
Publicado em 18/05/2022 - 21:00 / Clipado em 18/05/2022 - 21:00
Falta de remédio é principal problema para 25% dos hospitais privados de SP; veja os medicamentos
Um em cada quatro unidades particulares fala em escassez ou dificuldade para compra, segundo levantamento do sindicato; outros 30% reportam alta de preço dos itens
José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
Um em cada quatro (25%) hospitais privados do Estado de São Paulo diz que a falta ou dificuldade para compra de remédios é o principal problema enfrentado hoje, segundo pesquisa do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo (SindHosp), feita de 29 de abril a 12 de maio. Farmácias e centros médicos, públicos e particulares, têm relatado a escassez de medicamentos. Entre os motivos apontados, estão os sucessivos lockdowns na China e a guerra na Ucrânia, que afetaram a cadeia de fornecimento. A crise prejudica o trabalho dos profissionais de saúde e o atendimento de pacientes e leva até ao adiamento de cirurgias eletivas (não urgentes).
Outros 30% dos hospitais ouvidos pelo SindHosp relataram a alta de preços como principal problema. No total, foram ouvidos 76 unidades particulares – responsáveis por 1.518 leitos deUTI e 5.725 leitos clínicos – entrevistadas pela entidade. Conforme a pesquisa, só 14% dos hospitais não enfrentam problemas com estoque ou a aquisição de medicamentos.
Os itens em falta ou com estoque abaixo do nível de segurança mais citados são Dipirona (em 25% dos hospitais), Dramin B6 (18%) e Neostgmina (17%). Veja a lista completa de medicamentos em falta mais citados pelos hospitais ouvidos pelo SindHosp (entre aqueles centro médicos que relataram problemas para compra):
Dipirona (24,5%)
Dramin (18,4%)
Neostagmina (16,7%)
Soro (9,5%)
Imunoglobina (4,5%)
Aminoglicosídeos (3,3%)
Anestésicos em geral (3,3%)
Ocitocina (3,3%)
Celestone soluspan (0,6%)
Meetronisadol (0,6%)
Purisole (0,6%)
Soro fisiológico (0,6%)
Francisco Balestrin, presidente do SindHosp, diz que a falta de medicamentos, materiais e equipamentos de saúde ficou evidenciada desde o início da pandemia de covid-19 e defende a importância de definir a área da saúde como prioridade. Segundo ele, é preciso reduzir a dependência de matéria-prima externa para produção de fármacos.
Gestores do SUS falam em piora do cenário
A falta de medicamentos afeta também os hospitais municipais geridos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O problema acontece desde o fim do ano passado, mas se agravou nas últimas semanas, segundo o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado (Consems-SP). O órgão afirma que a situação já exigiu o adiamento de cirurgias e procedimentos. Levantamento do Cosems paulista apontou como causas a desorganização do sistema de produção depois da pandemia, falta de insumos, matéria-prima e embalagens, e aumento da demanda.
A região do ABC paulista é uma das que mais têm sofrido com o desabastecimento e a lista de remédios faltantes nos hospitais já ultrapassa 43 itens. Entre eles está o soro fisiológico, medicamento básico em hospitais. Secretária de Guararema, na Grande São Paulo, Adriana Martins aponta o cenário crítico diante da falta de soro de 500 ml.
O mesmo problema é relatado pela diretora do Hospital das Clínicas de Mauá, Adlin de Nazaré Santana Savino Veduato. "Além disso, não conseguimos adquirir outros medicamentos básicos. E quando encontramos, os valores são altos. Estamos restringindo bastante o uso de medicamentos e, se a falta de abastecimento permanecer, teremos problemas com procedimentos cirúrgicos", afirma.
Pacientes relatam dor e peregrinação em farmácias
Peregrinação por farmácias e postos de saúde e gastos fora dos planos, com remédios alternativos, entraram na rotina de pacientes de doenças crônicas, como Parkinson e lúpus, segundo mostrou o Estadão no início do mês. Vítimas do desabastecimento no setor farmacêutico, eles relatam dores e dificuldades para se locomover.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) confirmou a falta de medicamentos nos hospitais e nas farmácias, embora avalie que são problemas pontuais. Após relatos da falta de antibióticos em farmácias, o sindicato fez uma pesquisa entre as grandes empresas farmacêuticas associadas e apurou que a maioria está com produção e distribuição normal desse insumo, mas algumas delas relataram problemas pontuais. "Houve expressivo aumento atípico de demanda por determinados antibióticos no primeiro trimestre e isso desorganizou a cadeia de fornecimento ao varejo. Apesar dessa circunstância, a oferta é regular", disse.
Diante do aumento de demanda, as indústrias farmacêuticas consultadas informaram que estão adequando a produção para atender o mercado, segundo o Sindusfarma. "Nos hospitais, algumas indústrias farmacêuticas associadas ao Sindusfarma relataram problemas pontuais de fornecimento de alguns medicamentos de uso hospitalar, devido a instabilidades pontuais no suprimento de embalagens e de insumos farmacêuticos ativos (IFA) importados usados em sua composição. Paralelamente, há problemas relacionados à logística de aquisição da parte dos hospitais públicos", acrescentou.
Apesar dessas circunstâncias, as empresas fabricantes estão trabalhando para garantir a produção desses medicamentos no volume necessário para atender à demanda. O caso notório, segundo apurou o sindicato, é o da dipirona injetável, cujo fornecimento foi afetado principalmente porque seus custos de produção estão acima do preço de venda autorizado pelo governo. "Por causa de um controle de preços que vigora há 19 anos, ultrapassado e desconectado da realidade, os preços de inúmeros medicamentos tradicionais e confiáveis, de uso disseminado em clínicas e hospitais no país, ficaram defasados, enquanto subiam gradativamente os preços de IFAs (insumos farmacêuticos ativos), embalagens (frascos, vidros etc.) e outras matérias-primas importadas e cotadas em moeda forte", disse.
Ainda segundo o Sindusfarma, essa situação foi agravada com a pandemia, quando os preços internacionais de IFAs e logística explodiram, precipitando o problema atual, que já era grave e agora inviabiliza a produção de muitos medicamentos antigos, mas muito importantes para a saúde pública, como a dipirona injetável. "O fato é que o controle de preços vigente do país impede o ajuste necessário à continuidade da produção de produtos essenciais por parte de muitas indústrias farmacêuticas, sob pena de comprometer o equilíbrio financeiro dessas empresas e sua sobrevivência como geradoras de empregos, pagadoras de tributos (aliás, os mais altos do mundo) e promotoras de bem-estar", disse, defendendo que a regulação de preços dos medicamentos precisa ser modernizada urgentemente, "para evitar que, no futuro, novos e mais sérios problemas surjam, ameaçando a fabricação de outros medicamentos fundamentais à saúde da população".
A Consulta Remédios, plataforma de buscas de remédios em farmácias, apontou grande aumento na procura de medicamentos devido ao crescimento no número de crianças internadas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) em vários estados do país. "Na plataforma, a procura por palivizumabe, medicamento restrito a hospitais com dispensação sob prescrição médica, e destinado à prevenção de doenças do trato respiratório inferior causadas pelo vírus sincicial respiratório em pacientes pediátricos, aumentou 309% na última semana de abril em comparação à primeira semana de janeiro deste ano”, informou Ruan Barbosa, diretor de Growth da Consulta Remédios. Especificamente no Estado de São Paulo, a compra de medicamentos contendo as substâncias salbutamol, fenoterol, ribavirina e palivizumabe, geralmente usados com prescrição médica no tratamento de bronquiolite em crianças, teve aumento de 172% em abril na comparação com março deste ano, segundo a Consulta Remédios.
Alguns dos principais hospitais de São Paulo confirmaram e revelaram preocupação com a falta de medicamentos. "Estamos acompanhando o cenário nacional e temos observado dificuldade para alguns medicamentos, mas nada que tenha nos colocado em risco. O mais significativo é a imunoglobulina que enfrenta restrição mundial e que temos conseguido importação para viabilizar a manutenção do tratamento", informou em nota o Hospital Sirio-Libanês.
Já o diretor do Hospital Saint Nicholas, Marcelo Carlos Godofredo, disse que está havendo dificuldade para a compra de medicamentos muito usados, como o analgésico dipirona, o dramin, usado para enjoos, e sobretudo a neostigmina, relaxante muscular que ajuda pacientes a se recuperarem da anestesia. "Mais do que atrapalhar a rotina hospitalar, isso acaba gerando custos para o hospital. No caso da neostigmina, o substituto custa 40 vezes mais, o que onera para as contas do hospital, especialmente as Santas Casas, que já enfrentam uma situação difícil." Ele lembra que, em caso de pacientes obesos, pode ser necessária a aplicação de até três ampolas, a um custo em torno de R$ 350 cada. "No caso da dipirona, temos problema para manter o estoque, pois o fabricante está impondo quotas para a venda. Se eu preciso comprar mil ampolas, não vou conseguir."
A falta de medicamentos e atraso na distribuição afetam hospitais públicos de São Bernardo do Campo. Conforme a Secretaria de Saúde do município, estão em falta 17 medicamentos distribuídos pelo Ministério da Saúde, entre eles remédios para o tratamento de Alzheimer (donepezila, galantamina e rivastigmina); doença de Parkinson (entacapona e rasagilina), leucemias e prevenção a rejeição de transplantes (rituximabe); tratamento de doenças autoimunes (infliximabe); e tratamento de artrite inflamatória (golimumabe). "Quando há falta de um item, existem as operações de remanejamento entre as unidades para atendimento dos pacientes, o que não impede o desabastecimento caso o Ministério cumpra com o envio", disse, em nota.
Em São Caetano do Sul, a prefeitura informou que estão em falta metildopa, tipo de anti-hipertensivo – estoque para, aproximadamente, dois meses, e os antibióticos amoxicilina e cefalexina – quantidade disponível atende à demanda da cidade por apenas 20 dias.
A Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo informou que os hospitais estaduais registraram dificuldade de compra de alguns dos medicamentos relacionados pelo Cosems devido à indisponibilidade de produtos no mercado. "A SES mantém contato com fornecedores e entre os problemas citados estão a falta de matéria prima para produção, defasagem de valores na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), regulado pela Anvisa, e a incapacidade de produção para o volume demandado."
Conforme a pasta estadual, os procedimentos não foram interrompidos por falta de medicação na rede pública estadual, apesar da dificuldade de compra de alguns itens devido à falta de produtos no mercado. "As unidades estaduais mantêm estratégias para que nenhum paciente fique sem a assistência e medicação adequada", disse.
Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que, embora não atue nas relações comerciais de aquisição e distribuição de medicamentos pelo Ministério da Saúde ou por empresas privadas, monitora o mercado a fim de avaliar o risco de desabastecimento ou restrição de acesso a medicamentos resultante de descontinuação de fabricação ou importação. Uma resolução de 2014 obriga os detentores do registro disponibilizar em seus respectivos sítios eletrônicos, nos canais de atendimento ao consumidor, e aos profissionais da área de saúde, as razões e a data da descontinuação temporária ou definitiva da fabricação ou importação dos medicamentos.
A agência informou que analisa o impacto da redução da oferta de medicamento e, identificado o risco de desabastecimento e existindo pendências regulatórias do produto, pode adotar medidas para minimizar ou evitar o desabastecimento, priorizando, por exemplo, a análise de um pedido de registro ou de licença de importação de produto equivalente.
Veículo: Online -> Portal -> Portal Estadão
Seção: Saúde