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Blog Combate Racismo Ambiental

Publicado em 01/09/2022 - 09:15 / Clipado em 02/09/2022 - 09:15

Bancada negacionista: médicos que defenderam tratamento ineficaz disputam eleição


Candidatos abraçaram medicamentos ineficazes como cloroquina e ivermectina para covid-19; médicas que estiveram com Bolsonaro para propagandear tratamento agora são candidatas


Por Júlia Rohden, Agência Pública


Mais de um ano após a Organização Mundial da Saúde afirmar que a hidroxicloroquina e a ivermectina não devem ser usadas para prevenir a covid-19, um grupo político de médicos ainda tenta emplacar o “tratamento precoce” — e se eleger com essa bandeira. Trata-se do Médicos pela Vida, que visitou em agosto o Conselho Federal de Medicina (CFM) para entregar um ofício no qual associam a vacinação ao aumento de mortes, alegam que o uso de máscara é ineficaz e defendem a hidroxicloroquina. Entre os médicos que assinam a carta, há duas candidatas: Maria Emilia Gadelha (PRTB), que disputa como deputada federal por São Paulo, e Ligia Funaki (PMB), que concorre como deputada estadual por São Paulo.

Elas não estão sós. Além das duas políticas que seguem pautando o tratamento ineficaz, um levantamento inédito da Agência Pública encontrou dez médicos candidatos que defenderam o uso de cloroquina, ivermectina ou criticaram a vacinação durante a pandemia. A reportagem considerou políticos que declararam como ocupação serem médicos e que disputam cargos de governador, vice-governador e senador.

Soraya Smaili, professora coordenadora do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que os dados científicos atuais que comprovam a ineficácia são desconsiderados por médicos negacionistas. “Atualmente eles se especializaram nessa história, pegam um dado publicado e distorcem. Não é só negacionismo, é uma pseudociência, uma fake ciência, uma forma distorcida de apresentar um estudo ou dado para levar a conclusão que eles querem”, avalia.

A pesquisadora lembra que no início da pandemia vários medicamentos foram testados para combater o novo vírus, inclusive a cloroquina. No entanto, pouco depois foi comprovada sua falta de efeito. “Quando a cloroquina foi investigada em laboratórios, depois também em pacientes moderados, nem a cloroquina, nem a hidroxicloroquina mostraram qualquer efeito. Ao contrário, elas até causam efeitos colaterais que podem ser arriscados para pessoas que têm problemas cardiovasculares, por exemplo. Algo parecido aconteceu com a ivermectina”, afirma Smaili.

“Normalmente é um pacote fortemente influenciado pela questão ideológica”, considera o médico infectologista do hospital da PUC de Campinas André Bueno, ressaltando que os defensores do “tratamento precoce” costumam ser contra a vacina e o uso de máscaras. “Essas medicações [cloroquina, ivermectina e hidroxicloroquina] nunca foram recomendadas com embasamento. Tanto que boa parte dos médicos nunca prescreveu esse tipo de medicação. Quem optou por defender publicamente já partiu de questões políticas muito fortes e sem embasamento científico”, aponta.

Ao todo, 693 candidatos declararam ao Tribunal Superior Eleitoral ocupação como médicos: 349 concorrem a vagas de deputado estadual/distrital, 306 a deputado federal, 12 ao senado, nove a governador, sete a vice-governador, um a vice-presidente e nove a suplente.

Na lista, estão as deputadas federais Nise Yamaguchi, que concorre pelo PROS de São Paulo, e Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, pelo PL do Ceará. Em reportagem, o jornal O Globo mostrou que além Yamaguchi e Pinheiro, mais 18 pessoas indiciadas na CPI do Senado Federal estão disputando votos.


Médicos que estiveram com Bolsonaro defendem tratamento ineficaz

“Nós não representamos os nossos colegas na grande massa, mas representamos os médicos que optaram pela ousadia”, disse Raíssa Soares durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro, em agosto de 2020. O evento chamado “Brasil Vencendo a covid-19” reuniu médicos que receitaram o ineficaz “tratamento precoce”, enquanto o país já havia ultrapassado 113 mil mortes pela doença.

A médica ficou conhecida após um vídeo que circulou nas redes sociais pedindo a Bolsonaro o envio de cloroquina para Porto Seguro, onde atuava como secretária de Saúde. Ela concorre a vaga de senadora pela Bahia pelo Partido Liberal (PL). Poucos dias após o pedido, 40 mil comprimidos de cloroquina chegaram ao município, conforme mostrou reportagem da Pública. O vídeo foi postado em 30 de junho de 2020 e posteriormente excluído do Instagram.

Em novembro do ano seguinte, Soares foi exonerada do cargo em Porto Seguro. Meses antes, em agosto, o Ministério Público da Bahia ajuizou uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra a então secretária, requerendo sua retirada do cargo. A ação ainda está tramitando.

Em nota publicada pela comunicação do órgão, a promotora de Justiça Lair Faria Azevedo disse que Raíssa Soares incentivou o uso de medicamentos sem eficácia reconhecida pela Anvisa e desestimulou a imunização da segunda dose das vacinas. “A acionada, que possui perfil de influenciadora digital com mais de 156 mil seguidores, apesar de ocupar cargo de secretária de Saúde, mantém postura nas redes sociais diametralmente oposta à política municipal, estadual, federal e mundial de enfrentamento à pandemia do coronavírus, confundindo a população, fomentando indiretamente a disseminação do vírus e promovendo um descaso com a coisa pública e prejuízo ao erário”, ressaltou a promotora.

Outra médica que concorre nas eleições deste ano e esteve no encontro com Bolsonaro é Flávia Lenzi. Ela é candidata a vice-governadora de Rondônia pelo PL na chapa com Marcos Rogério. Discreta nas redes sociais, a participação da candidata no evento foi divulgada pelo site do Sindicato Médico de Rondônia, onde Lenzi é presidente. “Somos um lindo time do qual me orgulho em fazer parte. Defendemos a abordagem precoce no tratamento da covid e que todo cidadão tenha direito ao tratamento dessa doença terrível”, disse à época.


Candidatos ao senado usaram as redes para desinformar sobre pandemia

Em Santa Catarina, o oftalmologista Luiz Barboza (Novo) disputa vaga ao senado. “Não condenem os pacientes a não serem tratados precocemente em suas doenças, incluindo a covid”, diz no início de um vídeo que circulou em março de 2021. Nas eleições de 2020, Barboza foi vice na chapa com Orlando Neto (Novo) para a prefeitura de Florianópolis, obtendo apenas 2,63% dos votos.

Em outro vídeo, Barboza faz a comparação do coquetel de medicamentos usado para conter o vírus HIV com os medicamentos ineficazes. “Hoje a Aids, mesmo sem a vacina, é uma virose controlada em todo o mundo, graças ao coquetel da Aids. Diria que o mesmo podemos falar sobre a Covid. A azitromicina sozinha não resolve, outras drogas sozinhas [aparece escrito no vídeo “hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D, zinco e corticoides”] não irão resolver, mas quando associadas fazem um efeito sinérgico, onde 1+1 = 10, 10+1 = 100 e 100+1 = 1000”.

“Alguns médicos defendem que na presença do Covid-19 fiquemos de braços cruzados tomando antitérmico e esperando pela sorte”, disse o candidato ao senado pelo Mato Grosso, Jorge Yanai, do Democracia Cristã. O vídeo veiculado em suas redes sociais em junho de 2020 defende o uso de hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, zinco e anticoagulante. Um mês antes, o médico publicou outro vídeo defendendo o uso da cloroquina.


Médicos estimularam tratamentos ineficazes enquanto ocupavam cargos públicos

O vereador de Boa Vista (RR), Ilderson Pereira, que agora pleiteia uma vaga ao Senado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi além de se posicionar favorável ao Kit Covid: ele protocolou um projeto de lei, em abril de 2021, para que a Secretaria de Saúde disponibilizasse como “tratamento precoce” aos pacientes com sintomas remédios como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, bromexina, nitazoxanida, zinco, vitamina C, vitamina D, dipirona, prednisona, colchicina e anti-coagulantes. O projeto foi vetado pelo prefeito e arquivado.

Outra lei que partiu do candidato foi sancionada em abril deste ano e proíbe a exigência de apresentação do cartão de vacinação em espaços públicos e privados. “Se aplica ao setor público e privado e garante aos cidadãos de Boa Vista o acesso livre sem sofrer qualquer discriminação de cunho sanitário”, diz o texto da lei municipal.

Quem também ocupava um cargo político durante a pandemia e concorre ao senado é o oftalmologista Hiran Gonçalves, do Progressistas de Roraima. Em vídeo veiculado em suas redes sociais em junho de 2021 ele critica a CPI da Covid. “Eu quero aqui dizer aos senadores, a alguns senadores, que têm tratado os médicos que são inquiridos sem o devido respeito, como o colega Marcelo Queiroga, Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi, que têm sido tratados de maneira que termina por tentar conspurcar a vida profícua desses profissionais em defesa da saúde, de mitigar o sofrimento das pessoas do ponto de vista individual ou coletivo”, disse em vídeo gravado no plenário da Câmara onde atua como deputado federal.

Em maio de 2020, deputados debateram no plenário sobre a alteração do protocolo do Ministério da Saúde que liberou o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina até para casos leves da doença. Gonçalves, que era presidente da Frente Parlamentar Mista de Medicina, defendeu a medida, afirmando que iria democratizar e deixar “mais seguro o uso da hidroxicloroquina”.

No Amapá, a médica Rayssa Furlan (MDB) que está tecnicamente empatada em segundo lugar com João Capiberibe (PSB) na única vaga para o Senado – ambos atrás de Davi Alcolumbre (União Brasil), de acordo com levantamento de 3 de agosto do Doxa Pesquisa – também já se manifestou favorável ao uso de ivermectina. Em março de 2021, a candidata divulgou um vídeo de seu marido, Dr Furlan, também médico e prefeito de Macapá, anunciando uma nova campanha que faria buscas ativas de casos sintomáticos no município e levaria testes rápidos, máscaras, vitaminas C, D, zinco e ivermectina para “reforçar a imunidade da população”. No mesmo mês, a candidata, que na época atuava como Secretária Municipal de Participação Popular da capital, divulgou fotos de distribuição dos medicamentos.


Médicos a favor do “kit covid” disputam vaga de governador

No Maranhão, o candidato ao governo pelo Partido Social Cristão (PSC), Lahesio Bonfim, defendeu o uso de ivermectina e azitromicina contra a covid — e fez afirmações sobre intubação que foram consideradas descabidas por médicos intensivistas.

Em março de 2021, quando era prefeito de São Pedro dos Crentes, ele associou mortes ao uso de respiradores nas UTIs. “De cada 10 pacientes [intubados], 8,2 morrem. Morrem por conta do tubo”, disse durante entrevista que teve as afirmações analisadas pela equipe de checagem de fatos do Estadão. Além disso, Bonfim afirmou que a cidade registrava apenas três óbitos por covid há sete meses devido ao uso de ivermectina e azitromicina. “Aqui está dando certo porque o povo não está morrendo. Só pode ter sido porque o povo ora muito. Ou é por conta da azitromicina e ivermectina, ou é Jesus”, disse o atual candidato ao governo.

Candidato pelo Democracia Cristã, Luciano Teixeira concorre a governador no Tocantins com o nome “Dr Luciano do Oswaldo Cruz”, em referência ao hospital onde trabalha. Em janeiro de 2021, Teixeira disse ter atendido um paciente “que vomitava sangue a madrugada seguinte ao aplicar a CoronaVac”. A reportagem entrou em contato com o hospital Oswaldo Cruz de Palmas questionando as declarações feitas do profissional e se alguma medida havia sido tomada, mas não obteve resposta.

O ex-prefeito de Teresina e atual candidato ao governo do Piauí Sílvio Mendes (União Brasil) também defendeu o uso da hidroxicloroquina. “Tem medicamentos baratos que não interessam à indústria farmacêutica, porque são baratos, não tem patente, qualquer um pode fabricar, que é hidroxicloroquina, eu nunca vi um remédio tão combatido, a azitromicina, que a gente conhece desde que eu nasci, e a ivermectina que é um remédio para verme que tem certa ação lá. Juntando os três dá bom resultado”, afirmou em entrevista ao Jornal do Piauí da TV Cidade Verde.


Outro lado

A reportagem entrou em contato com todos os candidatos citados por meio do e-mail disponibilizado ao TSE e por redes sociais. Nenhum respondeu aos questionamentos feitos, apenas a assessoria de comunicação de Lahesio Bonfim disse que “o candidato não reconhece tais declarações nos termos que foram colocados”, perguntando a fonte das informações para enviar uma nota. A nota, no entanto, nunca foi enviada



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