
Publicado em 09/05/2022 - 07:22 / Clipado em 09/05/2022 - 07:22
Especialistas apontam caminhos para combater a cultura do racismo
Carlos Carvalho
Em uma arquibancada de estádio uma pessoa é flagrada fazendo um gesto de macaco para a outra torcida. Em um vagão do Metrô, uma mulher negra ouve que tem que se afastar, pois ao encostar seu cabelo em alguém poderia pegar uma doença. Os casos de racismo flagrados nas últimas semanas pelos celulares e a manifestação de populares indignados com tais situações chamaram a atenção mais uma vez. A reação das pessoas diante de uma suposta impunidade trouxe dúvidas sobre como a cultura do racismo está sendo combatida. O RDtv recebeu três especialistas para falar sobre o tema e as formas de mudar tal situação.
Para Gilberto Lopes Teixeira, professor de História da América, da Fundação Santo André, não houve aumento do número de casos de preconceito racial, mas sim uma maior ação das pessoas em registrar tais ações para realizar posteriormente sua denúncia. “Acho que estamos prontos para combater uma modalidade de racismo que me parece que está evidente, que me parece a mais grave, a mais séria de todas, que está se chamando de racismo recreativo. Diante de uma situação de racismo a pessoa diz, ‘mas eu estava só brincando, era só uma piada, era só uma brincadeira’. É um momento de exterminar essa modalidade”, explicou.
“Hoje temos uma visibilidade racista muito maior, alguns brasileiros estão muito mais atentos a algumas práticas quando elas estão ocorrendo e não interpretam essa prática como algo recreativo, denunciam na hora e se colocam contra a pessoa que está se colocando de maneira racista”, completou Flávio Thales Ribeiro Francisco, professor de Relações Internacionais, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Flávio reforça que no caso da América do Sul e os casos vistos em jogos da Libertadores envolvendo clubes brasileiros é possível dizer que pelo fato do ativismo antirracista em outras nações não ter tanto impacto como no Brasil, tal cenário acaba não criando uma “sensibilidade antirracista”. Outro ponto é a mistura do racismo com a xenofobia que é o preconceito contra pessoas de outras nações.
Jurídico
Daniela relatou os órgãos dos Direitos Humanos em que o Brasil participa como caminho para denúncia e o combate ao racismo (Foto: Reprodução)
Outro ponto de dúvida que ocorreu entre as pessoas nos últimos dias foi o que difere realmente um caso registrado como racismo e de outro registrado como injúria racial. Daniela Bucci, professora do curso de Direito e coordenadora do Observatório de Violação dos Direitos Humanos, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) explicou que quando um ato é feito diretamente para uma pessoa tal fato é considerado como injúria e quando é direcionado para todos os negros é considerado como racismo.
“Nós temos que lembrar que já tem aquela ideia já escupida na Constituição Federal que considera o racismo não apenas como um crime imprescritível e inafiançável, o que está no artigo 5º da Constituição, mas temos que lembrar o que está no artigo 4º da Constituição, ele vai falar que um dos princípios da República Federativa do Brasil é o repúdio ao racismo, então já vem dessa concepção a ideia de que o racismo é proibido, porque está baseado em uma ideia de que há uma divisão da humanidade em categorias e que existe uma superioridade de uma raça em relação a outra, uma ideia bem grave que toda a sociedade precisa repudiar”, explicou.
Existe um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a injúria racial deve ser equiparada ao racismo. Em 2021 foi aprovado um projeto de lei do senador Paulo Paim (PT/RS) que equipara os dois crimes, elevando a pena por injúria racial para de dois a cinco anos de reclusão com multa. Em novembro do ano passado a proposta foi para a Câmara dos Deputados, porém, está parada.
Caminhos
Os especialistas apontaram que há uma necessidade não apenas de leis mais firmes, mas também de um esforço maior para o combate à cultura do racismo, principalmente contra grupos que buscam desqualificar o discurso feito pelo movimento negro.
“Sempre que há uma ofensiva antirracista, que tem como tradução avanços sociais, políticas públicas ou no caso do Brasil as ações afirmativas, sempre há uma reação de ressentimento de algumas pessoas que acham que esses avanços sociais, seja para os negros ou para outros grupos, na verdade não são avanços, mas uma ofensiva a subversão da meritocracia. E aí sempre temos grupos políticos que vão explorar esse ressentimento. Temos, por exemplo, na atual Administração Federal, principalmente na atual gestão da Fundação Palmares uma figura, ou tinha uma figura, que explorava tanto esse ressentimento, que fazia um discurso contra o ativismo negro”, relatou Flávio.
Outro ponto defendido é o reforço do cumprimento da lei federal 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio a obrigatoriedade do ensino sobre a História e a Cultura Afro-Brasileira. “O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”, aponta o parágrafo primeiro.
Veículo: Online -> Site -> Site Repórter Diário - Santo André/SP
Seção: RDtv, Política