
Publicado em 12/04/2022 - 07:36 / Clipado em 12/04/2022 - 07:36
Apesar da saída de montadoras ABC mantém perfil industrial, dizem especialistas
Por George Garcia
Apesar da perda de grandes empresas, como a Ford, em 2019, e recentemente com o anúncio da Toyota de deixar São Bernardo, o ABC ainda pode continuar como região industrial, mas os investimentos em tecnologia, inovação e pesquisa são indispensáveis para que a indústria local continue competitiva. Algumas alternativas, como mapeamento do setor e a reconversão industrial já começaram. Para falar sobre o assunto o RDTv desta segunda-feira (11/4) ouviu o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva; o professor Lúcio Flávio da Silva Freitas, docente de Ciências Econômicas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e economista do Grupo Euro 17; e Fábio Danilo Ferreira, diretor-adjunto da Agência de Inovação da UFABC (Universidade Federal do ABC).
O diretor-adjunto da Agência de Inovação da UFABC diz que a saída de empresas, sobretudo montadoras, traz um grande impacto para a região, na cadeia produtiva, comércio e serviços. Fábio diz que a falta de uma política industrial para o País é culpada pela queda da participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto). “A gente não consegue falar disso sem olhar um aspecto mais amplo, que é de uma política industrial que se mostrou pouco efetiva nos últimos anos. A gente vê a queda da participação da indústria no PIB, sem contar a pandemia, a gente tem um baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento”, afirma. Ressalta que no ranking de inovação, que tem mais de 100 países, o Brasil está 57ª posição, porque tem baixa participação de empresas em produção tecnológica. “A gente precisa, aqui no ABC, discutir como articular melhor os atores do sistema de ciência, tecnologia e inovação para poder superar esses desafios. A gente não vai conseguir ter uma indústria eficiente e competitiva se não tem investimento em inovação”, adverte.
Aproximar governo, indústria e universidade
Para o professor da USCS, o movimento de desconstrução industrial já acontece desde os anos 1990 e o Brasil não se preparou para a mudança, fenômeno que em outros países ocorreu de forma natural, com migração de empregos da indústria para serviços. Lúcio lamenta que o Brasil tenha a perda de protagonismo da indústria, o que é complicado porque a indústria paga salários mais altos e exige mais qualificação. Em parte, diz, isso é um processo natural para alguns setores. Cresce muito a indústria e depois, com o aumento da renda começa a demandar mais serviços, no entanto, isso aconteceu no Brasil cedo demais sem que a renda tivesse crescido suficiente. “A indústria representava 40% do PIB nos anos “1980 e hoje mal passa de 11% então é claro que o ABC, que é uma região mais industrializada que outras, sofre mais intensamente o processo”, diz Freitas. “Quanto ao que fazer eu diria que tem que incentivar a tripla hélice, governo, setor produtivo e as universidades. Aproximar esses agentes para inovarem e modernizarem o setor industrial é o caminho que a gente tem de tomar com certa urgência”, continua.
O presidente da Agência de Desenvolvimento disse que em maio a região terá um grande evento reunindo empresas, universidades e o poder público, mas a ideia é fazer grupos de trabalho permanentes. Adianta que será feita a discussão sobre o futuro da indústria, mas não vai ser uma atividade isolada, será um debate sobre a indústria, com os atores da região, as universidades, os trabalhadores, as empresas “Mas a gente quer fazer a atividade e prosseguir com alguns grupos de trabalho setoriais. Estamos discutindo principalmente com as unidades do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) na região e associações empresariais para termos um diagnóstico setorial. Queremos entender o que cada setor planeja para o futuro, fazer um balanço setorial para depois a gente encerrar com o poder público regional – consórcio e prefeituras – para desenhar um pacto regional. A gente tem dialogado com o consórcio para pensar os próximos passos para não deixar mais a indústria sair do ABC”, diz Aroaldo Oliveira da Silva. O dirigente concorda com Freitas e Ferreira sobre a falta de política industrial para o País. “Na medida que a gente não tem uma política industrial nacional, tem um desmonte da indústria, queda da renda dos trabalhadores e aumento do desemprego, e a indústria vai ser afetada em algum momento”, afirma.
Maturidade
Fábio Danilo Ferreira diz que o problema é a maturidade da política de inovação do País. Acredita que falta maturidade mesmo do Brasil como um todo de questões ligadas à indústria mais competitiva e mais inovativa. A lei de inovação é de 2004, diz, completa 18 anos. Só em 2016 veio o marco da inovação que completou o ciclo em 2018. São legislações recentes e por mais que já existam e repliquem experiências internacionais, o Brasil está atrasado. “A gente precisa se apropriar delas e entender melhor como tirar benefícios. Se olhar as agências de fomento, antes a gente tinha muito mais o movimento da universidade, do pesquisador, hoje se tem projeto e linhas de fomento que vão muito mais para as empresas ou para parcerias entre institutos de pesquisas e empresas. Enxergo que a gente precisa amadurecer sobre como se apropriar desses instrumentos de inovação que estão postos e como tirar esse proveito, como a gente pode se articular conseguir aproveitar melhor essas oportunidades de fomento que existem. E como fazer um projeto mais coordenado aqui para a região”, completa.
O presidente da Agência reforça o entendimento de que o emprego industrial perdido nos últimos anos não foi totalmente absorvido pelo setor de serviços e diz que é possível recuperar o protagonismo da indústria do ABC. “O triste no Brasil é que a gente fez esse processo muito acelerado sem organizar de forma mais estruturante a economia. O nosso setor de serviços não está organizado, mais estruturalmente, presta serviços mais qualificados, com mão de obra mais qualificada e agrega valor. Mas a gente pode corrigir o rumo, porque a nossa região é industrial, a gente tem um parque industrial”, ressalta.
Aroaldo Oliveira da Silva cita algumas medidas tomadas. Conta que em duas semanas foi retomado o polo de cosméticos de Diadema. Santo André tem uma indústria da borracha importante e duas iniciativas importantes, uma com a UFABC, onde começa a fazer um trabalho com as empresas sobre reconversão industrial. Para as empresas que estão com metade da capacidade ociosa o que é possível fazer com o equipamentos delas, de diferente do setor automotivo? Isso o poder público pode dar suporte, é uma parceria”, diz. Outra parceria é com a USCS, que lançou o hub de inovação que já tem um trabalho de mapeamento das empresas; um dos pilares é a indústria 4.0 e como as indústrias podem se atualizar tecnologicamente. “Temos uma região organizada para a indústria, tem capacidade, tem um território de conhecimento que está voltado para a indústria. Somos uma região industrial e tem de usar o potencial de todos os atores que para dar suporte para essa indústria”, finaliza.
O professor da USCS é da mesma opinião, segundo Freitas, o ABC continuará com vocação para indústria. “A vocação industrial não vai deixar de existir, a indústria é forte e continuará assim. A solução não é reorientar a economia do ABC, mas tirar dela o que ela pode oferecer”, completa Lúcio Flávio da Silva Freitas.
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Seção: Economia