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Blog Marcos Dantas

Publicado em 13/12/2023 - 08:50 / Clipado em 13/12/2023 - 08:50

De royalties a multas, como 89 cidades financiam passe livre, que começa domingo em São Paulo


 

 O passe livre que começará a valer a partir de domingo para as 1.175 linhas de ônibus de São Paulo, maior cidade do país, já é adotado por 89 municípios brasileiros, que optaram pelas mais variadas formas de financiamento para liberar as catracas. Nesses lugares, o dinheiro que sustenta o benefício vem de royalties, multas de trânsito, corte de gastos com propaganda municipal ou mesmo de receitas com publicidades veiculadas nos próprios transportes coletivos.

Fora do Brasil, o ônibus 0800 atende a moradores de países como Estados Unidos, França, Canadá e Polônia. Para implementar a novidade, a capital paulista vai renunciar a R$ 283 milhões por ano, cobertos inicialmente com o aumento de receitas, para se tornar o 27º município do estado a adotar o passe livre.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertam, contudo, que não há viagem grátis. Parte deles teme que a novidade válida em São Paulo — apenas para domingos, Natal, réveillon e aniversário da cidade — ameace a sustentabilidade de outros modalidades de transporte. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) criticou a falta de integração com metrôs e trens e questiona o anúncio da medida sem a previsão dos impactos na região metropolitana.

— Vai aumentar muito a demanda, e deve haver uma migração de passageiros que usam trens ou metrô — comenta o coordenador do programa de mobilidade urbana do Idec, Rafael Calabria.

O caso também gerou reações na trincheira política. Adversários acusam o prefeito da capital paulista e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), de oportunismo ao anunciar o passe livre a menos de um ano do pleito municipal de 2024.

Para cobrir o que deixará de entrar no sistema de transportes, o Orçamento aprovado em primeiro turno pela Câmara Municipal paulista destinou R$ 500 milhões ao programa. O valor também será usado para bancar a gratuidade no transporte de idosos, que vigora em todos os dias da semana. Segundo o relator do projeto, vereador Sidney Cruz (SD), os recursos virão do aumento das receitas do município, e não de outros programas. O texto passará por uma segunda votação.

O custo soma-se ao subsídio já pago pela prefeitura que atingiu de janeiro a outubro, a quantia recorde de R$ 4,9 bilhões — no mesmo período do ano passado, foram R$ 4,4 bilhões transferidos do Tesouro municipal para a SPTrans, que administra o sistema de ônibus na cidade.

A maior cidade do Brasil, porém, segue o rumo de vizinhos. O mais recente deles a aderir ao sistema gratuito foi Santa Isabel, na própria Região Metropolitana de São Paulo, no início do mês. Em São Caetano, a catraca livre entrou em vigor em novembro. A maior parte dos recursos para a política, estimada em R$ 2,9 milhões mensais, vem das multas de trânsito.

— Fizemos um estudo que mostrou que podíamos complementar o subsídio que já era pago. Em um mês, vimos o número de passageiros aumentar 120%. Isso ajuda a alavancar a economia e a desoneração para as empresas — afirma o prefeito José Auricchio Júnior (PSDB).

Ainda na Grande São Paulo, Vargem Grande Paulista (50 mil habitantes) oferece transporte gratuito desde 2019. A administração municipal passou a cobrar contribuição dos empresários locais e a complementar o valor com publicidade nos veículos e multas de trânsito.

Com mais de 350 mil habitantes, Caucaia é a cidade mais populosa com passe livre nos ônibus. A iniciativa é mantida com recursos de cerca de 3% de orçamento anual do município cearense (R$ 36 milhões). Segundo a prefeitura, inicialmente foram cortadas verbas da publicidade (o orçamento para essa atividade hoje é a metade do que se aplicava antes da tarifa zero) e a medida ajudou a aumentar a arrecadação do município, ao aquecer a economia local. O uso do transporte individual, ainda de acordo com a administração local, caiu 40%.

Em Maricá (RJ), os recursos dos royalties do petróleo bancam a gratuidade no transporte público, que além dos ônibus inclui também bicicletas compartilhadas. A Empresa Pública de Transporte, que opera o programa, tem orçamento de R$ 185 milhões, que equivale a 2,5% das despesas totais do município.

O coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Vladimir Maciel, avalia que a gratuidade poderia ser pensada para grupos prioritários, como a população de mais baixa renda. Mas a medida, quando fica universal, pode representar um risco para o orçamento de outras áreas, afirma:

— O dinheiro tem que sair de algum lugar. De onde? Da saúde? Da educação? Os subsídios para o transporte já são uma despesa cavalar. Não acho que seja viável para uma cidade do porte de São Paulo.

O pesquisador Daniel Santini, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela USP, reconhece que além de multiplicar o número de passageiros, a medida está ligada à redução dos congestionamentos e ganhos ao comércio local — em Santa Bárbara d’Oeste (SP), uma associação comercial local estimou em 15% o prejuízo com o fim da medida, que vigorou na cidade de 2013 a 2014.

Mas Santini avalia que a tarifa zero deveria vir acompanhada de uma revisão das remunerações das empresas. O pesquisador defende que o valor pago às operadoras seja calculado com base no custo real de operação, e não no número de passageiros, o que incentiva a superlotação:

— Só implementar a gratuidade sem mudanças nos contratos vai criar um “Bolsa Empresário”. Teriam um subsídio generoso e passariam a discutir os reajustes só com a prefeitura, sem a participação da população.

Alvo de críticas, Ricardo Nunes, que considerava a tarifa zero aos domingos desde o ano passado, afirmou que não será preciso ampliar os gastos com mais ônibus porque os veículos já circulam aos domingos com 60% dos assentos vagos. Com o potencial de se tornar sua principal bandeira para tentar se reeleger em 2024, ele defende que a medida vai incentivar a ida a espaços públicos, com reflexos positivos na economia.

— Teremos uma ativação da economia importante, com mais gente vendendo água, pipoca, algodão doce. Será uma grande oportunidade para a população ter acesso aos nossos parques, ao esporte, lazer, cultura — defendeu o prefeito.

A gradual alta nos valores pagos pela prefeitura ajudou a compensar a perda das empresas do serviço com a queda no número de passageiros. Nos últimos 12 meses, foram pouco mais de 2 bilhões de embarques nos ônibus municipais. Há dez anos, era perto de 3 bilhões.

Metrô e trens metropolitanos, de responsabilidade estadual, continuarão cobrando a passagem de R$ 4,40. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já disse ser “absolutamente contra” a tarifa zero.

 

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Seção: São Caetano