
Publicado em 11/05/2022 - 07:22 / Clipado em 11/05/2022 - 07:22
Futuro da indústria do ABC está na redução do abismo entre ela e a universidade
George Garcia
A convite do RDTv, o reitor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Leandro Prearo; o secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Turismo, Tecnologia e Inovação de São Caetano, Fernando Trincado; e o doutor em Economia, coordenador do Curso de Administração do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia) e integrante do Comitê Municipal de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Ricardo Balistiero, debateram sobre o futuro da matriz econômica do ABC. Durante o programa especial, os convidados concordaram que, apesar da crescente aproximação das universidades com as empresas, ainda é grande o abismo entre o que elas podem oferecer e o que as empresas precisam para crescer.
Apesar da grande participação do setor de serviços na economia local e a queda da participação da indústria no PIB do País e do ABC, a região ainda deve manter o perfil industrial na opinião de Fernando Trincado. “É uma realidade algumas decisões de saídas de indústrias, notadamente da Ford, mas também houve uma quase saída da GM de São Caetano e houve uma coalisão de esforços, com a participação dos trabalhadores através do sindicado, que culminou em que ela não só ficasse, mas que aportasse investimentos recordes. A indústria sempre vai estar no nosso foco principal, porque foi através dela que a nossa região teve destaque nos anos 1970 e 1980. A região pode responder de forma positiva, mas vamos precisar de novas formações, mais infraestrutura, como conectividade, sem ela não consegue conectar as novas tecnologias; tem a escassez de áreas, o que nos leva a apostar na indústria com base tecnológica que possa ser verticalizada”, analisa.
Ricardo Balistiero lembra que o País não tem uma política industrial desde o governo Juscelino Kubitschek e o ABC sofreu mais com isso. “Nossa região passou por um processo forte de transformação. É forte falar de desindustrialização do ABC, que está vivo com suas indústrias, mas passando por um processo de inovação, por investimentos. As indústrias que aqui permaneceram têm passado por um processo de ajustamento com foco na inovação. As universidades cumprem um papel importante, ficou claro na pandemia que faltou mão de obra na área tecnológica. Temos uma carência importante para esses novos setores que são fundamentais e normalmente ligados à área tecnológica. As universidades podem dar provimento a essas demandas”, aponta o professor da Mauá.
Abismo
Leandro Prearo também concorda que a vocação do ABC para a indústria será mantida, mas diz que o processo de modernização dela precisa da parceria com a universidade nem sempre tão fácil de se formalizar. A indústria é a nossa vocação temos a logística temos o capital social, o capital intelectual, o associativismo e a experiência. “O ABC é berço da indústria, então há de se conversar sobre estratégias, inovação, penso também em reconversão, mas a nossa vocação é a indústria, não tenho dúvidas disso. Com relação ao papel da universidade na formação isso é um problema antigo que não conseguimos resolver, há um abismo entre a academia e o setor produtivo. O setor não recorre à academia e a academia não vai até o setor produtivo, a gente tem ações pontuais, mas tem que trabalhar mais intensamente em formar o aluno que a indústria precisa. Temos o capital social e temos as universidades, o que falta é coordenação”, destaca o reitor da USCS.
Sustentabilidade
De acordo com Fernando Trincado, o fenômeno que acontece na região, o aumento da atividade econômica na área de serviços, é um processo nacional. Lembra que em 1985 a indústria de transformação participava com 27% do PIB nacional, hoje é de 11,7%. Houve um crescimento natural do setor de serviços que ocorreu de forma pronunciada no ABC. “Não precisa fazer com que o setor de serviços ou comércio cresça em detrimento do setor industrial; podem crescer de forma conjunta. Há 50 anos São Caetano era cidade quase totalmente industrial e essas áreas foram ocupadas por serviços. A grande questão é a sustentabilidade dos bons serviços prestados ao nosso morador e temos uma base de arrecadação muito arregimentada na indústria e o setor de serviços tem crescido ano a ano. Temos todas as condições de retomar o crescimento do setor industrial, mas tornar as nossas empresas mais competitivas, ao que cabe à gestão pública municipal, temos colocado em prática, com infraestrutura, desburocratização e fazendo esse link das empresas com o setor acadêmico”, diz o secretário da Prefeitura.
O momento, para o professor Ricardo Balistiero, é propício para mudanças e início dessa recomposição da matriz industrial do ABC, mas questões, como eleições que acontecem este ano, precisam ser analisadas. “Temos um ambiente muito hostil para investimentos privados. Os grandes investimentos que se farão nos próximos anos serão privados, porque o público tem muita dificuldade após a recessão de 2015 e 2016 e a queda novamente em 2020, assim as prefeituras estão com muitas dificuldades. Como vai ser privado primeiro tem de esperar o resultado da eleição. O BRT é a primeira grande obra em muito tempo que vai promover a ligação do ABC com São Paulo; a obra ajuda na infraestrutura. A depender do ambiente no Brasil, a partir de 2023 é possível termos um ambiente saudável para negócios”, acredita o economista.
Reconversão
O professor Leandro Prearo defende a reconversão industrial, aquele movimento em que as indústrias pegam sua estrutura montada para uma determinada finalidade e aproveitam para atender a outro segmento. Isso aconteceu com indústrias no ABC durante a pandemia, em que algumas empresas fornecedoras de autopeças passaram a produzir equipamentos para a área de saúde, como respiradores. “A gente tem na região várias indústrias que dão suporte às automobilísticas, que sofrem consequências de uma forma geral, algumas fechando, aí vem a ideia da reconversão. Além disso, o papel da universidade é a formação desses profissionais aptos à indústria da região, por outro lado o papel mais importante é o da pesquisa. A gente tem falado muito sobre isso; sobre a falta de impacto imediato nas pesquisas que a academia faz no setor produtivo e na sociedade em geral. Então, isso a gente tem de considerar trabalhar mais diretamente com o setor produtivo nas suas demandas. Como fazer isso? Primeiro com uma coordenação, pode ser com a Agência de Desenvolvimento Econômico, também a ideia dos hubs de inovação e de incubação de startups. Essa ideia de reconversão, estar dentro da universidade, com sociedade civil é um caminho importante para a gente restabelecer a nossa indústria”, afirma Prearo.
Localização
Balistiero diz que o ABC deve aproveitar a posição geográfica privilegiada e que ainda atrai empresas, mesmo com todas as dificuldades. “A grande questão é que o ABC está estrategicamente colocado perto do porto, do maior mercado consumidor que é São Paulo, perto do maior aeroporto do País, então temos todas as condições para termos as universidades em conjunto com as indústrias. Isso passa por uma série de articulações, também passa pelo poder público. Esse diálogo precisa ocorrer, do contrário essa dissociação entre o que a indústria efetivamente precisa e o que a universidade pode oferecer acaba por criar um vácuo preenchido pela própria indústria. A indústria passa a criar uma universidade corporativa; as empresas dando treinamento interno porque os funcionários chegam mal treinados ou dissociados do mercado de trabalho”, avalia o professor.
Para Ricardo Balistiero o modelo industrial ainda é importantíssimo na região. “É possível que a gente possa ampliar o diálogo e isso é muito importante que passe pelo Consórcio Intermunicipal, passe pela Agência de Desenvolvimento para que tenhamos objetivos claros para a região. Retomar o conceito de região é fundamental para definir para onde vamos caminhar no sentido que o modelo industrial não foi superado, passa apenas por um processo de transformação”, acrescenta.
Para o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, o hiato entre empresa e universidade é ainda maior quando se fala em micro e pequenas empresas. “Quando se fala desse hiato, ele é muito mais pronunciado quando se fala em pequena empresa, ela não tem tido a oportunidade de ter acesso à inovação ou de estar próximo à pesquisa e às universidades. A gente tem trabalhado em cima disso e vou dar exemplo. Lançado pela Fiesp semana passada, que é a jornada de transformação digital para empresas de faturamento de até R$ 8 milhões ano. Com o Sebrae e no Senai vamos fazer um diagnóstico da questão energética das empresas, dar oportunidade para que as pequenas empresas possam rever os seus processos, investir em equipamentos e melhorar a produtividade de forma estruturada. Isso é um bom início”, avalia Trincado.
MEIs
O secretário diz que São Caetano tem 40 mil negócios ativos, destes 13 mil são microempreendedores individuais, os MEIs, outra grande parte é de pequenas empresas, que respondem pela maioria dos empregos. “Estive com professores da USCS para focar na atuação da universidade nas pequenas empresas. Temos de fazer com que esses pequenos empresários possam pensar no seu futuro, possam crescer, possam se digitalizar, possam se capacitar, ter acesso a linhas de crédito e com isso vamos criar diversas oportunidades e trazer novos investimentos”, diz. Em todo ABC são mais de 214 mil MEIs.
As startups que surgem nas universidades são também aposta para o futuro. Para o reitor da USCS, as parcerias com o poder público podem ajudar. A USCS tem colocado em todas as grades e cursos a questão do empreendedorismo e da inovação. “Aqui a gente está transformando os nossos TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso) na possibilidade de o aluno criar uma empresa e poder entrar no nosso hub. As melhores empresas criadas vão ser incubadas aqui na universidade, numa parceria com a iniciativa privada e a Prefeitura. Agora com relação aos MEIs e as empresas já criadas, é preciso quebrar esse hiato. A gente tem seis, sete grandes universidades que podem oferecer serviços para o setor industrial, a gente tem de cacarejar o que podemos oferecer. O que nos entristece é isso; nós temos o produto, nós temos os insumos, o que falta é só uma coordenação”, completa Prearo.
Veículo: Online -> Site -> Site Repórter Diário - Santo André/SP
Seção: Economia