Publicado em 26/07/2022 - 08:25 / Clipado em 27/07/2022 - 08:25
Vitória da ciência: Ministério da Economia confirma desbloqueio de R$ 2,5 bilhões do FNDCT
Recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico serão liberados para fomento à ciência, mas serão cortados de outros setores – incluindo, possivelmente, da Educação e da Saúde
Por Herton Escobar
A ciência brasileira consolidou uma conquista importante junto ao Congresso Nacional nesta semana. O Ministério da Economia (ME) anunciou que vai liberar os R$ 2,5 bilhões que haviam sido bloqueados do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em função da derrota sofrida pelo governo na tramitação do projeto de lei que serviria para legalizar o bloqueio (PLN 17/2022). Sendo assim, a ciência nacional poderá novamente contar com o valor integral de recursos não reembolsáveis previstos no orçamento do fundo para este ano, de R$ 4,5 bilhões, essenciais para a sobrevivência do setor.
A informação foi dada pelo secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteve Colnago, em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (25/7), e noticiada no mesmo dia pelo Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que realiza sua reunião anual nesta semana, na Universidade de Brasília (UnB).
Foi a SBPC quem primeiro alertou sobre a intenção do ME de fazer o bloqueio, com a divulgação de uma nota de repúdio, em 27 de maio. “Conclamamos o Congresso Nacional a defender o orçamento aprovado e agir para reverter estes cortes, caso eles se confirmem”, escreveu o presidente da entidade e professor da USP, Renato Janine Ribeiro. A pressão funcionou, e a modificação que o governo precisava aprovar no orçamento para legalizar o bloqueio acabou sendo derrotada no Congresso Nacional, em 12 de julho, graças a emendas apresentadas pelas bancadas do PT, no Senado Federal, e do PSDB, na Câmara dos Deputados.
Tudo isso graças à Lei Complementar 177, aprovada no início de 2021, que proíbe explicitamente “a imposição de quaisquer limites à execução da programação financeira” do FNDCT — que é a principal fonte de recursos de fomento para a ciência brasileira.
A má notícia é que o governo planeja compensar essa derrota tirando dinheiro de outras áreas. “A gente vai ter que desbloquear 2,5 (bilhões) do FNDCT, o que onera, ou colocar mais um peso nos demais ministérios para assimilar esses 2,5 (bilhões) que vão ser desbloqueados”, disse Colnago, na coletiva do Ministério da Economia. “Vou ter que desbloquear do FNDCT e vou ter que bloquear em outros órgãos.”
No total, o ministério planeja bloquear cerca de R$ 13 bilhões em verbas discricionárias do orçamento federal, para tentar cumprir o chamado “teto de gastos”, que impede que as despesas anuais do governo aumentem mais do que a inflação. O detalhamento dos bloqueios deverá ser anunciado na semana que vem, mas é provável que as pastas da Educação e da Saúde estejam entre as prejudicadas. Segundo Colnago, “é natural” que parte do contingenciamento recaia sobre esses ministérios, “porque o orçamento deles é muito grande”.
“Na ânsia de colocar recursos onde possam render o máximo de votos possível, o governo teve que voltar atrás no congelamento de recursos do FNDCT, porque o Congresso Nacional ordenou que isso fosse feito. Agora, por incrível que pareça, os cortes serão direcionados para a Educação e a Saúde, porque isso tem impactos a médio e longo prazos que são mais difíceis de serem percebidos de imediato pela população”, disse ao Jornal da USP o vice-presidente da SBPC e professor do Instituto de Física da Universidade, Paulo Artaxo. “Esse tipo de prática governamental é vergonhosa em nosso país; esse uso eleitoral de recursos públicos para candidatos individuais é absolutamente inaceitável.”
É possível, ainda, que novos bloqueios sejam aplicados ao próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), cujo orçamento já encolheu mais de 42% entre os anos de 2018 e 2021, em valores liquidados e corrigidos, segundo um levantamento publicado recentemente pelo centro de pesquisas Sou Ciência, sediado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com relação ao FNDCT, o estudo calcula que quase R$ 35 bilhões dos R$ 64 bilhões arrecadados pelo fundo entre 2010 e 2021 deixaram de ser destinados à ciência e tecnologia.
Cortes no orçamento do Ministério da Educação também afetam diretamente a ciência — além da própria educação, claro —, já que mais de 90% da ciência nacional é produzida em universidades públicas, federais e estaduais. As dificuldades orçamentárias enfrentadas por essas instituições de ensino e pesquisa foram um dos principais temas abordados nos primeiros dias da reunião da SBPC.
“Nesses últimos cinco anos, infelizmente, os cortes abruptos que atingem diretamente o orçamento das universidades federais projetam um cenário desolador para as nossas instituições”, disse a reitora da UnB, Marcia Abrahão Moura, em seu discurso de abertura da reunião. “É preciso dizer com todas as palavras: as decisões governamentais sobre o orçamento para educação promovem um caos proposital, com a clara intenção de minar o ensino superior público, gratuito e democrático.”
A 74ª Reunião Anual da SBPC vai até sábado e pode ser acompanhada de forma virtual pelos canais da SBPC e da UnB no YouTube. O Jornal da USP publicará um compilado de destaques do evento nesta sexta-feira.
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