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Publicado em 13/01/2023 - 16:18 / Clipado em 13/01/2023 - 16:18

A desvalorização dos professores de nível superior no ensino privado brasileira


O legado da Reforma de Michel Temer para os professores e drástica redução salarial que prioriza o lucro em detrimento da qualidade

 

 

Ruan Carlos Pires Faquim é graduado em Ciências Biológicas, mestre em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos e Doutor em Recursos Naturais do Cerrado (RENAC). E é professor do ensino fundamental a educação superior.

Por Ruan Carlos Pires Faquim

 

A reforma trabalhista defendida por Michel Temer e sancionada pelo Congresso Nacional em 2017 projetava uma regularização das contas públicas, estímulo da economia e criação de novos empregos. Entre os empresários, traria um ambiente mais competitivo, com a diminuição de encargos trabalhistas, além de dar segurança jurídica ao empregador. Na prática, como veremos abaixo, ela está impactando diretamente a vida dos professores do ensino superior privado no Brasil, barateando salários e reduzindo a qualidade das aulas encontradas pelos estudantes. Ao mesmo tempo, as Instituições de Ensino Superior (IES) seguem expandido de vento em popa, ao maximizarem seu “negócio” trazendo o lucro para primeiro plano, em detrimento da educação em si.

No surgimento do ensino superior no Brasil, entre 1808 e 1810, ainda no período colonial, os cursos eram gratuitos e financiados com o “quinto da Coroa” − um imposto cobrado sobre os produtos exportados do Reino e das Colônias. A primeira instituição que viria a se tornar privada foi criada em 1896, a Escola de Engenharia Mackenzie. Desde então, os professores e suas remunerações passaram por diferentes formas e legislações de pagamento, mas o momento atual é inédito e preocupante.

Tratando-se de um modelo de negócio, é natural falarmos de competitividade e busca por lucro entre essas empresas. E uma forma de buscar a competição sempre foi ofertar vagas de trabalho acompanhadas de bons salários – uma estratégia para atrair professores com maior titulação (mestres ou doutores) para comporem o quadro docente dessas instituições. Assim, cada faculdade/ universidade elaborava seu próprio Plano de Cargos e Salários, cuja validação dependia da homologação do Ministério do Trabalho (conforme Súmula 06 do Tribunal Superior do Trabalho - Lei 13.467/2017, do art. 461 da CLT).

O que isso significa, então? De uma maneira simplista, as instituições submetiam as propostas de salários dos professores ao Ministério do Trabalho, que, por sua vez, aprovava (ou não) e, assim, era estabelecido o (novo) plano de salários institucional. Este plano só poderia ser substituído e/ou alterado caso passasse novamente pelo trâmite de aprovação junto ao Ministério do Trabalho, dificultando intervenções à revelia nestas regras. 

Por exemplo, entre os anos de 2010 e 2016, as IES particulares do Brasil pagavam em média (SINPROR-SP/GO) R$ 39,00 por hora/aula semanal para especialistas; R$ 69,00 por hora/aula semanal para mestres; e R$ 72,00 por hora/aula semanal para doutores. Esses valores eram relativamente atrativos para os professores universitários, com composição da remuneração mensal de aproximadamente R$ 4 mil para um especialista com carga horária de 20 horas semanais (o equivalente a ministrar aulas no período matutino, por exemplo, todos os dias da semana).

Contudo, neste cenário, o ano de 2017 foi profundamente marcado pela Reforma Trabalhista, proposta pelo Governo Michel Temer, que corrompeu inúmeros direitos nessa área, e de forma profunda (Lei 13.467/17). Isto porque a “flexibilização das negociações trabalhistas” extinguiu o trâmite de apreciação junto ao Ministério do Trabalho e a análise e aprovação das propostas junto aos Sindicatos, permitindo que as empresas “negociassem” o plano de cargos e salários diretamente com o colaborador (neste contexto, considero mais coerente o termo “empregado”) ou, ainda, que fosse proposto internamente e apenas imposto aos empregados.

Assim, com a redução da mal afamada “burocracia” (afinal, que burocrática a demanda do protocolo de aprovação junto a órgãos fiscalizadores e de defesa!), as empresas se viram livres para criação de novos planos de carreira sempre que conveniente, mesmo que sem a “negociação” com seus empregados. À época, algumas fontes com autoridade no assunto diziam que a prática de criar novos planos não se tornaria regra, pois traria instabilidade para os funcionários e afugentaria os novos talentos. Ou seja, mesmo que um novo plano fosse criado, valeria apenas para novos funcionários (e não para os antigos, que estavam inseridos em um plano “antigo”, em vigência; intepretação que vai ao encontro da súmula 51 do Tribunal Superior do Trabalho). No entanto, de acordo com a Reforma trabalhista, no caso de um novo plano mais vantajoso, ficaria a critério do empregado decidir por sua adesão. Neste ponto, acho que qualquer um aqui já poderia prever o que iria acontecer (ou aconteceu)!

Após a aprovação e entrada em vigor da referida Reforma, em 11 de novembro de 2017, a maioria das IES privadas imediatamente criou novos planos de cargo e salários e, já na transição entre o segundo semestre de 2017 para o primeiro semestre de 2018, demissões em massa começaram a acontecer, com a “justificativa” de adequação aos novos planos de cargo e salários. Esta prática é, até hoje, bastante recorrente a cada fim de semestre letivo.

Em 2022, com a transição entre governos federais e as especulações de possíveis novas alterações nas regras trabalhistas, muitas IES privadas movimentaram-se com a criação de novos planos (novamente!), com excessivas reduções na composição da remuneração mensal dos professores, e com novas ondas de demissão − agora mais hostis e desumanizadas que antes, feitas via e-mails e ligações telefônicas –, com desrespeito à história do professor junto à própria instituição e à comunidade acadêmica.

Neste momento, fica ainda mais evidente que a oferta de uma educação de qualidade e a valorização dos professores e suas formações jamais foram prioridades para estas instituições, que se definem como instituições com fins lucrativos, em detrimento do caráter educacional. 

Na tabela abaixo, estão demonstrados alguns valores, em R$, pagos pelas instituições ao longo dos últimos 12 anos a professores de nível superior. Estes valores estão baseados em uma jornada de 20 horas semanais (carga horária já considerada impraticável, por ser tida como “muito alta” pelas IES). Nestes cálculos, podemos observar que um professor especialista no período 2010-2016 era mais bem remunerado (R$ 4.095,00) do que será um professor doutor (R$ 3.045,00) no ano de 2023.

Valores pagos as diferentes formações

Projeção salarial para 20 horas-aula

Ano

Especialista 

hora-aula

Mestre  hora-aula 

Doutor  hora-aula

Especialista

Mestre 

Doutor

2010 - 2016

R$ 39,00

R$ 69,00

R$ 72,00

R$ 4.095,00

R$ 7.245,00

R$ 7.560,00

2017 -2018

R$ 34,00

R$ 37,00

R$ 48,00

R$ 3.570,00

R$ 3.885,00

R$ 5.040,00

2023

R$ 16,00

R$ 25,00

R$ 29,00

R$ 1.680,00

R$ 2.625,00

R$ 3.045,00

Em contrapartida, a rede privada de ensino tem crescido consideravelmente nos últimos 25 anos. Levantamento realizado pelo Sou Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência) demostrou que, entre 1995 e 2020, as instituições privadas passaram de 60% para 77,5% de todas as matrículas em nível superior no Brasil.

A desvalorização, contudo, vai em mão dupla: nos mesmos últimos 11 anos, ela também acompanhou a moeda brasileira. De acordo com especialista José Dutra Sobrinho (em entrevista para coluna de Sophia Camargo, do R7), pegando o ano de 2010 como base, o que valia R$ 100 atualmente equivale a R$ 13,43 (redução do seu valor de compra em 86,57%). Para o Dieese (instituições que calculam o salário-mínimo ideal para a população), durante agosto de 2022, quando o salário-mínimo bruto era de R$ 1.212,00, o cálculo proposto pelo departamento considerava com ideal o valor de R$ 6.298,91. Esse dado se baseia na correção do plano real desde sua implantação, em 1994, e como deveria ter sido feita a correção do salário baseada na inflação. Além disso, o custo de vida do cidadão brasileiro subiu 72% desde janeiro de 2019 até abril de 2022.

Qual será a nossa perspectiva como professor para os próximos anos? Existe ensino de qualidade em que o professor não é devidamente remunerado? Como serão os futuros profissionais do Brasil, vindo de instituições privadas em que a educação e qualidade nunca foram a prioridade? Existirá estímulo e motivação aos novos profissionais na formação continuada? Por estes motivos, escrevo este artigo não apenas para os professores que passam e vivem essa realidade cotidianamente, mas para a população, para que todos entendam e se sensibilizem sobre o legado deixado na educação. 

 

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