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 Site Repórter Diário - Santo André/SP

Publicado em 13/05/2022 - 15:02 / Clipado em 13/05/2022 - 15:02

Definição da matriz econômica do ABC passa pela formação profissional



George Garcia


Há praticamente uma década o ABC discute a desindustrialização, um fenômeno nacional e até mundial que tem um impacto mais significativo na região que é bastante industrializada, porém essa discussão ainda não definiu o foco, ou seja, qual será a matriz econômica do futuro da região, se ela vai continuar baseada na indústria metalúrgica, nas montadoras de veículos ou em outros setores. O RDTv especial que debate a matriz econômica regional ouviu nesta quinta-feira (12/05) o reitor da Universidade Metodista de São Paulo, Marcio Oliverio, o diretor titular do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) regional de São Bernardo, Mauro Miaguti e o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva. O debate concluiu que uma grande demanda da indústria é a formação profissional e que a região não se preparou para as novas exigências do mercado.

Essa deficiência na formação vem desde o ensino médio e não consegue ser suprida completamente na universidade o que aumenta o abismo entre o que a academia pode oferecer e o que a indústria precisa para se desenvolver. Esse tema inclusive é alvo do debate promovido pela Agência e que vai acontecer no próximo dia 18 no auditório da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) do campus Centro (rua Santo Antonio, 50 – São Caetano). Diversos setores da indústria, entidades de classe, representantes do Governo do Estado, da Assembleia Legislativa, da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e representantes dos poderes públicos municipais vão debater o tema “O Futuro da Indústria no ABC”.


Desmonte

Antecipando o tema, os participantes do RDTv aqueceram o clima para o debate da próxima semana. Para o professor Marcio Oliverio, da Metodista, a região precisa entender qual que é o seu propósito, qual sua vocação para definir diretrizes e ter um alinhamento mais claro. “Falta um propósito claro; para onde a região está caminhando no futuro?”, diz o reitor. O diretor do Ciesp de São Bernardo completa o raciocínio acrescentando mais indagações ao debate: “Como é que a gente a faz para segurar as empresas aqui? O que a gente agrega de valor para essas empresas para que a gente consiga ser competitivo? Não é simplesmente abrindo mão de tributos e impostos, mas o que a gente pode fazer para agregar valor às empresas que estão aqui? Essa é a discussão que a gente tem que fazer e não é de agora, a gente já vem a um ano discutindo sobre esses processos, vendo o que está acontecendo no mundo inteiro e falando o que faz com que uma empresa opte a ficar na região ou escolhê-la para instalar sua fábrica”, disse Miaguti.

Aroaldo Oliveira da Silva diz que a indústria brasileira sofre um desmonte e a pandemia aprofundou esse processo. “Tem uma nova reorganização do mundo que acelerou as transformações que já vinham acontecendo. Diversos países estão correndo atrás para se re-industrializarem, e nós não estamos vendo esse movimento no Brasil, essa é a nova primeira preocupação. Para discutir indústria a gente precisa de uma política nacional. Outra coisa importante; a gente perdeu muito a interlocução entre os atores da região, nossa indústria ainda é muito forte, é relevante, mas não conseguiu se conectar às universidades, se desconectou do poder público e dos outros atores. Na hora que a região age de forma conjunta tem um peso expressivo, que é pauta não só para a região e para o Estado, mas para o Brasil. Essa rearticulação entre os atores é o primeiro passo para a gente começar a construir algo novo”, diz o presidente da Agência de Desenvolvimento.

O ABC ainda é referência para a indústria quanto à mão-de-obra qualificada, na opinião de Oliveira, mas em nos últimos anos a deficiência na formação profissional aumentou o gap entre o que a indústria precisa e o que a região oferece. “O ABC ainda é referência, mas como foi tão vendido esse processo de desmonte da indústria, foi tão divulgado que o ABC estava ficando desindustrializado, que os jovens, as novas gerações que apareceram nos anos 90 e 2000 já vieram com esse conceito de que não iam trabalhar na indústria, então eles deixaram de se qualificar para profissões tradicionais na indústria. Conversando com empresas de Ribeirão Pires e Mauá elas estavam relatando dificuldade em contratar caldeireiro e torneiro, estavam com dificuldade de contratar essas profissões tradicionais da indústria. A gente tem o problema dessa formação e tem outro problema, com o advento das novas tecnologias a gente também não preparou como deveria esses profissionais para essa nova indústria que surge. Essa nova indústria, como todos os setores da economia, está baseada na tecnologia da informação e não conseguimos atender com essa formação. Com essas novas tecnologias ter um segundo idioma é de extrema importância e nós não conseguimos qualificar o trabalhador para isso, então criamos lacunas que não conseguimos olhar para atender essas novas tecnologias. Eu concordo que a gente precisa fazer um grande debate na região sobre mão-de-obra e qual a necessidade para o futuro, agora esse debate entre empresa e universidade a gente precisa sentar todo mundo para superar. A gente tem empresas que têm muitas necessidades e grandes ideias, as universidades também têm muitas necessidades e grandes ideias,  só está faltando a gente sentar para conversar. Eu acho que plenamente possível a gente convergir universidades e indústrias”.


Abismo

O professor Marcio concorda que há um hiato entre a indústria e a Academia e diz que os jovens chegam à faculdade com deficiências na base do ensino. “Isso acontece principalmente nesses cursos baseados em tecnologia, tanto é que o setor já emprega profissionais que não têm ensino superior, mas que saibam programar, ou que conheçam de alguma maneira a linguagem de programação. A gente tem um problema de formação que não é específico do ensino superior ele vem de formação de base. Para trabalhar com tecnologia você precisa ter ido bem em exatas e ter um bom inglês porque muitas empresas são internacionais, então esse aluno já chega no ensino superior com algumas lacunas na formação que o ensino superior não vai dar conta de resolver em dois ou quatro anos. Cada vez mais a gente vai criando um abismo com um mercado que exige dos profissionais uma qualificação, mas ao mesmo tempo essas pessoas não conseguem ter acesso a uma formação decente. Tem um gargalo no ensino médio e muitas vezes as pessoas deixam o estudo porque têm que se dedicar ao trabalho, para sustentar a família”, aponta o reitor da Metodista.

A própria universidade precisa se preparar para atender a exigência o mercado de trabalho que mudou teve grande aceleração tecnológica nos últimos anos. “Tem muitas demandas que a gente precisa resolver no ensino superior, o mundo está mudando muito rapidamente, às vezes uma matriz que é preparada hoje daqui dois ou três anos não vai mais atender ao mercado. Aí o profissional sai do ensino superior e vai fazer um curso de suplementação para poder atender as demandas do mercado. A indústria tem procurado a Metodista e nós temos algumas formações específicas. O que fica claro para mim é que a Academia fala uma língua, as empresas falam outra e o governo fala outra língua, ninguém se entende. Há um espaço que a gente precisa diminuir porque, para a Academia, é extremamente interessante estar próxima do mercado e os governos tem o papel fundamental de abrir esses espaços de conversação, e incentivar, por exemplo, a Agência e o Consórcio  para que eles sejam fortalecidos para poder ter essa articulação na região. A gente tem essa dificuldade de se aproximar da indústria e a gente sente também que a indústria não sabe como chegar na universidade também”, avalia Marcio Oliverio.

Mauro Miaguti disse que o Ciesp sempre esteve aberto a conversar com as universidades para buscar soluções para os entraves do desenvolvimento e que foram feitos alguns trabalhos em conjunto que, segundo ele, não tiveram o impacto que se esperava. “Em alguns momentos tivemos projetos executados juntos, mas o resultado não foi impactante para a sociedade e para a indústria de uma forma geral. A agência tem um papel importantíssimo nisso, semana que vem, dia 18, de estar junto num evento que tem esse objetivo de aproximação das indústrias junto com a universidade e o poder público, mas o que precisamos é de resultado”, diz o diretor do Ciesp. Ainda de acordo com ele é preciso dar espaço nessa aproximação para a pequena e média empresa. “É fácil falar com grandes empresas, mas e a pequena e a média que geram mais de 85% dos postos de trabalho? E elas? O que está sendo feito em relação a isso? Por mais que seja em conta um convênio com a universidade a pequena indústria não tem como pagar”, aponta.


Reconversão

O presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC disse que a reconversão industrial que ocorreu no ABC para suprir o setor da saúde de equipamentos durante a pandemia ainda tem espaço para continuar e assim aproveitar a ociosidade das empresas da região. “Eu acho que oportunidade e a demanda ainda existem. A necessidade de equipamentos e insumos é enorme e tem chegado muito investimento então tem um potencial aí para reconverter parte do parque industrial para a área da saúde. A gente tem uma fundação de medicina no ABC que atende algumas cidades e tem uma conversa insipiente ainda, mas dá para articular. O poder público tem papel fundamental porque a maior verba da saúde vem do poder público. A discussão de quando chega a Saab ao ABC foi um pouco desse esforço de tentar reconverter para a área de defesa porque as forças armadas estavam se reorganizando. Na discussão do pré-sal muitas empresas buscaram a reconversão para a área de petróleo e gás, muitas vingaram e estão aí no mercado, outras não conseguiram porque a política nacional desmontou esse esforço”, compara.

O setor acadêmico tem muito a oferecer para a indústria e o ABC está bem suprido de universidades e produção de pesquisa. O professor Márcio Oliverio fez um levantamento sobre a capacidade da região. “O ABC tem uma estrutura acadêmica difícil de encontrar no Brasil. A região tem seis instituições de ensino superior que oferecem ensino Strictu Sensu, mestrado e doutorado, são elas: a FEI (Fundação Educacional Inaciana), a FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), a UFABC (Universidade Federal do ABC) , a Metodista a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e a USCS. De 2019 a 2022, num espaço dois anos e meio, foram feitas 17 mil produções bibliográficas, dentre elas tem artigo, tem livro, tem texto em jornal e trabalhos publicados em congressos. Temos entre produção técnica, produtos tecnológicos e processos mais de 4,7 mil produções, então a gente tem uma capacidade de produção de pesquisa na região que é muito grande, falta um recorte dessa pesquisa e do que ela está focada no desenvolvimento regional. Essa capacidade de pesquisa pode ajudar a região neste momento de mudança, de pensar na Indústria 4.0, questões de sustentabilidade e a própria indústria da saúde. A gente tem esses espaços e tem essa estrutura que pode ser utilizada, entendo que ela é subutilizada e eu falei só de Strictu Sensu, fora os programas de iniciação científica, de graduação e os programas extensionistas que as faculdades estão desenvolvendo”.

Mauro Miaguti avalia que a região tem que escolher uma área e focar. Ele cita como exemplo a Coréia do Sul ue, na olimpíada de 2002, resolveu focar em alguns segmentos para mostrar ao mundo a sua capacidade, focou no transporte e no entretenimento e hoje grandes marcas sul coreanas dominam o mercado mundial, seja no segmento de automóveis, seja em tecnologia de imagem e de telefonia. “Podemos ter, por exemplo, um centro de design, pois o design está no carro, no móvel, no vidro de perfume. Tem que focar, a discussão é sempre a mesma; nós não sabemos qual é a nossa vocação, o que vamos ser daqui a algum tempo. Esse evento da Agência vai ser importante para isso. A gente fica olhando pensando que o setor automobilístico vai ser o futuro, não sabemos se ele vai ser. Ele é muito importante e vai ser, mas pode também alavancar novos setores. Temos que usar essas indústrias que temos, então não é uma coisa ou outra, é uma coisa e outra”, completa.

Aroaldo Oliveira finaliza dizendo que a palavra chave para o ABC manter sua indústria é a inovação. “O futuro passa pela inovação, o ABC é território de conhecimento e precisa desenvolver pesquisa, desenvolvimento e inovação. A gente tem um campo vasto. Já tem a semente plantada e a gente tem capacidade para desenvolver tecnologia na região”, aposta o presidente da Agência.


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Seção: Economia