
Publicado em 20/05/2024 - 08:10 / Clipado em 20/05/2024 - 08:10
Pancadões causam problemas de saúde sérios e irreversíveis a longo prazo
George Garcia
Um dos problemas muito comuns, principalmente nas regiões periféricas das cidades, é o pancadão ou baile funk. Para quem defende a prática a justificativa é a falta de opções de lazer, mas o fato é que uma série de irregularidades são cometidas perante posturas municipais e até questões de segurança pública. Mas um problema que só se percebe a longo prazo é a saúde a que os moradores destes bairros estão sujeitos por conta do barulho e a privação do sono.
Num primeiro momento, a sonolência durante o dia, por causa de uma noite em claro traz irritabilidade e baixa produtividade além de risco aumentado para acidentes com quem dirige ou opera máquinas. A longo prazo surgem os problemas mais sérios, como insônia crônica, hipertensão e, no caso das crianças, problemas cognitivos de desenvolvimento e crescimento.
Para médica do sono e pediatra Beatriz Sardano, assistente voluntária do Ambulatório de Sono Infantil da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), o sono é um dos pilares da saúde. “Não tem como se ter uma saúde ideal sem ter sono em quantidade e qualidade. A privação do sono é o mal do século, é epidêmica. Por conta dos fatores externos, como ruídos urbanos que podem vir de avenidas, indústrias e o pancadão”, analisa.
As consequências imediatas da falta de sono podem ser contornadas, mas se esses fatores externos continuarem a pessoa pode desenvolver insônia e outros problemas de saúde que requerem tratamento contínuo, caso da hipertensão. “A pessoa deve ter um local e condições apropriadas para o sono. Se há dificuldade de iniciar o sono por fatores externos deve-se buscar alternativas viáveis, um tampão de ouvido, daqueles que se usa como EPI (Equipamento de Proteção Individual) no ouvido pode ajudar. Dormir ou tirar cochilos durante o dia pode reduzir um pouco a irritabilidade, mas não é o ideal”, explica.
Isso é o que faz o motorista de aplicativo que vive em uma comunidade periférica na região. Ele pediu para não ser identificado, mas conta que tira cochilos dentro do carro quando sente que o sono prejudica a concentração. A comunidade onde mora é alvo de pancadões praticamente todos os dias da semana. “Para dormir é embaçado. A gente fecha porta, janela, mas tem dia que a gente não consegue, aí eu saio para trabalhar às 6 da manhã com sono. Mas eu ainda tenho a sorte de encostar o carro e dar um cochilo, mas e quem trabalha em firma que tem de cumprir horário? É o caso dos meus vizinhos, que têm até filho doente por causa da fumaça de cigarro e narguilé além do barulho”, relata o motorista.
Para a médica da FMABC, o sono durante o dia tem um papel mais de redução da irritabilidade, mas não recupera totalmente o sono perdido na noite. “O ser humano é programado para dormir à noite, por isso o sono do dia não é igual ao sono da noite, então esses cochilos não substituem a noite mal dormida, não são compensatórios”, afirma.
Outra saída seria o uso de medicamentos com capacidade de relaxamento para ajudar a dormir. “Mas esses medicamentos têm uma taxa de tolerância e dependência muito alta e podem trazer problemas futuros, por isso o remédio nunca é a primeira opção”, ressalta a médica.
O morador ouvido pelo RD confirma o que a médica especialista em sono diz. “Eu já tomei, receitado pelo médico, mas não me dei muito bem porque eu ficava meio ‘grog’ o dia todo, por isso eu parei”, diz.
Reversão
A médica explica que é possível reverter os danos causados pela falta de sono adequado. “Cessando o fator externo, ainda pode ser que a pessoa tenha dificuldade para dormir por ter desenvolvido gatilhos e maus hábitos para iniciar o sono, como ficar ligado em telas de Tv, computador ou celular, porque o sono não vem, ou pode se apegar a um medicamento, pois ficou habituado a só dormir se tiver um remédio. Essas situações podem levar a uma insônia crônica, mas é possível reverter com tratamento”, diz Beatriz Sardano.
Crianças que vivem em locais onde acontecem os pancadões também sofrem bastante os efeitos da falta de sono. “Nos primeiros dois anos de vida criança está na fase desenvolvimento das habilidades neuromotoras. É à noite, durante o sono, que são liberados os hormônios do crescimento e se ela não tiver o sono profundo e ideal pode ter problemas cognitivos”, diz a especialista em sono da FMABC.
Pancadão aumenta mesmo com o reforço de operações para combatê-lo
Levantamento feito por cinco prefeituras da região, a pedido do RD, mostra que a situação de pancadões aumentou. Consideradas todas as situações de perturbação do sossego, não apenas em vias públicas mas em estabelecimentos que promovem shows com música alta e muita aglomeração de pessoas, é possível notar que as situações deste tipo têm aumentado, as operações e conjunto feitas entre fiscais das prefeituras, Guardas Civis e a Polícia Militar se intensificaram, mas ainda não conseguem dar conta do problema.
Diadema é a cidade com maior número de pancadões e a Prefeitura tem mapeados os pontos críticos, que são alvos de operações Paz e Proteção, em conjunto com a PM. O número de operações aumentou 20,31% no primeiro quadrimestre deste ano comparado com o mesmo período de 2023. Foram 128 operações no ano passado e 154 neste ano. Somente quanto às denúncias atendidas e classificadas como pancadão, foram nove nos primeiros quatro meses do ano passado contra 16 neste ano. O número de pessoas abordadas foi de 1.743 janeiro a abril de 2023 e 2.286 neste ano, alta de 31,15%. Houve ainda apreensões de 13 armas e 51 apreensões de drogas neste ano, contra nenhuma no ano passado.
De forma integrada com a Polícia Militar e apoio da Polícia Civil, a GCM Diadema tem atuado preventivamente para inibir a formação de pancadões, festas irregulares e outras perturbações do sossego público. “Para isso, criou em 2021, a Operação Paz e Proteção que consiste em ocupar antecipadamente os locais nos quais acontecem essas aglomerações, sempre no final de semana. Os pontos mais críticos são: Morro do Samba, Conjunto Júpiter/Piratininga e Núcleo 18 de Agosto, além de outros locais estrategicamente definidos a partir das denúncias recebidas. Além dessas ações contra aglomerações, a GCM e a PM criaram, alguns meses atrás, a Operação Força Integrada que consiste em bloqueios que priorizam a fiscalização de motocicletas, contribuindo também para o enfrentamento às perturbações do sossego público”, diz a Prefeitura em nota.
Em São Bernardo os registros de pancadões neste ano foram um pouco menos, mas basta olhar para as apreensões de veículos paa perceber que o problema cresce, apesar das ações de controle. “No primeiro quadrimestre de 2023, o município registrou 28 dispersões em festas clandestinas. Neste ano, no mesmo período, foram 21 dispersões. Foram apreendidos quatro veículos de som potente em 2023 e, no mesmo período deste ano, 69”, informa a Prefeitura.
Desde 2013 a lei municipal 6.323 regula o controle de som emitidos por veículos em São Bernardo e desde dezembro do ano passado a lei 7,274 e o decreto municipal n° 22.514, que permitem à GCM realizar o encerramento imediato das atividades dos estabelecimentos que estejam causando perturbação do sossego público e, na reincidência, autoriza o fechamento ou a lacração do estabelecimento infrator por parte da Secretaria de Segurança Urbana.
“A Guarda Civil Municipal, em parceria com outras secretarias, realiza ronda preventiva em locais com histórico de denúncias, além do mapeamento dos estabelecimentos que costumam causar perturbação de sossego, inclusive daqueles que promovem bailes nas ruas e que impedem os moradores de ter livre acesso à entrada de suas casas de madrugada”, informou a Prefeitura de São Bernardo.
São Caetano informa que não tem registro de pancadões, mas há atuação sobre estabelecimentos comerciais. “Em 2023, foram realizadas 15 operações no combate à perturbação do sossego público em geral, em bares e restaurantes. O setor de Fiscalização multou 10 estabelecimentos e lacrou 2. Já foram identificados 14 pontos críticos na cidade (locais onde ocorrem a maior parte das reclamações relacionadas a barulho em estabelecimentos comerciais) e, como atividade de prevenção, a Fiscalização faz ronda periódicas nestes locais”, informa nota enviada pela prefeitura.
Em Santo André o número de operações especialmente contra pancadões diminuiu, foram 16 nos quatro meses iniciais do ano passado e quatro neste ano. No domingo (12/5) a Polícia Militar, com apoio do helicóptero Águi, dispersou um pancadão no Jardim Cristiane, um dos pontos críticos. Além dele Sítio dos Vianas, Jardim Santo André e Parque Capuava estão na mira das autoridades.
Quando há estabelecimentos envolvidos há multa. “O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) informa que, por meio da equipe de Fiscalização Ambiental, autua os estabelecimentos comerciais com multas que variam entre 150 e 300 FMPs (Fator Monetário Padrão, multa que pode chegar a R$ 1.590). Há outras penalidades previstas, a depender da reincidência da infração, que podem incluir apreensão de equipamentos ou interdição do local. A Guarda Civil Municipal atua contra veículos no âmbito de suas atribuições. Está em processo a revisão da legislação que versa sobre o combate a poluição sonora em estabelecimentos comerciais. Além disso, as operações integradas entre os departamentos de fiscalização e a Guarda Civil Municipal foram intensificadas”, diz o Paço.
Rio Grande da Serra diz que as atribuições da GCM são limitadas, mas se estuda mudança na legislação para facilitar a atuação nestes casos. A cidade diz que não tem registro de pancadões, mas sim de estabelecimentos que promovem a perturbação do sossego. “A Guarda Civil Municipal de Rio Grande da Serra não possui meios legais para aplicação de multas para tais situações nem meios para fazer autos de infração e apreensão de nenhum tipo de veiculo ou equipamentos. A legislação vigente prevê a proibição de qual quer tipo de evento que cause desordem, perturbação do sossego e obstrução de vias sem previa autorização da autoridade competente. Hoje a Guarda Municipal tem competência para atuar, mas faltam regulamentações para dar legitimidade nas ações. Há um projeto de regulamentação para dar os meios necessários de fiscalização aos agentes da GCM, que poderá colaborar de forma recorrente atendendo e dando cumprimento as legislações vigentes”, explica a prefeitura. Os locais de maior incidência são Chácara da Raposa, Jardim Nakamura e Sítio Maria Joana estão entre eles.
As prefeituras de Mauá e Ribeirão Pires não responderam
Polícia Militar
O comandante do CPA/M6 (Comando de Policiamento de Área – Metropolitano 6) que corresponde ao ABC, coronel Elizeu Sebastião da Silva Filho, informa que a Polícia Militar, atua por meio da Operação “Paz e Proteção”, realizada principalmente nos finais de semana para coibir a aglomeração de pessoas para a formação de “pancadões” e impedir práticas delituosas em locais públicos, em pontos mapeados pela PM, no qual o policiamento é intensificado para impedir que as pessoas se aglomerem, atuando de maneira preventiva.
“Dessa forma, apoiamos os órgãos estaduais e municipais, bem como a Polícia Civil para que através de investigações apurem quem são os organizadores, responsabilizando-os criminalmente, se for o caso. Com isso, os programas de patrulhamento preventivo e ostensivo ampliaram suas atividades, pontos de policiamento e apoios à Vigilância Sanitária (estadual e municipais), durante as ações de fiscalização conjunta, sem prejuízo das medidas administrativas por parte da Polícia Militar, como apreensões de veículos e objetos quando constatada a irregularidade”, diz o comandante.
“O patrulhamento preventivo está sendo intensificado nos referidos locais e imediações com ações policiais de visibilidade, abordagens a indivíduos em atitudes suspeitas, veículos, motocicletas, entre outras consequências da ação policial, acrescidas ao planejamento operacional desenvolvido para mitigar a prática de crimes naquela região”, completa o coronel da PM.
Veículo: Online -> Site -> Site Repórter Diário
Seção: Cidades