
Publicado em 04/10/2023 - 18:22 / Clipado em 04/10/2023 - 18:22
Pela quarta vez, aluno sofre racismo em escola de São Caetano
Thainá Lana
Caso aconteceu na unidade municipal Ângelo Raphael Pellegrino; pais registraram boletim de ocorrência e pretendem processar a instituição por negligência
Pela quarta vez em dois anos, um estudante de 12 anos foi vítima de racismo na Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Ângelo Raphael Pellegrino, em São Caetano. O último episódio aconteceu na sexta-feira (29), quando um estudante mais velho teria associado a vítima, Matheus Santos de Jesus, a uma pessoa oriunda do continente africano. Os pais do jovem realizaram BO (Boletim de Ocorrência) sobre o caso.
Segundo o pai do menor, Luiz Fernando de Jesus, 54, Matheus está psicologicamente abalado após o ocorrido e não quer mais retornar à escola. A família solicitou a transferência para Emef Leandro Klein, pois, segundo o responsável, a unidade trabalha com conteúdos mais amplos sobre diversidade. A Seduc (Secretaria Municipal de Educação de São Caetano) negou a vaga, e o jovem segue sem estudar até o momento.
“Ele estava comendo um lanche esperando a van escolar buscar ele na quadra quando um aluno do 9° ano passou e falou para ele, em voz alta. ‘‘Nossa, Matheus, está comendo? Você nem parece africano’. Ele mandou imediatamente um áudio para mãe dele e me ligou falando do ocorrido. Essa é a nossa orientação para os nossos quatro filhos, caso eles sofram algum tipo de agressão racista, seja física ou verbal, eles devem imediatamente falar em voz alta sobre o ocorrido para que todos saibam, procurar um adulto e nos ligar”, conta o pai.
Em uma publicação no Instagram, curtida por mais de 5.400 usuários, a mãe da vítima, Patrícia Santos, postou um vídeo com o áudio enviado pelo menino após ter sido vítima de racismo.
“Por favor, mãe, me tira daquela escola, eu não aguento mais. Não importa para qual escola eu vá, só me tira do Peregrino. É muita dor de cabeça lá, é muito sofrimento. Eu não quero sofrer de novo. Eu preciso sair daquela escola”, desabafou o garoto aos prantos.
Além do BO registrado, o pai de Matheus diz que a família irá acionar o MP (Ministério Público), e que pretende processar a escola por negligência. “Não vou permitir que eles fiquem o massacrando desse jeito, não vou deixar que o racismo destrua meu filho. O ambiente escolar tem que ser um lugar acolhedor, não um local de opressão”, desabafa.
Procurada, a Secretaria de Educação de São Caetano não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta reportagem.
OUTROS CASOS
Segundo denuncia Luiz Fernando, mais três casos de racismo contra seu filho ocorreram na mesma escola. O primeiro foi notificado no ano passado, quando outro estudante teria trocado a letra de uma música e substituído a palavra ‘preto’ pelo nome do Matheus.
Ainda em 2022, o episódio de preconceito teria sido praticado por um professor de história, que estaria ignorando o aluno propositalmente por ele ser preto, conforme afirma o pai.
“Esse docente foi o único a fazer apontamentos contra o meu filho, como se ele fosse indisciplinado. Sendo que o Matheus só tem notas altas e elogios dos outros professores. Na verdade, ele ignorava meu filho durante as aulas, o Matheus ia tirar dúvidas e ele não respondia, mas respondia os outros alunos. Quando questionei a direção, o professor alegou que tinha se confundido e trocado as notas com outro estudante. O Matheus era o único estudante preto na sala, e estava sendo tratado com indiferença”, comenta Luiz Fernando.
No começo deste ano, Matheus foi novamente vítima de atos racistas. Conforme relata o familiar, o jovem estava na escada e descia para o intervalo quando encontrou outro garoto que perguntou se ele não “queria ser seu escravo” e disse que ele “deveria ser seu pet”. Na ocasião, a família abriu um BO e acionou novamente a direção da unidade de ensino.
“Desde 2021 que ele passa por terapia por conta desses episódios, isso tem abalado muito a autoestima dele, por mais que a gente fortaleça isso em casa. Meu filho é inteligente, gosta de estudar e tem boas notas, mesmo com essas macros violências que ele sofre na escola. Essa direção é cúmplice, uma vez que não faz nada. Eles colaboram para que isso fique se perpetuando, se repetindo. É inadmissível, não aconteceu apenas uma única vez, eles relativizam, dizem que é brincadeira de criança. Racismo não é brincadeira, é crime”, reforça.
HISTÓRICO
Além do Matheus, seus dois irmãos mais novos, de 7 e 9 anos, também foram vítimas de racismo na Emef Ângelo Raphael Pellegrino, em 2022. Conforme relata o pai, Luiz Fernando, uma professora teria repreendido o estudante Emmanuel Santos de Jesus por pintar um desenho da personagem Mônica com a cor marrom. “A docente disse que ele estava estragando o desenho ao pintar com aquela cor, mas é a cor da pele dele. É a representatividade que ele conhece, ele ficou super chateado porque não conseguia entender o que tinha feito de errado”, explica.
No caso de da filha Anyssa Santos de Jesus, o responsável relata que outra aluna teria falado que a menina teria “cor de cocô”. Após questionar a escola sobre o ocorrido, a coordenação se comprometeu a realizar um projeto na escola voltado para educação antirracista. Porém, segundo o pai, isso nunca ocorreu.
Veja abaixo documento assinado pela coordenação da escola:
REPERCUSSÃO NO LEGISLATIVO
Nesta terça-feira (3), o caso de racismo sofrido pelo estudante de 12 anos na Emef ngelo Raphael Pellegrino foi comentado na sessão da Câmara Municipal de São Caetano. A vereadora Bruna Biondi (Psol), do mandato coletivo Mulheres por Mais Direitos, falou sobre o ocorrido e cobrou providências da Seduc.
"Quero iniciar (a fala) demonstrando a minha indignação e solidariedade, porque mais uma vez nesta semana aconteceu um caso de racismo na rede municipal de São Caetano. Por diversas vezes subi nesta tribuna para falar destes casos e solicitar que a Secretaria de Educação tome providências. É um absurdo que situações como essa sigam acontecendo, somente com essa família que fez a denúncia já é a quarta vez”, comentou a parlamentar.
Bruna solicitou que medidas sejam adotadas pelo Executivo para oferecer suporte às vítimas. “A Seduc precisa urgentemente não só cumprir com maior rigor a lei 10.639, de educação antirracista, como também é muito urgente que garanta protocolos para quando casos de racismo acontecem. Nossas crianças estão adoecendo, estão constrangidas e estão receosas de ir às escolas. Enquanto isso, não temos um CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) infantil para garantir o acompanhamento psicológico desses jovens”, pontuou.
Além da vereadora, o parlamentar Caio Salgado (PL) também se pronunciou sobre o tema. O vereador destacou que irá se reunir nesta quinta-feira (5) com a secretária Minea Paschoaleto Fratelli para discutir as medidas que serão adotadas sobre o caso.
“Faço parte do Conescs (Conselho da Pessoa Negra de São Caetano) e estamos pensando em vários trabalhos para minimizar esse preconceito através da construção de políticas públicas efetivas. Houve um trabalho nesta escola para debater o racismo, mas ainda não é suficiente, precisamos avançar muito. A escola não ensina você a ser preconceituoso, estamos falando de crianças, isso se aprende em casa, com a sociedade e no dia a dia, a escola é apenas o reflexo”,
Veículo: Online -> Site -> Site Diário do Grande ABC - Santo André/SP
Seção: São Caetano