
Publicado em 07/11/2022 - 07:26 / Clipado em 07/11/2022 - 07:26
Ensino religioso deve ser abrangente e sem conflitos, avalia professor da UFABC
Amanda Lemos
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a oferta da disciplina de religião é obrigatória nas escolas públicas que possuem ensino fundamental. No entanto, por ser optativo, são poucas as instituições que trabalham com abrangência o tema. O professor de filosofia da UFABC (Universidade Federal do ABC), Pedro Merlussi, diz que é importante trabalhar a questão na escola, desde que se respeite os diferentes credos para formar estudantes com visão autônoma.
Com PhD em Filosofia pela inglesa Durham University, o professor diz que até os dias atuais, não há uma única metodologia para ensinar o tema, e dificilmente haverá consenso entre os pesquisadores da área para apresentar uma única maneira correta a se fazer isso. “A filosofia da religião não ensina, dogmaticamente, a aceitar certa tese ou argumento, mas oferece as ferramentas necessárias para que o estudante tenha a própria visão sobre o assunto, como nas outras áreas da filosofia”, explica.
Porém, há um ponto crucial em comum às metodologias discutidas em sala de aula: a discussão crítica das teses e argumentos. Por exemplo, um dos tópicos centrais apontados pelo professor é definir o termo “religião”. Será que há algo em comum a todas as religiões? Será que é possível oferecer uma única definição que abrange todas existentes? Além disso, dentro do contexto das religiões teístas (como o Cristianismo e o Judaísmo), como discutir os principais manuais e argumentos em prol da existência de Deus?
Merlussi diz que não basta que o argumento seja apresentado acriticamente, como se não pudesse ser respondido. “Deve-se apresentá-lo concomitantemente às críticas que recebeu ao longo da história da filosofia, e os estudantes devem ser encorajados a exprimir o que eles próprios pensam sobre o argumento”, explica ao citar que uma ferramenta que pode ajudar na questão é a própria lógica, ensinada nos primeiros anos do curso de filosofia e que ajudam os estudantes a criarem suas próprias crenças.
Agendas políticas
Em outubro, perto do período eleitoral, um grupo religioso denominado Gideões distribuiu cópias do Novo Testamento em pelo menos uma escola municipal de Ribeirão Pires, a Professor Sebastião Vayego, no bairro Ouro Fino Paulista. A ação não foi vista com bons olhos por parte da população, que encarou a ação como manobra política para reverter em votos.
Sobre o caso, Merlussi avalia que a grande questão não é o conteúdo ensinado em sala de aula, mas como é transmitido aos estudantes. “Há uma grande diferença entre apresentar os livros do “novo testamento” como verdades estabelecidas e inquestionáveis e apresentá-los como fonte de inspiração para discussões entre estudantes sobre as grandes questões da humanidade”, afirma. Porém, o professor lembra que o Brasil é um Estado laico, e que portanto não se deve impor o ensino de uma única religião entre os estudantes, sem que haja abrangência para as demais crenças.
Discutir criticamente e com probidade seja o que for em ambiente de sala de aula é uma ação vista com bons olhos por mestres da filosofia, mas há agendas políticas e tentativas de agradar determinado eleitorado que acabam por usar religiões como meio a propagar interesses políticos. “Parece-me que a interferência é reversa, ou seja, são as questões políticas e eleitorais que acabam por afetar o que é ensinado nas escolas”, avalia o professor. “Mas a discussão crítica de temas da religião deveria ser importante em si, não deveria ser utilizada como meio para propósitos políticos”, salienta.
País laico
Das sete cidades questionadas, apenas São Bernardo respondeu de que forma aborda o assunto “religião” em sala de aula. Em nota, informa que o assunto é trabalhado com base na Base Nacional Comum Curricular e nos quatro pilares da Educação Para o Século XXI (Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Ser e Aprender a Conviver). “A educação pública é laica e são trabalhados valores universais em sala de aula, bem como os objetivos da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas, que visa formar cidadãos mais éticos e capazes de atuar com consciência e senso crítico na sociedade”.
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Seção: Educação