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 Site Valor Econômico - São Paulo/SP

Publicado em 26/11/2023 - 08:35 / Clipado em 26/11/2023 - 08:35

Ensino continuado de nível médio e faculdade forma primeira turma em SP


Primeiras turmas são egressas das Etecs e Fatecs de São Caetano do Sul (Grande São Paulo), Americana (interior) e da capital paulista

 

Por Valor / São Paulo

 

Ter uma formação profissional ao concluir o ensino médio, começar a trabalhar e em seguida conquistar a oportunidade de avançar nos estudos sem precisar mudar de carreira. Essa é a lógica que orienta a Articulação dos Ensinos Médio Técnico e Superior (AMS), projeto do Centro Paula Souza, instituição do Estado de São Paulo para o ensino técnico.

Este ano marca a formatura da primeira turma do projeto, iniciado em 2019. São alunos formados nos cursos técnicos de nível médio nas Etecs, as escolas públicas com formação técnico-profissional, que podem continuar a formação técnica na mesma área ao ingressar no curso superior equivalente a sua área de formação em uma Fatec, a faculdade para formação de tecnólogos.

As primeiras turmas são egressas das Etecs e Fatecs de São Caetano do Sul (Grande São Paulo), Americana (interior) e na capital paulista. Etecs e Fatecs são geridas pelo Centro Paula Souza.

Nove cursos passaram por reformulação curricular para dar ao aluno a oportunidade de formação continuada no nível médio e superior. “É a primeira turma que conclui cursos nesse modelo, então não há com o que comparar ainda”, afirma Almério Melquíades de Araújo, coordenador do ensino médio e técnico no CPS. “Mas a permanência no superior é uma exuberância.”

Dos 120 estudantes que ingressaram no ensino médio via o programa, 79 (66%) devem concluir os itinerários escolhidos no superior. Embora a verticalização curricular seja um tema debatido há mais de 30 anos, argumenta Araújo, essa é uma proposta sem precedentes. E há nela “características muito próprias”.

Em síntese, no AMS o currículo escolar é considerada toda a trajetória, desde o primeiro ano do médio técnico. Com isso, não há sobreposição de conhecimentos. Os alunos terminam o caminho escolhido em até cinco anos e meio — três no ensino médio, dois a dois e meio na Fatec. E ainda pode cursar especializações de nível superior e pós-graduações na própria área ou em outra.

Araújo afirma que o modelo busca resolver o “sombreamento” curricular, fator que afeta o interesse e a permanência dos estudantes nos cursos. Esse problema é comum porque parte-se do pressuposto que o aluno não conhece o tema (uma realidade do estudante que chega do ensino médio convencional). Como as propostas curriculares partem do zero no superior, é inevitável que a repetição em algum momento.

Com o redesenho dos currículos no programa, a redundância deixa de existir. “No AMS, a instituição se antecipa para evitar essa repetição”, diz. Quando há sobreposição desse tipo nas faculdades, cabe ao aluno provar que já adquiriu aquele conhecimento e solicitar mudança nos créditos que precisa cursar. Mas esses estudantes acabam caindo em “emaranhados burocráticos”.

Ocorre o desestímulo e parte dos estudantes chega a desistir.O programa continuado também elimina ou minimiza a heterogeneidade da turma quando alcança o ensino superior, o que torna a capacitação mais ágil e uniforme — e libera os professores do trabalho extra de recuperar o tempo perdido com parte da turma. “Não estamos dizendo que se trata de uma panaceia que vai resolver os problemas do mundo. Mas os resultados de permanência são mais altos”, ressalva Araújo.

Após o piloto, o CPS ampliou o alcance do modelo. Para o primeiro semestre de 2024 a oferta será de quase 2 mil vagas, com envolvimento de 30 Etecs e 29 Fatecs. Há oferta de trajetórias profissionais em administração, química, desenvolvimento de sistemas, logística, agronegócio, informática para internet, mecatrônica, meio ambiente e automação industrial.

O programa tem parceria com cerca de 40 empresas (as pioneiras foram IBM e Volkswagen). No ano que vem, 23 companhias vão ingressar na lista. O papel das companhias é contribuir com a construção de grades e oferecer 200 horas de atividades aos alunos.

Priscilla Tavares, professora em economia da Educação da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP FGV), vê o modelo como inovador. “O ensino médio técnico costuma entregar formação, dependendo do objetivo do aluno. É uma escola com um fim em si mesma, mais engajadora e motivadora, que não serve apenas como plataforma para o superior”, diz. “Mas a ideia de aliar à possibilidade do superior é interessante em algumas áreas”.

Um chef de cozinha, por exemplo, pode cursar um “bom curso técnico” e estará apto. Já o nutricionista precisará desenvolver conhecimento que depende da academia e, portanto, do superior, exemplifica. Mas há diversos segmentos em tecnologia que, a depender da perspectiva profissional, o superior será necessário, diz.

Lucas Aguiar Barreto de Souza, de 19 anos, escolheu um desses caminhos. Ele é um dos alunos do piloto do AMS, e se forma em 2023 em análise e desenvolvimento de sistemas. A motivação está entre os destaques da experiência. “Foi entregue uma base forte de tecnologia, o processo de adaptação foi difícil, mas muito empolgante ao mesmo tempo”, conta. “E ainda houve um complicador: passar por isso na pandemia, quando não tinha como tirar dúvidas toda hora”.

O estudante destaca palestras, visitas e interação com empresas parceiras nos anos cursados que ajudaram a chegar mais preparado para um estágio na IBM. “Eu tinha medo de começar, por ser uma empresa muito grande [IBM], de ter que enfrentar desafios sozinho para atender demandas. Porém, logo na primeira semana essa expectativa se quebrou. Toda equipe se dedicou a me acompanhar e a me ensinar. O ambiente me ajudou a aumentar a dedicação”, conta. Ele foi efetivado pela companhia.

Segundo o CPS, o único modelo similar ao AMS é o “Verticaliza”, lançado pelo Ministério da Educação no ano passado. Para os educadores, o Brasil ainda precisa vencer um preconceito antigo em relação à formação técnica, o que inclui melhorar a remuneração salarial em comparação ao de profissionais que têm o superior.

“O Brasil ainda tem uma trajetória muito academicista, nem todas as atividades necessitam disso”, reforça Tavares. Ela amplia as observações sobre ensino médio no país, e faz críticas à proposta atual entregue pelo MEC ao Congresso — a qual considera um retrocesso. “É um ensino médio arcaico, cheio de disciplinas (13 componentes curriculares), que tem um olhar academicista e atrai muito pouco o jovem”, opina.

 

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Seção: Brasil