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 Site Repórter Diário - Santo André/SP

Publicado em 29/05/2022 - 07:59 / Clipado em 29/05/2022 - 07:59

ABC aposta no mercado Geek, setor movimenta R$ 20 bilhões por ano no Brasil



Amanda Sakumoto


A cultura geek ou nerd se popularizou nos últimos anos, em todo o mundo. Estima-se que somente o setor de licenciamento de produtos alcance R$ 20 bilhões por ano, no Brasil. Empreendedores do ABC aproveitam o momento de expansão para fortalecer a cultura e investir em eventos e vendas de produtos derivados de games, filmes, séries, animes, quadrinhos, música, roupas e objetos variados, e atendem a demanda da região.

Segundo o economista, Volney Aparecido de Gouveia, gestor adjunto da Escola de Negócios da USCS (Universidade de São Caetano), a popularização da cultura geek se deve principalmente ao avanço da internet. “É um mercado que tem se consolidado e veio para ficar. A pandemia também acelerou o processo de consumo de streams e jogos eletrônicos, durante o isolamento. As pessoas tiveram mais tempo para se envolver nessa cultura”, afirma. Segundo o economista, cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo consomem algum tipo de produto do setor geek.

Na região, a produtora Accros Entertainment realiza o Up!ABC, festival de cultura geek que em 2022 alcançou a 17ª edição. O evento movimenta milhares moradores de todo ABC, principalmente entre as faixas etárias de 11 a 30 anos, sendo 53% homens e 47% mulheres, conforme dados da empresa, levantados em 2019, ano do último evento presencial anterior à pandemia.

A retomada presencial do Up!ABC aconteceu em maio deste ano e o festival reuniu mais de 10 mil visitantes, no campus Barcelona da USCS, em São Caetano. “Começamos com a cultura asiática e abraçamos toda a cultura nerd. É um desafio, com a internet as têndencias chegam e passam muito rapidamente. A cada evento ficamos ligados às tendências, para trazer novidades e atrair o público”, afirma Attila Domenico Freni, diretor da Across.

Para Gouveia, a mobilização de visitantes que passaram pelo evento é a prova de que o mercado geek tem potencial e movimenta significativamente a economia. “Foi um exemplo de quanto esse mercado está em expansão. Foram 10 mil pessoas que participaram de um evento pago. O ingresso custava cerca de R$ 30. É um público cativo e muito fiel. O mercado econômico, bem como como as universidades, devem estar atentos a esse potencial”, afirma o economista. O evento reuniu fã clubes, artistas, dubladores, lojas, alimentação, cosplayers, entre outros.

O festival, realizado semestralmente, já tem data marcada para a segunda edição deste ano: dias 24 e 25 de setembro, com a expectativa de movimentar mais de 20 mil pessoas. Antes, a produtora realizará o Upinho, nos dias 30 e 31 de julho, na universidade Metodista, em São Bernardo. A versão menor do festival visa manter a proximidade com o público e estimular o consumo. “Existe um vínculo afetivo entre o evento e o público. É uma cultura apaixonante e é um público que me enche de orgulho, são pessoas tranquilas e que não dão problemas no evento. Sou muito feliz com meu trabalho”, diz Freni. “O UP! oferece um dia feliz, vai muito além de uma experiência”, afirma.

Entre um evento e outro, a produtora enfrenta o desafio de se conectar com o público e utiliza as redes sociais como principal ferramenta de monitoramento. “É por meio delas que acompanhamos os fãs e sabemos das tendências, o que está em alta e conseguimos pensar em quais novidades serão oferecidas na próxima edição. As redes sociais são fundamentais também para entender onde ocorreram falhas e o que podemos melhorar”, aponta Freni, à frente da empresa desde 2009.


Além dos eventos

A popularização da cultura geek, impulsionada nos últimos quatro anos, principalmente pelo mercado do cinema e streams, como os lançamentos de filmes de heróis –  Os Vingadores, da Marvel, ou Liga da Justiça, da DC Comics – e também por filmes e séries de ficção, à exemplo do Stranger Things, série da Netflix (que teve estreia da nova temporada na semana passada), aumentou o consumo por produtos temáticos, como roupas, acessórios e diversos outros objetos, os chamados colecionáveis.

Em Santo André, a loja Piticas é uma das franquias que ofertam produtos licenciados de divesos filmes, séries e games. “Saí do mundo corporativo, em que atuei mais de 25 anos e, em 2018, vi na franquia uma oportunidade de negócio. Não sou consumidora intensa do mundo geek, mas tenho funcionários que são muito ligados a esse universo e pecebo que os cliente são bens ativos e participativos com o conteúdo oferecido pela loja”, afirma Fabiana Lombarde, dona de uma franquia no shopping Santo André, na Oliveira Lima.

Mesmo com a fidelidade do consumidor geek, Fabiana observa que a pandemia trouxe reflexos negativos também ao setor. “Percebemos uma queda de 25% nas vendas, com relação ao ano passado. Ainda estamos na retomada econômica, investimos em vendas mais atraentes, promoções diretas nos pontos de venda e lançamentos a cada dois meses”, diz a empreendedora.

Moradora de São Caetano, a fotógrafa Karim Kahn, de 34 anos, está imersa na cultura geek desde criança e é consumidora de diversos produtos colecionáveis, a maioria relacionada a saga Star Wars. “Quando criança eu enfrentava dificuldade em obter esse tipo de produto. Sempre quis ter bonecos de heróis, mas era coisa de menino. Isso não existe mais e depois de adulta, eu comecei a comprar. Hoje gosto muito de funko pop, mas há uma variedade gigantesca de produtos”, afirma e enumera os itens que possui: bonecos, toalhas, roupas, chinelo até roupas íntimas e tatuagens da saga.

Por conta da alta dos preços e da crise econômica no período de ‘pós-pandemia’, Karim faz pesquisa de valores pela internet e aproveita promoções de lojas do setor, para economizar nas compras. “Penso muito antes de comprar algo hoje, não compro mensalmente ou separo parte do meu salário para isso. Quando vou em uma loja atualmente, compro quando tenho vontade ou quando algo me interessa, mas penso muito a respeito”, conta.


Jogos eletrônicos

Os games também fazem parte da cultura geek. Levantamento da Pesquisa Game Brasil (PGB) 2021 confirma que jogos passaram a ter uma importância maior com o isolamento, cerca de 46% dos entrevistados afirmam que jogaram mais no período. Morador de Ribeirão Pires, Murilo Rosa Moura, de 19 anos, aprofundou o gosto por games durante a pandemia e deu início à profissionalização. “Sempre foi meu sonho, consegui seguir o caminho profissional por dois anos. Por conta do isolamento social, pude me dedicar mais. Com o retorno das atividades presenciais, decidi dar uma pausa, mas planejo retornar, com certeza”, afirma.

Segundo dados da Game Brasil, cerca de 73,4% dos brasileiros consomem games e os jogos eletrônicos alcançaram US$ 123,3 bilhões no mundo todo em 2020. Apesar da expansão do setor, Gouveia considera que ainda há um contingente grande de pessoas que está fora desse mercado. “Os consoles e os jogos dessas platafomas são muito caros no Brasil, e estão fora da realidade da maioria dos nossos jovens. Por outro lado, o consumo de jogos eletrônicos pelo celular é mais democratizado, pela facilidade em ter um smartphone e opções de planos de internet”, aponta o economista.

A partir dessa análise é possível entender que faltam políticas públicas de melhorias na qualidade de vida e inserção desses jovens no mercado de trabalho, segundo Gouveia. “É um mercado com potencial, mas ainda esbarra na questão econômica desses jovens. Nesse momento, surge o desafio de incluir esse público no mercado de trabalho, bem como ofertar qualificação. As universidades também podem aproveitar esse mercado geek em crescimento, e pensar na oferta de cursos para o setor”, analisa.


Cultura geek como ferramenta educativa

Não apenas de produtos e consumo vive a cultura geek. O gestor de marketing e mestre em comunicação pela USCS, Evandro Gabriel Izidoro Merli, de 27 anos, realizou uma pesquisa para a dissertação de mestrado e analisou o uso de elementos geek para disseminar a divulgação científica entre jovens, com idades entre 15 e 18 anos, período em que se inicia a jornada para a vida acadêmica e profissional. “Utilizei o conceito de ‘nerdologia’, uma linguagem mais acessível, com uso de elementos ilustrativos e nas tendências, para atrair a atenção desse público aos temas ligados à ciência”, afirma.

Merli defende que ao utilizar o método, temas considerados mais difíceis e menos atrativos podem ser inseridos no meio adolescente. “Por exemplo, se vamos abordar como uma célula se regenera, talvez só isso não desperte a atenção. Mas, se eu perguntar ao jovem: Você quer entender como o Wolverine se regenera?, consigo trazer quem é fã do personagem ao assunto e relacionar fatos científicos com aquele mundo que ele gosta”, exemplifica.

A pesquisa partiu do interesse de Merli, que também lecionou língua inglesa à crianças e adolescentes, em criar ferramentas para se conectar com os alunos. “Hoje o geek ou nerd se tornou ‘cool’, com certeza por conta da internet, redes sociais, cinema e streams. O mercado percebeu essa tendência e hoje oferece produtos diversos e incentiva o consumo”, aponta o pesquisador e reforça que para utilizar a cultura geek como produto, seja comercial ou educativo, é preciso estar atento às tendências. “O consumidor hoje é imediatista, muito por conta da rapidez com que os streams e cinema oferecem novas produções. Antigamente, um produto de sucesso durava anos. Para assistir um filme era preciso alugar na locadora. Hoje é preciso ficar ligado nas tendências”, destaca.


Estilo de vida

Os geeks são unânimes ao dizer que a cultura nerd é apaixonante e é um estilo de vida. Karim conta que a preferência atrai amigos com o mesmo gosto. “Meu namorado também é geek, tenho muitos amigos que consomem essa cultura. Enfim, a gente acaba se aproximando de quem tem o mesmo gosto. Eu participo de muitos eventos temáticos como o Comic-Con, por exemplo. Sou apaixonada por esse universo”, afirma a fotógrafa.

Merli se considera geek e também é consumidor dessa cultura, outro fator que motivou a pesquisa de mestrado. “Ser geek ou nerd é um estilo de vida. Temos orgulho de usar a camiseta de um herói e mostrarmos para todos que seguimos essa cultura. Faz parte da nossa vida e influencia nossas escolhas. Tenho a meta de fazer um doutorado e pesquisar o quanto e como essa cultura nerd pode influenciar a vida de uma pessoa”, planeja.

Entre os mais imersos, a paixão vem desde a infância e, muitas vezes, sugere as escolhas de vida. “Eu tenho a oportunidade de trabalhar com aquilo que eu amo. Para ser mais assertivo é preciso pensar como o geek pensa, sentir o que ele sente. Eu comecei a gostar da cultura quando criança, principalmente por conta das influências asiáticas, sou descente de japoneses”, conta Freni.

À frente da Across Entertainment há 12 anos, Freni lutou para se manter no mercado. “A empresa passou por um período difícil. Eu não fundei a produtora, eu era da equipe de comunicação. Quando assumi a Across, foi após um evento em que ocorreu uma grande acidente, que gerou processos contra nós. Os antigos donos optaram por encerrar os trabalho. Eu adquiri a produtora porque acreditei no trabalho, queria e sabia que daria certo”, relembra.

O diretor explica que após a aquisição, foi preciso investir em metas e planejamento para superar as dificuldades. “O primeiro ano, em 2009, focamos sobrevivência, no ano seguinte o foco foi retomada e, em 2011, focamos no fortalecimento. Infelizmente, assim como o mundo todo, a pandemia em 2019, impediu a celebração de 15 anos do festival. Mas hoje temos novos desafios para nos religar com o público e voltar a nos encontrar pessoalmente”, diz.

A experiência com a produtora deu origem ao livro “O show está nos bastidores”, que será lançado por Freni, ainda em 2022. “O lançamento seria realizado na 15ª edição, mas com a pandemia e sem evento físico, somente o online, não tinha sentido. Nele não conto somente a história da empresa, mas também as principais iniciativas que deram certo, como quando investi nas redes sociais ainda no início dessas plataformas”, conta.

E apesar da popularização e da moda, os geeks ‘raízes’ defendem que todos são bem-vindos para participar desse universo. “Os nerds raízes, os mais imersos na cultura e há mais tempo, podem ser um pouco ciumentos, mas não é um ambiente hostil e não vejo a popularização como algo ruim. Fortalece a cultura e os seus adeptos”, avalia Merli.


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Seção: Cultura