Publicado em 20/11/2022 - 09:15 / Clipado em 21/11/2022 - 09:15
Dia da Consciência Negra: força cristaliza conquista por direitos
Entenda quais foram as principais conquistas e os desafios da população afro-brasileira a serem transformados no País
Por Dione AS
Desde a década de 70, que a expressão “Consciência negra” foi conquistando espaço. Mas essa ascensão ocorreu em função de uma série de manifestações sociais promovidas por movimentos em prol da igualdade racial. A expressão coincide numa maneira de recordar todos os ancestrais que fizeram parte da cultura de origem africana e memoravelmente celebrados neste domingo, 20 de novembro.
Para entender diferentes esferas que norteiam a população negra do País, tão importante para o desenvolvimento cultural, social, jurídico e político-econômico brasileiro, o DIÁRIO DO COMÉRCIO traz nesta semana reportagens para entender os símbolos de luta, de resistência e a consciência de valor.
No Brasil, 56,1% de toda a população se autodeclaram pretos, que, juntos aos pardos, compõem a parcela social com situações de maior vulnerabilidade e informalidade trabalhista e elevado índice de analfabetismo e mortalidade.
Num País cuja metade da população é negra, infelizmente é comum se deparar com uma realidade injusta e marcada por preconceitos. No entanto, aos poucos, mas com persistência e força, os movimentos de luta pela igualdade racial vão trazendo dignidade a essas pessoas, conforme destaca o mestre em Direitos Humanos e professor de Direito na Universidade São Judas Tadeu, Thiago Pellegrini Valverde. “Nós temos um conjunto de leis no Brasil que foram aprovadas no Congresso Nacional e que são frutos desse trabalho de pressão e de força dos próprios movimentos negros”.
O especialista avalia que o movimento tem atuado democraticamente, levando ao Congresso propostas de pautas para a discussão, que consequentemente são avaliadas para se transformarem em leis. À medida que essas ações vão se intensificando pelo País, as sanções possibilitam uma certa melhora na situação da população preta em todo o Brasil.
Há três décadas…
Segundo ele, as ações de pressão são fundamentais, ainda que estejam muito longe do ideal. “Certamente a legislação que abre essa possibilidade, que nós chamamos de Lei de Racismo, a 7.716 de 1989, que vai compreender os crimes de racismo no País. Essa lei vai descrever as práticas de racismo, prevendo uma punição para quem discriminar alguém em virtude da sua cor de pele ou de sua raça. Quando falamos em raça, é um conceito muito mais político, cultural e econômico do que propriamente biológico nesse cenário. Ela (a lei) que vai finalmente dizer se a discriminação, seja ocorrida em ambiente público ou privado, se configura em crime. Esse é o primeiro grande marco legislativo deste contexto no País”, enfatiza Valverde.
Para o especialista, a Lei de Racismo vem muito depois de um mandamento constitucional que estipula que o racismo é crime inafiançável e imprescritível. E muito também em virtude do que foi definido na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948, de que os estados membros da ONU iriam se engajar no combate ao racismo. Então, segundo o mestre em Direitos Humanos, a lei vem para garantir o comprometimento do Estado brasileiro no combate ao racismo.
Uma outra legislação muito importante que entrou em vigor no País, e existe desde 2010, é o Estatuto da Igualdade Racial. Segundo o próprio estatuto, uma das medidas aos povos afro-brasileiros é de viabilizar, por exemplo, o direito à terra. Desta forma, as pessoas que estivessem em áreas remanescentes aos povos quilombolas teriam acesso ao certificado de propriedade, garantindo mais dignidade.
Mas será que essas conquistas legislativas trouxeram resultados práticos positivos ou negativos? A pós-doutora em Direito Constitucional e docente em Processo nas Cortes Superiores da Faculdade Mackenzie Brasília, Ana Lúcia, explica que há pontos a serem observados.
Cotas em instituições superiores de ensino
Segundo a professora da Faculdade Mackenzie Brasília, o Estatuto da Igualdade Racial, por exemplo, é uma política pública que vai sendo implementada aos poucos. “O estatuto vem desta política pública que resulta em atos normativos e atos legislativos com o objetivo de implementá-lo. Um desses atos normativos legislativos é justamente a Lei de Cotas no Ensino Superior. Essa lei tem sido amplamente estudada, mas foi muito criticada antes da sua edição”.
De acordo com Ana Lúcia, a Lei das Cotas se tornou um assunto muito polêmico por dois motivos: “O primeiro motivo está relacionado a uma vez que se admite a possibilidade de cotas ou de reserva de vagas, de modo que esses candidatos vão disputar entre si uma condição diferenciada em relação às demais, vai haver uma diminuição no rendimento dos alunos e no rendimento da universidade. Já o segundo motivo está ligado à questão da autodeclaração ou hetero-declaração do afrodescendente”.
A docente explica que essa segunda crítica em torno da Lei de Cotas se discutia e se discute ainda em uma banca que define se uma pessoa é afrodescendente ou não, e a hetero-declaração consiste na afirmação do próprio candidato no sentido de ser afrodescendente. Cada universidade regula essa questão de uma forma diferente. “O relatório técnico de 2021, elaborado pelo Centro de Estudo Sou Ciência, da Universidade Federal de São Paulo, mostra que, ao invés de ter havido uma diminuição expressiva do desempenho, houve um aumento do desempenho das cotas”, diz.
O racismo estrutural
No cenário jurídico, político e constitucional brasileiro, Thiago Valverde acrescenta que há muitos passos a serem tomados no País, sobretudo em relação ao combate sério frente ao racismo estrutural. “Infelizmente o racismo estrutural é um câncer na nossa sociedade e dele decorrem outras expressões do racismo. Um racismo recreativo, racismo institucional, racismo dentro das instituições brasileiras, governamentais, polícias, igrejas e a sociedade como todo. É preciso um combate que tem que ser feito a partir de um investimento maciço e pesado em educação. E isso deve ocorrer tanto pela educação formal, quanto pela educação informal”, observa.
A população afro-brasileira e os diferentes segmentos dos movimentos por ações afirmativas devem efetivamente participar de processos jurídicos na elaboração legislativa, conforme defende a professora Ana Lúcia. Para ela, apesar de existir a legislação, nada servirá se estiver prescrito somente numa folha de papel ou em arquivo digital.
“A legislação deve ser implementada na prática. Ela depende não só dos poderes constituídos, mas das pessoas, dos destinatários desses atos legais. As pessoas precisam reconhecer a importância dessa legislação. Por que ela existe? Por que há essa reserva de vagas no serviço público, nas universidades? Por que há um Estatuto da Igualdade Racial? Ora, porque não há, de fato, inclusão e reconhecimento dessa população na sociedade. Eles, onde estão eles? Eles estão nos principais cargos públicos e políticos? Eles estão ocupando posições no cenário social? Onde estão essas pessoas? Elas precisam ser envolvidas, reconhecidas e incluídas na sociedade. A condição prescreve a igualdade de todos”, conclui a especialista em Direito Constitucional.
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