Publicado em 14/01/2022 - 14:24 / Clipado em 14/01/2022 - 14:24
Opinião – Sou Ciência: Onda pró-ciência freia avanço do negacionismo no Brasil #politica
Radialista Rodrigo Pessoa
Contra expectativas e previsões, mais uma vez o Brasil surpreende. Nos últimos dois anos, a população brasileira vive um boom no interesse pela ciência, causado pela pandemia e seus efeitos. Embora sejamos uma sociedade desigual e apenas 5% da população tenha concluído o ensino superior, a maioria apoia e quer saber mais sobre ciência. A eleição presidencial de 2018 foi combustível para a indústria notícias falsas e deu força a discursos que negam ou distorcem a realidade e as evidências científicas e históricas. Naquele momento, parecia que estávamos entrando em um período de obscurantismo.
Mas a história virou, diante da tragédia imposta pela gestão do governo federal no enfrentamento ao coronavírus, a mobilização foi no sentido contrário. A sociedade brasileira, em sua maioria, reagiu ao negacionismo, movida pela necessidade de combater a pandemia, buscar informações confiáveis e defender a vida. Com a ajuda de cientistas, mídia e movimentos da vida, temos visto um crescente interesse pela ciência, universidades e institutos que produzem conhecimento.
Foi neste contexto que criámos o SoU_Ciência. Um centro que reúne pesquisadores e cujas atividades visam dialogar com a sociedade sobre política científica e de ensino superior, especialmente sobre o que fazem as universidades públicas, que no Brasil são responsáveis por mais de 90% da produção de conhecimento e abrigam 8 em cada 10 pesquisadores em nosso país (). Em um curto período de atuação, realizamos pesquisas de opinião pública, em parceria com o instituto Ideia Big Data, além de análises de mídias sociais, grupos focais e notícias. Constatamos que o Brasil tem 94,5% da população a favor da vacinação contra a Covid-19, e que a campanha antivacinação liderada pelo próprio presidente tem apoio de apenas 5,5%. O que diferencia nosso país dos países da Europa e dos EUA, onde os movimentos antivacinas são muito maiores, ainda podemos estudar. Certamente, a tradição em vacinações obtidas pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), além do Sistema Único de Saúde (SUS), são fatores determinantes.
Em nossas pesquisas de opinião pública, 72% da população disse que seu interesse pela ciência aumentou com a pandemia. Isso fez com que 69,7% dos entrevistados declarassem ter “muito interesse pela ciência” e apenas 2,2%, “nenhum interesse”. Entre os evangélicos e os que consideram o governo ótimo/bom, o alto interesse pela ciência também é expressivo: 63% e 62% respectivamente. Além disso, 32,1% da população declarou ter o hábito de pesquisar em sites, blogs e canais de universidades e institutos de pesquisa em busca de informações confiáveis e, surpreendentemente, 40% gostariam de ler artigos científicos. Comparativamente, apenas 8,8% dizem confiar no que Bolsonaro diz sobre a pandemia, em um claro distanciamento da população do presidente eleito em 2018.
A busca por informações confiáveis na pandemia levou a um fortalecimento do ecossistema que envolve universidades, instituições de pesquisa e cientistas em sua capacidade de comunicar e divulgar ciência, com espaço ampliado na mídia. Dois fenômenos merecem destaque. Primeiro, a competência que os cientistas tinham para comunicar e alertar sobre o novo coronavírus e seus efeitos, por meio de redes sociais como Twitter e canais do YouTube, monitorados pela Science Pulse. do Núcleo e IBPAD com apoio da Fundação Serrapilheira. Além disso, muitos cientistas começaram a falar com a grande mídia, que por sua vez expandiu suas sessões de ciência e saúde e deu espaço para novos colunistas da área. Houve um rápido aprendizado e uma maior mobilização dos cientistas para utilizar diferentes meios de comunicação.
O segundo fenômeno decorre do grande interesse da mídia e de grande parte da população pelos estudos clínicos das diversas vacinas que estavam sendo desenvolvidas em tempo recorde. Os estudos geraram grande audiência e expectativa. As universidades públicas, como a USP e a Unifesp, que coordenaram estudos sobre as duas primeiras vacinas licenciadas no país, ganharam enorme destaque. O Instituto Butantan e a Fiocruz, além da pesquisa, ficaram mais conhecidos por suas pesquisas e produção de imunizantes.
Diante de todos esses elementos, parece-nos que, 120 anos após a Revolta da Vacina, a revolta está ocorrendo agora contra um governo que se recusou a comprar vacinas para sua população e propôs falsas alternativas, como apontou a CPI da Pandemia. A revolta em 2021, diante do enorme contingente a favor da vacina e em defesa da ciência, foi direcionada contra o governo federal e faz a popularidade do presidente derreter, passando a aprovação (ótima/boa) de 37%, em dezembro de 2020, para 22% em dezembro de 2021, segundo o Datafolha; enquanto a rejeição (ruim/muito ruim) passou de 32% para 53% no mesmo período. Entre os fatores por trás dessa virada de popularidade no “ano da vacina” estava o contínuo embate presidencial contra a ciência, desde a negação dos benefícios da vacina e a distorção de dados. Isso está acontecendo de novo agora, na batalha da vacinação infantil e na fraca reação contra a variante Ômicron. Sem dúvida, em 2021 a maior oposição a Bolsonaro veio da conscientização por meio da ciência e da aproximação dos cientistas com a sociedade, a mídia e as redes sociais.
Tentando reagir a esse embate, o governo federal recrutou alguns médicos e outros apoiadores para contrapor e distorcer dados científicos, criando novas interpretações fantasiosas. E atuou e continua atuando pelo desmantelamento acelerado do sistema de ciência e pesquisa no Brasil, com ataques ao CNPq, CAPES e Finep, e cortes orçamentários brutais, cuja dimensão e impacto serão discutidos em outros artigos deste blog. Esses ataques não foram reproduzidos na opinião pública, pois uma pesquisa da SoU_Ciência mostrou que apenas 9% da população apoiou os cortes impostos.
Enfrentamos um grande desafio: consolidar a onda pró-ciência, para além da pandemia, e para isso é preciso recuperar o sistema nacional de ciência e pesquisa, com a efetiva recomposição de seu financiamento. Estamos diante da oportunidade de alcançar um novo patamar na relação sociedade-ciência com a formulação de políticas públicas baseadas em evidências científicas. Para isso, buscamos uma “alfabetização científica” que colabore no combate às fake news e amplie a capacidade da população de tomar decisões racionais e fundamentadas. Os sinais são de esperança, mas nos pedem atenção e muito trabalho. A criação do Centro SoU_Ciência, que terá voz neste blog, faz parte desse momento e pretende colaborar para fortalecer as conexões com a sociedade, na defesa da democracia e na garantia de direitos para um novo momento da história do nosso país.
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