Publicado em 07/07/2022 - 08:01 / Clipado em 08/07/2022 - 08:01
Governo federal desviou R$ 35 bilhões do investimento em ciência e tecnologia em 10 anos
Ao menos 21 órgãos de pesquisa mais importantes do país têm um orçamento que vem caindo ao longo dos anos. País está retrocedendo, alerta o SoU_Ciência
Quase R$ 35 bilhões deixaram de ser destinados para as políticas de ciência e tecnologia no Brasil entre 2010 e 2021, é o que revela o levantamento “Para onde foi o dinheiro do FNDCT?”, que analisou o desvio de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para outras finalidades pelo governo federal durante o período.
O levantamento faz parte do painel “O Financiamento da Ciência e Tecnologia no Brasil” com dados sobre as universidades públicas e institutos de pesquisas, responsáveis por grande parte da ciência brasileira, do Centro de Estudos de Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Ciência), da UNIFESP junto ao Instituto Serrapilheira, e foi divulgado nesta quinta-feira (7).
De acordo com a coordenadora do SoU_Ciência, Soraya Smaili, o levantamento teve como objetivo analisar os benefícios, os limites e os equívocos da política de expansão e de financiamento da educação superior brasileira e de ciência e tecnologia, desde o fim da década de 1980 até o ano de 2020, além de propor medidas necessárias para um novo ciclo consistente de crescimento, comprometido com as necessidades do desenvolvimento democrático, sustentável e inclusivo do país e de sua população.
Ao menos 21 órgãos de pesquisa mais importantes do país têm um orçamento que vem caindo ao longo dos anos. Na análise constatada do SoU_Ciência, a maioria teve redução de investimento a partir de 2013. Entre as exceções está a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que recebeu um aporte maior nos anos de 2020 e 2021, por causa da produção de vacinas para Covid-19.
“São 21 órgãos. Desses 21, 19 tiveram queda nos recursos recebidos do Governo Federal nos últimos quatro anos. Mas FNDCT, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), MCTI, entre outros, todos tiveram queda no orçamento no repasse dos últimos quatro anos”, disse à Hora do Povo, a fundadora do movimento Cientistas Engajados e uma das responsáveis pela pesquisa, Dra. Mariana Moura.
Mariana ressaltou ainda que o estudo foi muito aprofundado, afirmando os pontos que precisam ser mudados para que a ciência e a tecnologia no país sobrevivam.
“Nós conseguimos rastrear o dinheiro do FNDCT dos últimos 11 anos até um ponto em que esse dinheiro chegou a ser depositado na conta da financiadora, da FINEP que é quem gerencia esse recurso e foi retirado dessa conta. Então foi um estudo muito aprofundado especificamente sobre o FNDCT e foram feitos levantamentos também das unidades orçamentárias de ciência e tecnologia, qual o repasse para essas unidades nos últimos 20 anos e das universidades federais e das fundações de apoio à pesquisa, que é o que tem segurado a ciência no Brasil nos últimos anos”, disse.
“Até no financiamento federal, o repasse federal tem sido minimizado pelos aportes crescentes das fundações de apoio estaduais. É isso que tem segurado, mas as fundações de apoio estaduais estão inclusive agora mais ameaçadas com a redução do ICMS, porque a maior parte delas recebe recurso dos governos estaduais, com um percentual da arrecadação do próprio ICMS”, continuou.
De acordo com dados da FINEP apresentados no painel, a arrecadação em valores nominais do FNDCT entre 2010 e 2021 totalizou mais de R$ 64 bilhões (R$ 64.642.196.803,08). Mas, no mesmo período, também em valores correntes, foram efetivamente desembolsados (PAGO + RAP PAGO) somente R$ 29 bilhões (R$ 29.754.617.789,39).
O estudo questiona então onde foram parar esses recursos que não foram investidos ao longo do tempo. “A EC 109/2021, em seu Art. 5º, permitiu ao governo federal utilizar os saldos de todos os fundos públicos, mesmo que com destinação específica, para amortização da dívida pública. Isto, na prática, significou que, mesmo com a aprovação da LC 177/2021, que transforma o FNDCT em fundo financeiro e proíbe seu contingenciamento, todo o saldo anterior acumulado entre 2010 e 2020 que ultrapassa o montante de R$ 26 bilhões, que havia sido depositado na conta da FINEP logo após a promulgação da Lei, fosse em seguida retirado desta conta, com exceção de cerca de R$ 3 bilhões referentes à arrecadação da CIDE que estão sob judice.
Pessoas estão deixando de fazer ciência
“Eu costumo dizer que nós estamos perdendo um tesouro. São pessoas que estão deixando de fazer ciência, são pesquisas que não estão sendo feitas ou que estão sendo feitas de maneira muito lenta e isso faz com que nós estejamos retrocedendo”, ressaltou a Dra. Soraya Smaili, responsável pela pesquisa.
Apenas o INEP teve uma elevação de mais de 1000% no orçamento liquidado entre 2000 e 2014 decorridos em consequência do ENEM, mas a partir do mesmo ano, o investimento caiu em 70%. Com a análise do período de 2018 a 2021, foi o INEP que mais perdeu o investimento. Passando dos 50%.
Da mesma forma, os dados da pesquisa também demonstram uma queda de orçamento da Embrapa. O órgão é responsável por desenvolver tecnologia de agricultura e pecuária, garantindo que o Brasil tenha segurança alimentar e uma posição de destaque no mercado internacional de alimentos, fibras e energia.
A Embrapa, por exemplo, produziu dois novos cultivadores que pretendem acelerar a produção de trigo no país e fazer com que o Brasil se torne autossuficiente na produção de trigo. Mas projetos como esse estão em risco, porque desde 2018, o investimento na instituição caiu 17%.
“Quem está no centro urbano acha que a Embrapa é uma coisa que está muito longe da gente. Mas a Embrapa trabalha não só produzindo tecnologia para grandes plantações ou para exportação, mas também para pequenos produtores. Esse tipo de redução no repasse é muito grave”, disse Mariana.
O IBGE, que teve picos de orçamento entre 2000 e 2010, apresentou redução de 25% entre 2017 e 2021. No ano passado, por exemplo, o Censo foi suspenso depois do IBGE ter informado que a verba separada pelo governo estava R$ 300 milhões abaixo do mínimo necessário.
O CNPq, que fomenta pesquisa científica e tecnológica, também apresentou queda no orçamento liquidado de 65% entre 2013 a 2021. Já a CAPES, que concede bolsas a cursos de mestrado e doutorado, recebeu R$ 10 bilhões em 2015. No ano passado esse valor não chegou a R$ 4 bilhões.
“Nós temos uma capacidade muito grande e se nós não tivermos essa recuperação nos orçamentos, nós certamente vamos perder um tempo que já estamos perdendo e estamos perdendo o nosso maior tesouro que é a produção de conhecimento para o desenvolvimento do país”, continuou Soraya.
Uma das reduções mais sentidas pela população foi a redução no investimento das Universidades Públicas, que chegou a 96% de 2015 a 2021. Em 2011, por exemplo, o investimento era de R$ 4,4 bilhões e em 2021, esse número passou para R$ 35,4 milhões. Esse dinheiro é destinado especificamente para construção, para reformas e também para a compra de equipamentos e livros, ou seja, o material permanente. Esse valor tem que ser dividido para as 69 universidades federais do país.
O painel “O Financiamento da Ciência e Tecnologia no Brasil” foi coordenado por Soraya Smaili e pelas pesquisadoras da Unifesp Maria Angélica Minhoto e Gabriela DeBrèlaz, o levantamento contou com contribuição do pesquisador Elbert Macau e apoio de pesquisadores associados e especialistas de instituições parceiras do SoU_Ciência, como os professores Nelson Amaral (UFG), Débora Foguel e Carlos Bielschowsky (UFRJ), Odir Dellagostin (UFPEL e Confap), além de pesquisadores do próprio centro, entre eles, Mariana Moura, fundadora do Movimento Cientistas Engajados.
Veículo: Online -> Site -> Site Hora do Povo