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Publicado em 13/07/2022 - 11:10 / Clipado em 14/07/2022 - 11:10

“Interromper atividades significaria que o pensamento anti-universidade venceu”


Por Táscia Souza


Nesta semana, nos próximos dias 15, 16 e 17 de julho, entidades, organizações e movimentos sociais de todo o país estarão em Natal (RN), para a segunda Conferência Nacional Popular de Educação — Conape 2022. Em pauta, a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade. Em todo esse escopo, inclui-se, por óbvio, a luta em prol das universidades públicas.

Sobre a educação superior, o documento-referência da Conape, lançado em abril de 2021, destaca que “o desmonte das universidades e dos institutos federais tem ocupado a atenção dos últimos governos após o golpe de 2016”.

“Foi interrompido o processo de expansão e interiorização da educação superior pelo país, assim como foram drasticamente reduzidos os recursos para os programas de assistência estudantil, que asseguravam a permanência dos/das estudantes provenientes das camadas populares. As políticas e ações afirmativas, que promoveram a democratização do acesso e asseguraram o ingresso e a permanência de parcela da população historicamente excluída do ensino superior público, têm sido sistematicamente atacadas pelo Governo Bolsonaro”, diz o documento que orientou todos os debates municipais, estaduais e regionais preparatórios para a Conferência, assim como orientará a discussão nacional na capital potiguar.

“As universidades e institutos federais têm seus recursos represados e crescentemente diminuídos, sua missão institucional atacada e sua autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial, assediada.”

O texto foi divulgado há mais de um ano, mas poderia ter sido escrito no mês passado. No dia 22 de junho, a Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais realizou, na Câmara dos Deputados, um ato pelo desbloqueio do orçamento dessas instituições de ensino. A manifestação contou com a presença de mais de 50 reitores e reitoras de IES (instituições de ensino superior) federais de Norte a Sul do país, entre os quais o reitor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Marcus David. A Andifes, aliás, é uma das 45 entidades que compõem o pleno do FNPE (Fórum Nacional Popular de Educação), organizador da Conape.

O ato não teve o resultado esperado. O primeiro anúncio do governo, em maio, foi de um bloqueio de 14,5% da verba de custeio e investimento das universidades federais. Depois, foram bloqueados “apenas” 7,2%. Dois dias após o ato no Congresso, contudo, o Ministério da Economia editou portarias convertendo, de vez, o bloqueio dos recursos em corte. E as IES perderam cerca de R$ 650 milhões no orçamento discricionário do mês de junho.


Menos pesquisa, menos emprego, menos direito à universidade

Por discricionário entenda-se que as verbas para as despesas obrigatórias estão mantidas, ou seja, os salários de servidores e aposentados. Todos os outros gastos das IES federais, contudo, são afetados, o que significa que pode — e vai — faltar dinheiro para as contas de água e de luz, para a compra de materiais, para a manutenção de equipamentos, para a conservação de prédios, para o custeio dos serviços terceirizados (limpeza, segurança etc.), para os programas mantidos pelas universidades, como bolsas de auxílio para estudantes e bolsas de pesquisas acadêmicas.

Corte de bolsas de pesquisa implica menos desenvolvimento científico — lembrando, para citar apenas um exemplo da importância da ciência, que as universidades federais contribuíram, e muito, para o combate à pandemia, pelo qual o governo federal pouco fez.

Sobre isso, em 29 de junho, mesmo dia em que seu presidente concedeu esta entrevista a O Pharol, a Andifes divulgou, junto com o Sou Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência), da Unifesp – Universidade Federal de São Paulo -, o painel “Universidades federais em defesa da vida”, sobre a atuação das instituições na pandemia de covid-19.

Só em Juiz de Fora, Marcus David destacou a O Pharol o papel crucial do Hospital Universitário, o desenvolvimento de testes, a modelagem epidemiológica, a produção de máscaras, face shield e álcool gel. Tudo feito dentro da UFJF, além do termo de cooperação entre a UFJF e a Prefeitura de Juiz de Fora, assinado pelo reitor e pelo então prefeito Antônio Almas, em que a universidade se comprometeu a colaborar com o poder público municipal nas ações para o enfrentamento à covid-19.

“A cidade esteve bem conduzida na prefeitura, tanto pelo Antônio Almas quanto pela Margarida, mas, sem a universidade, com certeza teria sido muito mais difícil.”

Por sua vez, corte de auxílio representa exclusão do direito de cursar o ensino superior. “Cada redução prejudica a formação. E o impacto sobre as bolsas de assistência estudantil pode significar alunos fora da universidade”, lamentou o reitor.

Já corte de serviços terceirizados traduz-se em desemprego. “Fizemos uma reunião do Conselho Superior, um momento muito difícil, analisamos todo esse cenário e projetamos que as estratégias desse segundo semestre ainda iríamos definir. O Conselho já tinha deliberado para este ano uma redução de 53 postos de trabalho de trabalhadores terceirizados”, informou.

“Quando o orçamento de 2022 foi aprovado já com o corte, vimos que teríamos que fazer esse ajuste, íamos demitir 53. Como estávamos lutando para haver uma suplementação, tomamos a decisão de adiar essas demissões, com a expectativa de talvez termos uma solução. Mas como, ao invés de melhorar, o orçamento piorou, confirmamos no Conselho essas demissões. Então, algumas demissões vão ocorrer”, lastimou.

“Agora, se vamos mexer em bolsa, qual vai ser o valor, se vai mexer em valor de bolsa, se vai mexer em outros cortes de terceirizados, essas discussões a gente ainda não deliberou sobre elas.”


Disposição de resistir

O fato de o reitor ainda não saber precisar quais demonstra cautela. E também pesar, porque, mesmo sem esse último ataque, com sequência de perdas infligidas à universidade desde 2016, com os governos Temer e Bolsonaro, a UFJF já projetava déficit de pouco mais de dois meses para este ano. Em outras palavras, antes mesmo dessa nova perda, o dinheiro acabaria em outubro.

Em entrevista coletiva há quase um mês, a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, cogitou suspender as atividades a partir de agosto, porque não há recursos para manter os campi da instituição. Nem sequer para pagar a conta de luz. Marcus David, no entanto, é veemente ao descartar a interrupção na UFJF.

“Até mesmo pelos critérios de distribuição interna de recursos, a UFRJ é muito penalizada. Então, ela já vinha vivendo uma crise muito severa. Mas as realidades das universidades são muito distintas. A grande maioria, ou quase totalidade das universidades, está projetando déficits para este ano. Acabei de dar o exemplo da UFJF: nosso déficit significaria um pouco mais de dois meses de funcionamento da instituição. Tem universidade que fala em três meses, tem a universidade que fala em um mês, então a realidade é muito diversa”, analisa o reitor da UFJF.

“Mas prevalece entre as universidades, e eu tenho certeza que na própria UFRJ, um desejo e uma disposição de resistir, de não fechar. Porque justamente interromper as funções seria a vitória daqueles que defendem que não precisa ter investimento em educação pública de qualidade, em ciências e tecnologia no país. Vou fazer de tudo para que as atividades da UFJF não sejam interrompidas, a não ser em última instância, se não houver outra saída. Interromper [as atividades] significaria que esse pensamento venceu.”


Projeto ideológico?

O corte nas universidades foi amplamente divulgado por diversos veículos de imprensa. Não teve o mesmo espaço, porém, a informação de que, três dias depois das portarias do Ministério da Economia, o MEC e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em 27 de junho, também assinaram portaria regulamentando a “Avaliação Externa Virtual in Loco no âmbito das visitas por comissões de especialistas para avaliação externa de Instituições de Educação Superior e cursos de graduação, no bojo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), e da avaliação das Escolas de Governo”.

Avaliação Externa In Loco é o nome que se dá à verificação das condições de oferta de ensino superior. Verificação realizada por comissões avaliadoras que visitam as IES para que cursos de graduação possam ser autorizados, reconhecidos, ter a renovação de reconhecimento conferida ou ainda a transformação de organização acadêmica, conforme decisão da Seres (Secretaria de Regulação e Supervisão da Regulação Superior). O acréscimo do adjetivo “virtual” tem finalidade óbvia: que a avaliação seja de forma remota. Nas palavras da portaria, “sem a necessidade da presença física dos avaliadores nas dependências da instituição avaliada”.

Apesar de a regulamentação ter acontecido agora, a Avaliação Externa Virtual in Loco já tinha sido autorizada pelo Inep no início do ano passado, tendo a pandemia como justificativa. Notícias sobre a prática, porém, foram divulgadas não exatamente pela imprensa, mas, sobretudo, pela Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior) — que tem, entre seus vice-presidentes, Daniel Faccini Castanho, da Ânima Educação, e José Janguiê Bezerra Diniz, da Ser Educacional, ambas companhias de capital aberto na bolsa de valores — e pela Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares), cuja presidenta é Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Sem falar que, durante a gestão de Abraham Weintraub à frente do MEC, a advogada Kathleen Ferrabotti Matos chegou a ser nomeada para a Diretoria de Supervisão da Seres, mesmo aparecendo como parte em processos recentes envolvendo a Kroton, o maior grupo de educação privada do país. A Seres é nada menos a subpasta do Ministério da Educação que cuida da autorização de novos cursos e da instauração de diligências no caso de resultados avaliativos abaixo do mínimo exigido para o funcionamento de um curso ou de uma instituição.

É possível traçar uma relação direta entre os interesses dos empresários do capital financeiro que estão atuando no setor privado de ensino com a questão do corte nas universidades públicas. A Avaliação Externa Virtual in Loco não dá conta, por exemplo, da necessária valorização dos aspectos identitários, culturais e institucionais caros às universidades e institutos federais, mas que passam ao largo dos fins das IES privadas de viés mercantil. Em contrapartida, os cortes nas instituições públicas vêm a serviço de acentuar precarizações e fragilidades estruturais.

Assim, o desmonte da universidade pública, que é, sem dúvida, um desmonte de fundo ideológico, é também um desmonte com finalidade econômica, que beneficia o setor financeiro que enxerga educação como mercado. Ou como mercadoria.

“Deixando o aspecto ideológico de lado e focando aqui apenas na questão econômica, há um grande projeto aí”, concordou Marcus David. “Há, obviamente, embora sejam minoria, instituições de ensino superior privada de excelência. Mas suas mensalidades são caríssimas. Mensalidades de 5 mil, 6 mil reais. Mais uma vez, é excludente.”

O reitor da UFJF lembrou ainda os outros planos econômicos do atual governo, como o fato de que os valores aprovados no orçamento federal de 2022, e que ainda estavam remanescentes para as universidades (o percentual de 3,6% dos seus orçamentos discricionários, que equivalia a aproximadamente R$ 220 milhões), foram redirecionados para o Proagro (Programa de Garantia de Atividade Agropecuária).

“O governo prioriza a produção de commodities em detrimento de investir em educação, ciência e tecnologia”, criticou. “Isso é um projeto. Ou a ausência total de um projeto.”

Um país de gado. Literalmente.

O Pharol conversou com o reitor da UFJF, Marcus David, sobre outros três pontos: o papel do CAEd no orçamento da universidade, as lições tiradas da pandemia e o campus avançado de governador Valadares. Confira:

O Pharol — Professor, qual que é o papel do CAEd na questão orçamentária e financeira da universidade?

Marcus David — Em primeiro lugar deixa eu falar do CAEd. O CAEd é um centro da universidade que atua na área de avaliação educacional, de políticas para a educação, de desenvolvimento de tecnologias para a educação. É um núcleo reconhecido hoje. Sem dúvida nenhuma, ele se coloca hoje como um dos três ou quatro maiores centros brasileiros de avaliação educacional, assim, comparativamente com a Cesgranrio, a FGV (que está entrando nesse setor), o Cebraspe lá da UnB… são os órgãos que têm hoje reconhecimento nacional nessa área. Então, do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista de projeto, é um projeto exitoso da universidade. Do ponto de vista orçamentário, acaba também tendo um papel muito importante porque como ele, em função desse reconhecimento que tem, realiza muitos trabalhos de avaliações educacionais nos estados e também com o governo federal, isso gera receita.

A universidade tem regras de apropriação de parte dessa receita para a instituição como um todo. Então, uma parte dos recursos gerados é utilizada no próprio projeto e uma parte é transferida para a universidade a título de ressarcimento pelos usos de instalação e de capital intelectual da universidade. Isso acaba contribuindo bastante para nossa estrutura orçamentária.

Mas sofremos também por conta da pandemia. Em 2020 e 2021, não teve avaliações educacionais, porque estávamos sem aula, e os estados, obviamente, suspenderam. O CAEd até desenvolveu, pela carência dos estados, algumas alternativas tecnológicas de ensino, trabalhou com algumas coisas, mas muito aquém do que ele atuava na área de avaliação. Agora os projetos estão retomando, acredito, em 2022. Ainda não tenho esse número exato porque as avaliações são feitas no segundo semestre, normalmente. Elas devem ocorrer agora.

O Pharol — Já é possível fazer uma avaliação do ensino remoto e híbrido adotado durante esse período da pandemia e como é que está acontecendo o retorno agora ao presencial?

Marcus David — Fizemos avaliações durante os três ou quatro semestres, dependendo do curso, feitos no modelo remoto. Temos resultados que indicam algumas coisas muito importantes.

Um segmento dos nossos estudantes se adaptou bem ao modelo do ensino remoto, e diria que até lamentou seu fim. Vou dar o exemplo de um trabalhador que trabalha o dia todo e que vem à noite estudar na universidade. Ele descobriu que poderia não ter a necessidade de vir toda noite e ficar quatro horas na universidade assistindo aula, que poderia receber o material e ter aulas algumas síncronas, outras assíncronas, que poderia estudar o material quando fosse mais apropriado para ele, no final de semana, e que não teria todo o esforço de sair correndo do trabalho, vir para a aula, sair da aula tarde, volta para casa, no outro dia acordar cedo para trabalhar… Então, teve um público que aderiu, gostou e lamentou a interrupção.

Por outro lado, também temos um perfil de estudantes, que são jovens, que fazem cursos diurnos e que se envolvem em vários projetos da universidade. Para esse estudante, a experiência remota foi ruim. Ele não participou mais do grupo de pesquisa, não estava mais envolvido no projeto de extensão, não estava envolvido com a turma, com as atividades de movimento acadêmico… Então, outro segmento dos nossos estudantes estava absolutamente desesperado pelo retorno presencial.

Isso me faz concluir que vamos ter que ter muita sabedoria agora para tentar nos apropriar de legados do ensino remoto. O que é que podemos aproveitar dessa experiência e transformar em algo perene? É possível pensar em alguns modelos híbridos. Vou dar um exemplo: a Andifes fez um programa que chamamos de “Promover a Andifes”. Como todas as universidades estavam oferecendo disciplina remota, o aluno de uma universidade podia se matricular na outra universidade, porque não teria mais o problema da mobilidade. Começamos com uma experiência piloto com quatro universidades, depois pulou para 12, depois pulou para 18, porque ninguém sabia quanto tempo iria durar a pandemia. E aí, agora, somos cobrados pelos alunos que querem continuar a experiência. Um aluno da Bahia que fez uma disciplina no Paraná quer ter essa experiência de novo, quer agora fazer uma disciplina no Acre! O que vamos fazer? Não temos mais o produto, não temos mais o conteúdo, porque as disciplinas não são mais remotas.

Desenvolvemos o mecanismo, porque, quando começou isso, precisaríamos de um sistema para gerenciar. Mas, assim que o sistema ficou pronto, a gente já estava com aula presencial. Hoje nós temos um ótimo mecanismo, que funcionaria como um grande… Você imagina eu poder chegar para me matricular na disciplina que eu quiser de qualquer universidade federal no Brasil?

A pandemia nos ensinou que temos possibilidades, temos oportunidades. Vamos ter que ver como lidar com elas.

O Pharol — Qual que é a situação do processo de emancipação do campus avançado de Governador Valadares?

Marcus David — Esse tema já surgiu algumas vezes numa história recente, não apenas neste governo. Outros deputados da outra legislatura já se movimentaram. O que acontece? A implantação do campus de Governador Valadares, diremos assim, apresentou vários problemas. Até hoje nós não temos um campus construído lá por conta de problemas que teve na época com a obra, a obra paralisada, judicializada, ações de todos os órgãos de controle, Ministério Público, TCU, CGU, uma grande confusão que paralisou tudo aquilo. Então, até hoje, o campus funciona todo por aluguel. Agora que vamos entregar dois prédios. Um vai ser entregue nesses próximos meses, outro deve ser logo no início do próximo ano. E aí algumas atividades, mas não todas, já vão poder ter algum espaço próprio da universidade.

Como ele foi caracterizado sempre por muito problema de infraestrutura, era natural uma insatisfação muito grande daquela comunidade com tudo o que ocorria. Em alguns momentos, a interpretação era de que o problema se resolveria com a emancipação. Acho que são coisas distintas, não há uma relação direta, mas acho absolutamente legítimo que a comunidade — mas principalmente a comunidade extra universidade, políticos locais, prefeitura — se interessasse em não ter lá uma UFJF, mas sim uma UFGV.

Como é que se dá um processo como esse? Primeiro, é uma decisão governamental. Pode ser aprovada uma lei e baixado um decreto, porque a lei autoriza e o presidente decreta aquela ação. Pode ser feito tudo à revelia da universidade, basta um deputado conseguir apresentar um projeto e ser aprovado e o presidente decidir baixar um decreto, criar a universidade. Não importa o que a UFJF acha, a universidade seria criada. Então, é uma decisão externa. Muito difícil. Acho isso muito difícil. Estamos discutindo que a política de governo não é uma política de investimento de ampliação do sistema de educação pública superior…

O Pharol — Portanto, não de criar uma nova universidade.

Marcus David — De criar mais uma universidade, com mais gasto, mais… Particularmente, acho muito difícil. Mas também tem os interesses políticos. Um grupo de parlamentares se une e faz algum tipo de pressão. E o governo pode ceder por algum interesse, não como uma política do governo, mas talvez por uma pressão desse tipo pode ser que até ocorra.

Internamente, desde o primeiro momento que essa notícia surgiu, o Conselho Superior se reuniu e solicitou que a comunidade do campus de Governador Valadares nos apresentasse uma metodologia de como é que eles iriam debater esse tema e como é que eles iam deliberar da forma mais participativa e democrática possível. Porque também não é consensual na comunidade, tem gente que acha que tem que separar e tem gente que acha que não tem que separar.

O que o Conselho Superior demandou deles? Queremos que vocês nos apresentem como é que vai ser feita essa discussão, esse debate, e como é que vocês vão deliberar através de uma consulta à comunidade. Eles enviaram isso no final do ano passado, em dezembro. O Conselho Superior aprovou a metodologia e retornou para que eles fizessem isso. Teve lá alguns problemas aí nesses retornos de atividades presenciais que retardou um pouco. Avalio que, no dia que eles deliberarem, o Conselho Superior vai respeitar essa decisão e vamos enviar uma correspondência ao Ministério da Educação falando o seguinte: a Universidade Federal de Juiz de Fora concorda ou não com a emancipação.

Na minha avaliação, pela tendência que eu vejo, eu acho que é uma maioria. Posso estar enganado, mas vou aguardar a avaliação. Mas acho que é uma maioria, pelo menos os que conversam comigo, que deseja a emancipação. Então, se eles se manifestarem, fizerem uma consulta e assim o desejarem, acho que a tendência do Conselho Superior é respeitar e enviar. Isso não muda nada, continuamos dependendo de o governo federal decidir criar uma universidade.

Fora isso, sabe como é, deputado põe lá um projeto de lei e anuncia, vota numa comissão que é uma comissão do aceite do projeto de lei, fala ‘estamos caminhando, aprovamos na primeira etapa’… Ainda mais em ano eleitoral.

Este ano teve um movimento mais forte, porque parecia que sairia um projeto de lei do governo. O governo estudou dez possibilidades de criação de novas universidades e uma foi aquela. Da dez, o governo mandou cinco e não mandou a de Governador Valadares. A justificativa que o Ministério da Educação me deu é que eles priorizaram estados com menos universidades, Minas tem 11 universidades federais, então eles entendiam que não era justificável aqui.

Mas você não imagina a mobilização que fizeram os deputados. Levaram o ministro lá, o antigo ministro, mas o ministro chegou lá e repetiu o discurso que estou te fazendo. Falou: ‘olha, em primeiro lugar, preciso receber uma correspondência da universidade me falando se está de acordo ou não’. Porque ele fez uma sem ouvir a universidade e apanhou muito, no Espírito Santo. No projeto das cinco universidades estava a criação de uma Universidade do Sul do Espírito Santo.

O Pharol — Qual dos ex-ministros?

Marcus David — O último ex-ministro, o pastor [Milton Ribeiro]. Ele colocou no projeto e anunciou na Câmara sem falar com a Universidade Federal do Espírito Santo que estava criando outra universidade, desmembrando-a. A grande maioria, inclusive do campus que estava sendo separado, não queria. Tem uma explicação: quem está envolvido no mundo acadêmico prefere estar vinculado a uma universidade que tem mais de 60 anos do que você receber um diploma de uma universidade recém-criada, que ninguém nunca ouviu falar. Então, tem uma parcela da comunidade acadêmica que luta contra, e lá no Espírito Santo também. O Espírito Santo é um estado desse tamanho…

O Pharol — É, não tem nem a distância geográfica de Juiz de Fora e Governador Valadares.

Marcus David — Não tem distância, em duas horas você vai desse campus à sede. Aí os parlamentares do Espírito Santo entraram contra e o ministro falou: ‘olha, não vou mais fazer isso se eu não tiver ofício do reitor’.

Alguns deputados de lá me falaram que precisa de um ofício meu. Eu falo: ‘deputado, eu assino o ofício assim que cumprir esses trâmites’ e explico para eles como são os trâmites. Estamos aguardando isso. É da tradição da universidade, a gente pode até demorar a tomar a decisão, mas, quando toma a decisão, é uma decisão que a comunidade aceita. Acho que vai ocorrer, só não sei te falar quando, se é o ano que vem, ou se é daqui dez anos ou 15 anos.


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