e levar seus resultados de forma mais ampla ao conhecimento público.
2) Portanto, o segundo ponto é justamente colaborar para ampliar o debate público sobre o tema, junto com a mídia, movimentos sociais, juventude, trazendo informação, mostrando o que é, quem são, o que fizeram e onde a ação desses grupos pode nos levar, apresentando casos recentes da onda reacionária global ou a história da diferentes fascismos no mundo. Para isso, como já insistimos em outras ocasiões (por exemplo, como aconteceu com a pandemia de Covid-19), as universidades e pesquisadores precisam ir ainda mais longe fora de seus muros para dialogar com a sociedade, de forma clara e ágil, e trabalhar em colaboração com jornalismo, audiovisual, comunicadores e influenciadores de rede, educação em todos os níveis, movimentos, organizações e instituições que estão na vanguarda da defesa da democracia. Precisamos criar impacto e acesso a informações confiáveis e atrativas ao público em geral, embasadas histórica e cientificamente, para enfrentar a avalanche de mentiras e revisionismos negacionistas.
3) Análise currículos e material didático que os anos do Governo Bolsonaro podem ter posto em prática, propagado visões completamente distorcidas, ideológicas e empiricamente infundadas. E, isso, com o envolvimento de comunidades escolares de todos os níveis de ensino, incluindo as novas escolas civis-militares e as antigas escolas militares, que são públicas, e contam uma história fantasiosa do Brasil e da própria atuação dos militares. Além disso, urge ouvir a população sobre a reforma do ensino secundário e a sua revisão, uma vez que reduziu significativamente os conteúdos fundamentais, a formação na área das humanidades e para a cidadania apostar num percurso formativo orientado para uma estreita profissionalização que visa uma entrada subalternizada no mercado, deixando em segundo plano a educação cidadã para a democracia. Isso envolve, inclusive, a formação de valores para a convivência democrática, a aceitação da diferença, a tolerância, a forma de construir o consenso, a solidariedade e a cooperação – e não é a restrição da convivência em um modelo de “família tradicional brasileira” que fará isso, “em casa”, como prega a extrema-direita.
4) Formulação e execução de políticas públicas claras, onde as universidades colaborarão com a inteligência para derrotar agentes e organizações golpistas e neofascistas no Brasil, suas células, ideólogos, financiadores e organizações criminosas. Somente uma ação coordenada com o poder governamental, interministerial e Legislativo pode de fato criar ações para mudar o ambiente antidemocrático. O dia 8 de janeiro deixou claro que o sistema de inteligência do Estado está contaminado e foi cooptado pelos golpistas. É preciso recompor essas equipes, o que não é tarefa fácil, pois estão umbilicalmente ligadas a forças autoritárias e/ou militares. Por isso, as universidades devem formar uma rede de apoio estrutural, com seus Observatórios e Centros de Pesquisa que estudam grupos neonazistas e milícias; forças policiais e militares; propagadores de ódio e fake news nas redes sociais; esquemas de Corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas; predação ambiental e grilagem de terras; crimes contra movimentos sociais e indígenas; e os financiadores de tudo.
Uma convocação do atual Governo e de instituições do Estado, envolvendo diversos Ministérios, pode criar uma rede de colaboração em inteligência, pesquisa e construção de provas para uma atuação mais ágil e embasada do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e dos órgãos de investigação, além de à construção de políticas públicas preventivas, formativas e combativas de longo prazo. Vamos juntas e juntas, vamos com força. Nossas universidades e ciência ocupando seu lugar estratégico não só para a produção de conhecimento, para a solução dos problemas do país, mas também para a reconstrução dos valores democráticos e para a valorização da vida.
In the current sociopolitical context that features the growth of right-wing extremist movements, our strength must be deployed on every front, with science at the very forefront of our defenses. Brazil’s young organization “Sou Ciência” has taken this focus to heart, joining the fight against fascism through education-based initiatives and awareness campaigns.
Formed in São Paulo in 2018, Sou Ciência mobilizes Brazilian scientists to fight against fanatical and populist discourses. Through a variety of outreach efforts, Sou Ciência aims to familiarize the public with the need to strengthen civil society through its defense of science, education and democracy.
Through their popular “Esclareça” (“enlighten”) initiative, Sou Ciência works to raise public awareness of conservative discourses on a range of relevant scientific issues. This education-led strategy has been notably effective in diffusing the tensions that surround divisive science-based discussions, such as climate change and vaccinations.
In addition to their own initiatives, Sou Ciência has also worked in partnership with other NGOs on initiatives that examine issues such as the relationship between populism and science-based decision-making processes. Through the active involvement of scientists and Sou Ciência’s commitment to impartial research and discourse, these initiatives are making a real difference in the fight against fanatical public discourse in Brazil.
In a world increasingly divided by dangerous political tribalism, science’s role in the battle for understanding is increasingly important. Sou Ciência shows us that when armed with information and the will to effect positive change, even the smallest organization can become an influential force in the fight against dangerous ideologies.
https://aracajuagoranoticias.com.br/ciencia-para-combater-o-fascismo-shtml/
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