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 Site Valor Econômico - São Paulo/SP

Publicado em 22/03/2022 - 08:32 / Clipado em 22/03/2022 - 08:32

Gestão integrada racionaliza recursos



Conceito de “nexo” água-energia-alimentos avança na agenda pública e entre pesquisadores


Por Mônica Magnavita — Para o Valor, do Rio


O aumento da demanda por água, energia e alimentos caminha em direção inversa à finitude de recursos naturais. Esse debate começou a ganhar volume a partir do Fórum Econômico Mundial, que em 2011 divulgou documento alertando que a agricultura global, que demandava 3,1 bilhões de m3 de água naquele ano, atingiria 4,5 bilhões de m3 em 2030, se nada fosse feito. Surgia, então, o conceito de “nexo”, com base na interdependência entre os vértices do triângulo.

De lá para cá, o tema avançou na agenda pública e privada e várias pesquisas acadêmicas foram realizadas. Uma delas, do professor Leandro Luiz Giatti, do departamento de saúde ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. Com financiamento da Fapesp, Giatti concluiu no ano passado seu estudo sobre o nexo água-energia-alimentos na macrometrópole paulista, onde analisou 180 municípios, concluindo que há entre eles os “perdedores” e os “vencedores”. Os primeiros, são fontes de serviços ecossistêmicos, como a água, mas sofrem com injustiça ambiental. Os demais têm acesso à tríade do nexo e possuem IDH elevado. A seguir, os principais trechos da entrevista.


Valor: De que maneira o nexo água-energia-alimento pode contribuir para melhorar a gestão de recursos naturais, sobretudo a água?

Leandro Luiz Giatti: O nexo vai trabalhar na base de como as cadeias de água, energia e alimentos são interdependentes e há inevitáveis trade offs, que são as compensações. O que isso significa? Para fornecer água vou precisar de energia e essa água para energia fará falta na produção de alimentos. Não é simples, porque temos que incluir milhões de pessoas em melhores condições de vida, e isso significa prover mais água, energia e alimentos. Só que há escassez desses recursos, e para melhorar esse atendimento é preciso haver mais água e mais energia. O interessante do nexo é entender mais profundamente essas relações. Por exemplo, quanto preciso de energia para fornecer cada metro cúbico de água? Qual a dependência hídrica de cada matriz energética? Quanto preciso de água e energia para produzir um quilo de carne? Essas possibilidades fazem com que o nexo seja uma abordagem mais pragmática para vencer o desafio da interdependência.


Valor: Como concretizar essa abordagem?

Giatti: Demanda gestão integrativa. Há ferramentas no planejamento territorial para aplicar o nexo. Todo produto industrializado que chega às cidades está relacionado a essas cadeias e à escassez hídrica. Como posso fornecer mais água para a população sem aumentar substancialmente a demanda por energia? Aí é que entra o nexo. A macrometrópole paulista é um território de escassez hídrica, e água está no X da questão. Na região metropolitana de São Paulo há tradição de buscar água cada vez mais longe, o que significa gastar mais energia em transporte e distribuição. Quais são as medidas concretas para reduzir esse gasto? Preservar nossas fontes de água locais. São Paulo, ao mesmo tempo que buscou água longe, condenou seus recursos hídricos. Se preservássemos esses recursos, se tratássemos mais os esgotos, teríamos mais fontes locais de água.


Valor: Como a cadeia de alimentos se insere nessa abordagem?

Giatti: Um planejamento territorial que fortalece o cinturão verde nas grandes cidades é uma alternativa, porque ao produzirmos alimento fresco próximo ao local de consumo atenuamos toda essa cadeia. O projeto que deu mais repercussão foi em uma comunidade periférica urbana, em Guarulhos. Lá, há dificuldade de acesso à água, à energia e a alimentos. Aquela região era um deserto alimentar. Uma ideia foi a de fortalecer a agricultura urbana ou oferecer feira livre com incentivo do governo. Produzir mais perto do consumidor, visando a sustentabilidade e a saúde pública.


Valor: Seu estudo sobre 180 municípios em São Paulo apontou municípios perdedores e vencedores. Como foi feita essa avaliação e qual a solução?

Giatti: Vários municípios periféricos brasileiros oferecem serviços ecossistêmicos para a metrópole. Eles são fundamentais porque sem eles não há água, mas apresentam baixo IDH. São municípios negligenciados, com pouco crescimento e inclusão social. As leis de proteção de mananciais são importantes para a metrópole, mas não devolvem benefícios para a população dos locais de origem. Estudamos o fluxo desses serviços a fim de entender onde há nexo e como podemos compensar isso. Fizemos uma análise entre o IDH dos municípios e o consumo per capita de água. Concluímos que quanto mais aumenta o IDH da região, maior é a demanda hídrica, mesmo sem expressivo crescimento populacional, o que é muito preocupante. Se nada for feito, no futuro não haverá água para todos. É aí que entra o nexo como gestão integrada. O problema não é só da água, é de energia e acesso aos alimentos.

O maior IDH e o maior consumo hídrico em São Paulo é do município de São Caetano do Sul. Se perseguirmos esse IDH como o ideal para a cidade São Paulo, com mais 11 milhões de habitantes, imagine em quanto aumentará a demanda hídrica. Não há como lidar com essa questão sem encontrar formas de atender a demanda crescente dessas populações, que são legítimas.


https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2022/03/22/gestao-integrada-racionaliza-recursos.ghtml

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