
Publicado em 08/04/2024 - 08:15 / Clipado em 08/04/2024 - 08:15
ABC registra 7 casos de violência contra deficientes ao dia pelo Disque 100
George Garcia
Mais de 630 casos de violência contra pessoas com deficiência foram registrados no ABC em 2024, o que equivale a sete ocorrências ao dia, conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do Disque 100. A maioria dos casos (88%) ocorreu em decorrência de violência física, que envolve cenários de abandono, agressão, maus tratos, insubsistência (material e intelectual) e exposição de risco à saúde.
Dentre as sete cidades do ABC, Mauá encabeça o número de ocorrências. Segundo levantamento, de janeiro a março deste ano, já foram contabilizadas 441 denúncias e 2.708 direitos humanos foram violados. Se levarmos em conta os meses contabilizados até então, são quase cinco casos de violência contra deficientes ao dia, no município. Do total, 395 denúncias (89,5%) envolvem violência física.
No ano passado, somente no segundo semestre, Mauá também despontou em primeiro lugar o índice de denúncias de violência contra a pessoa deficiente. Foram 121 denúncias e outras 706 violações dos direitos humanos, sendo 106 destes crimes registrados como violência física (87,6%) e 264 violações de direitos humanos na modalidade.
O levantamento de 2024 aponta que São Bernardo está em segundo lugar nas estatísticas, com 74 ocorrências registradas e 444 violações. Do total, foram 61 denúncias de violência física, o que corresponde a 82,4% do índice. Santo André aparece em terceiro lugar, com 58 denúncias e 310 violações contabilizadas em 2024. São 46 denúncias de violência física e outras 124 violações. Diadema aparece na sequência com 19 denúncias de violência e 121 violações, sendo que 17 ocorrências são de violência física e 46 violações.
São Caetano e Ribeirão Pires contabilizaram, juntas, 30 denúncias de violência contra a pessoa deficiente, sendo 15 casos em cada município. No segundo semestre de 2023 foram 15 e 14 denúncias, respectivamente. Rio Grande da Serra registrou, tanto em 2024 quanto no segundo semestre de 2023, sete denúncias em cada período.
*Importante citar que os números podem ser ainda maiores, em razão da subnotificação e a falta de estatísticas qualificadas para dimensionar o problema.
Subnotificação
Para a advogada Renata Valera, especialista em Direito Médico e da Saúde, esses dados precisam ser melhor qualificados, tendo em vista a quantidade de casos que existem e não contabilizados. “Observo que muitas vítimas não entendem que uma situação que sofreram se enquadra como violência (embora tenham se sentido ofendidas) e muitas outras, mesmo tendo a consciência da violência, preferem não fazer nada, por medo de represálias”, explica.
Para driblar a questão, Renata defende que o tema seja mais divulgado, a fim de gerar maior conscientização das pessoas em geral, o que poderia ajudar, a longo prazo, na mudança de comportamento cultural e social. “Muitas coisas que eram permitidas na televisão (por exemplo), não são mais. Coisas que as pessoas faziam ‘inocentemente’ também não são mais bem vistas. Então, noto que houve uma mudança social em cerca de 10 ou 20 anos, com a transformação nas percepções no decorrer do período”, analisa ao citar que isso demonstra a capacidade da sociedade evoluir com o tempo.
Violência psicológica
Apesar dos dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania escancararem que a violência física lidera o topo de ocorrências na região, a advogada acredita que, na realidade, a violência mais sutil seja a que ocorre na maioria dos casos, mas, subnotificada, a psicológica. “A violência física é facilmente perceptível, qualquer pessoa entende do que se trata quando presencia uma. Porém, a violência psicológica ou a negligência são as mais difíceis de serem notadas, principalmente pelas pessoas que não têm deficiência”, comenta.
A advogada comenta que certa vez atuou no caso de uma menina de 20 anos que tinha a doença “ossos de vidro”. Na época, a garota cursava o segundo ano de Psicologia, e não podia subir as escadas da universidade em razão de sua saúde e, por isso, precisava usar o elevador da faculdade. Em uma determinada ocasião, uma professora resolveu dar a aula no segundo andar do prédio, pois naquela sala tinha ar condicionado e no térreo – onde a menina estudava – não. Mesmo após expor os obstáculos, a menina não participou da aula e ainda recebeu um comentário maldoso na frente de todos.
“Lembro que ela acabou não querendo fazer nada contra a professora ou contra a faculdade. Foi feita apenas uma reclamação formal na direção da faculdade (que não deu em nada). Em uma sala de cerca de 50 alunos e uma professora, apenas uma aluna se dignou a ajudar a moça. Apenas uma aluna entendeu que aquilo seria um problema e percebeu a violência contra uma pessoa com deficiência”, lembra.
Segundo Renata, houve sofrimento e dano psicológico para a pessoa com deficiência, bem como privação de acesso adequado à educação e prejuízo em seu desenvolvimento acadêmico. Apesar de não existir agressão física ou ameaça, ocorre um tipo de negligência, podendo ser por parte da família, instituições, profissionais, ou constrangimento e intimidação sutil, como bullying, manipulação, humilhação, isolamento, ridicularizarão, exploração, indiferença, comprometendo o emocional e/ou o estado psíquico da pessoa com deficiência, que tem até dificuldade em identificar a violência.
Legislação
Diante da problemática, Renata analisa que são poucas as leis no Brasil sobre pessoas com deficiência. A principal delas é a lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que trouxe avanços para a promoção da inclusão e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, como a consolidação de diversos direitos das pessoas com deficiência em um único documento. Porém, ainda há muito o que avançar, com questões de promoção da acessibilidade, incentivos à inclusão do mercado de trabalho, educação e atendimento prioritário. “Não vemos uma garantia efetiva e falta tratar melhor a questão da punição daqueles que descumprem as previsões do Estatuto”, diz.
Ainda na visão da advogada, também existe muita falta de informação, a exemplo dos planos de saúde que negam tratamento a pessoas com transtorno do espectro autista (T.E.A.). “Os processos, teoricamente, possuem prioridade de tramitação, mas não se observa que realmente eles tramitam na velocidade necessária para garantir a eficiência e eficácia da prestação jurisdicional do Estado para garantir os direitos daquela pessoa”, defende. Portanto, embora exista legislação para promover e garantir os direitos das pessoas com deficiência, há muita ineficiência prática no que diz respeito ao resguardo das pessoas com a dignidade a que fazem jus, segundo Renata.
Em casos de denúncias, acione o 190 ou o Disque 100.
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Seção: Cidades