
Publicado em 26/04/2022 - 19:05 / Clipado em 26/04/2022 - 19:05
Estudo da USCS sugere governança regional para tratar déficit de habitação
Estudo do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul) diz que é necessária a constituição de uma governança regional para lidar com o tema de habitação ,que envolve diversos aspectos sociais e não deve ser encarado com demanda exclusiva do município. A nota técnica é assinada pelo professor Luis Felipe Xavier, arquiteto, urbanista, docente e pesquisador do observatório.
O estudo mostra um conjunto de legislações como os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que falam da função social da propriedade e também do Estatuto das Cidades, entre outras leis. “Quando a gente a percorre a constituição vemos que temos uma das mais avançadas do mundo. A gente está inundado de leis, falta de leis a gente não tem, a gente precisa de uma tomada de consciência geral para as pessoas irem atrás daquilo que lhes é de direito. A habitação é direito humano”, diz o professor em entrevista ao RDTv, nesta terça-feira (26/4).
Xavier diz que há meios legais para transformar áreas desocupadas em habitações sociais. Existem experiências recentes do final década de 1980, na gestão Luiza Erundina (prefeita da Capital entre os anos de 1989 e 1992) onde se trabalhava questões associativas, ou seja, os moradores se juntam, contratam uma assessoria técnica e vão lutar pelo terreno, por áreas que estão desocupadas. “A gente tem instrumentos jurídicos para discutir isso. Há como cobrir parte do déficit aliando a questão do poder público, a questão do subsídio e as famílias sabendo que lhe é direito correr atrás da habitação”, diz o urbanista.
A pesquisa usa dados que chamam a atenção, mas que estão já desatualizados por conta de que a base é o censo de 2010. “A gente vê que, com a pandemia, esses dados foram agravados; vemos o quanto as pessoas estão passando por um processo de pauperização e que está cada vez mais difícil acessar a casa. O déficit que o Consórcio do ABC tem é de 803.622 domicílios, um número alarmante. Insano pensar que estamos no século 21 com pessoas sem casa, várias políticas públicas tentaram corrigir e os números apresentados são pífios, frente a demanda que nós temos”, analisa o professor.
Justiça
Xavier destaca situações em que os proprietários de terrenos vêm na ocupação uma oportunidade de obter lucros maiores. Segundo ele, há situações em que o imóvel é avaliado a um preço muito baixo, mas quando a disputa pela terra vai para a Justiça esta acaba por definir um valor de mercado muito maior pelo metro quadrado. “ É cômodo ser proprietário de terra e deixar ocupar, aí o juiz vai determinar o preço da terra, mas às vezes o valor estava lá embaixo e cheio de dívida, então o interesse comum está sendo colocado em cheque. Eu vi isso ocorrer; uma área valia R$ 100 o m² e quando foi mapeado como Zeis (Zona Especial de Interesse Social) alguém disse que valia R$ 1 mil”, comenta.
“Quando a gente vê as Zeis mapeadas em Diadema e São Bernardo nas áreas de mananciais, salta os olhos, porque se a gente tem tanto vazio nos centros das cidades. Olha, por exemplo, o Centro de São Paulo, onde a maior parte das famílias tem renda de um e dois salários mínimos. Qual é a oferta que é dada a essa família em termos de subsídios? Áreas de periferia são carentes de infraestrutura, é mais caro levar habitação para lá”, constata Xavier.
Governança
Para Xavier, o ABC tem um avanço importante que é o Consórcio Intermunicipal, mas nem ele consegue estabelecer políticas públicas eficientes para combater o déficit habitacional, porque os municípios continuam a tratar o assunto como questão só sua. “O deslocamento das famílias na margem do município de Mauá, de Santo André e Diadema fazem a economia girar em São Caetano. Se engana o prefeito que acha que vai tomar uma ação isolada e vai resolver o problema. Essa discussão regional não acontece porque cada município vai tratar a questão habitacional como uma demanda que lhe é própria, mas ela passa a ser um problema regional a partir de um momento de que, se não tenho resolução próxima do centro, as famílias vão ocupar a área de manancial que é de todos. Se eu crio uma ocupação na área de manancial, de represa, eu afeto todos os municípios que dependem dela. Essa tem que ser uma ação conjunta como o tratamento de resíduos. Essas funções públicas de interesse comum t~em que ter uma governança metropolitana para se discutir”, comenta.
O urbanista Luis Felipe Xavier destaca a política adotada por Diadema que busca entregar imóveis na faixa dos 62 metros quadrados, opção mais viável. “Eu destacaria bastante como solução. Se a gente quiser realmente enfrentar o déficit vai ter de atacar pesadamente o banco de terras, por isso que eu digo que na questão da governança metropolitana isso é atribuição do município, mas também pode ter a questão de alocação do Estado”, aponta.
Regularização
Para o professor, é urgente intensificar a produção de habitação de Interesse Social. “Não dá para entrar com processo de regularização no início de 2001, terminar de montar o processo em 2007 e sair agora depois de 15 anos. Por que é tão fácil um proprietário de terra tomar uma certidão e por que é tão difícil acertar uma questão de regularização fundiária que é o que vai dar acesso ao endereço e a todos os serviços públicos que são atrelados a questão da titularidade?”, indaga.
Retrofit
Na linha de trazer para os Centros as habitações de interesse social surge o retrofit, conceito de adaptar imóveis não residenciais e que estão abandonados, em casas. Essa é a melhor saída na opinião do especialista da USCS. “Imóveis que podem ser resolvidos como banco de terras, comprados pelo município e ser feita a adequação necessária. A locação social é uma coisa extremamente importante para contribuir para a questão do déficit. Que melhor do que a habitação para trazer a vida para o centro? Onde há esvaziamento da atividade residencial no centro tem uma vida de dia e abandono à noite. Sai muito mais barato fazer um retrofit no centro da cidade do que fazer uma habitação na periferia”, analisa.
Xavier ressalta que pandemia nos mostrou o quanto a gente perde a oportunidade para ser solidário, para ter empatia e redirecionar toda a nossa economia para o bem comum. “Se a gente não vislumbrar o próximo como sendo parte integrante da nossa formação de ser, a gente falhou enquanto sociedade. O problema não está na pobreza, mas na falta de distribuição de renda, de riqueza, nessa expatriação de recursos, na privatização do patrimônio que é público que deveria estar sendo servido à nossa nação”, completa Luis Felipe Xavier.
Veículo: Online -> Site -> Site Repórter Diário - Santo André/SP
Seção: Cidades