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Publicado em 01/09/2023 - 08:20 / Clipado em 01/09/2023 - 08:20
Chegou a vez do Metaverso Industrial?
Redação
Fábio L. Gomes, Bacharel em Ciência da Computação e mestre em Gestão para a Competitividade (MPGC-TI) pela FGV EAESP. Gerente de alianças e parceiros de negócio da Dassault Systèmes para América Latina, professor convidado da FGV EAESP e membro do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada (FGVcia)
Eduardo de Rezende Francisco, Professor de GeoAnalytics, Chefe do Departamento de Tecnologia e Data Science da FGV EAESP e fundador do GisBI
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em parceria com a SPI Integradora, reuniu universidades e grandes empresas de tecnologia, tais como: NVIDIA, NOKIA, Qualcomm, Dassault Systèmes, Universal Robotics, Siemens, entre outras, em um novo hub de Inovação, na cidade de São Caetano do Sul, em São Paulo, que objetiva a qualificação e a disseminação de soluções baseadas nas principais tecnologias da indústria 4.0.
O MetaIndustry Lab ou MetaIndustria, como foi apresentado durante seu lançamento oficial na sede da ABDI em Brasília, no último dia 30 de agosto, se destaca de outros hubs de inovação por hospedar soluções baseadas nos conceitos de gêmeos digitais e metaverso, implementados de modo orientado à resolução de problemas das empresas brasileiras, e modularizados de modo a serem replicáveis. A seleção e priorização dos problemas a serem solucionados pelo HUB são da responsabilidade de um comitê composto por diferentes universidades do país e pelas empresas General Motors, Nestlé, Braskem, Petrobras, Dexco, Aché Laboratórios Farmacêuticos, entre outras.
Essa iniciativa é uma grande evidência da relevância do tema, mas não a única, uma vez que há outros fortes indicativos de que não é somente para esse grupo do MetaIndustry Lab que chegou a vez do Metaverso Industrial.
O Grupo Renault e a Hyundai Motor, por exemplo, anunciaram recentemente seus projetos e expectativas. Pesquisas mais recentes, também relevam essa tendência. A Gartner estima que o mercado de gêmeos digitais atingirá o volume de negócios de US$ 183 bilhões até 2031. A ABI Research projeta o potencial de mercado para o metaverso industrial em US$ 100 bilhões até 2030. E a pesquisa The Metaverse At Work, realizada pela Nokia em parceria com a consultoria Ernst & Young, ao consultar 860 líderes empresariais de 6 países, anotou que 58% dos entrevistados que planejam ingressar no Metaverso, já realizaram ao menos um programa piloto.
Acertadamente e em linha com esta tendência, o recém reinaugurado Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) - colegiado vinculado à presidência da república e presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) , definiu como uma de suas missões a "Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade", sendo assim parte fundamental de uma nova política industrial, denominada NeoIndustrialização, que pretende orientar o investimento na ordem de R$ 106 bi, nos próximos 4 anos.
Mas o que é o metaverso industrial?
O termo metaverso foi cunhado em 1992, no romance de ficção científica Snow Crash, onde Neal Stephenson apresentou um futuro distópico no qual as pessoas desapareciam regularmente no "Metaverso". O termo metaverso é uma combinação do prefixo "meta", que significa além, e "universo", e foi razoavelmente popularizado pelos tabloides, mas sobretudo por jogos ou ambientes digitais como Second Life, Fortnite, Decentraland, entre outros.
Discutimos aqui no blog o tema no artigo "Gêmeos Digitais: O Metaverso das Cidades Inteligentes?", em junho de 2022, na oportunidade da coautoria entre Flavio Yuaça, Rubens de Almeida e Eduardo Francisco. Na ocasião, o contexto subjacente, que retrata a discussão mais tradicional liderada pelo setor de tecnologia, é considerar o ambiente digital que abarca pessoas, empresas e serviços. No contexto industrial, estávamos engatinhando na reflexão.
Mais recentemente, o metaverso se tornou aposta central do Facebook, atual Meta, rebatizada em sua referência, mas que após inúmeras críticas, descrença e perdas substanciais de valor de mercado, orbita num futuro de incerteza.
Se para o mercado B2C o futuro do metaverso é incerto, ou ao menos é certo de que já não há mais um Hype, para o setor corporativo no segmento B2B, parece estar mesmo ganhando tração.
A consultoria McKinsey, em artigo recente, expôs sua visão de viveremos num "mundo onde as linhas entre ambientes físicos e digitais se confundem". Define, ainda que de modo bastante genérico e aspiracional, o Enterprise Metaverso como sendo "um ambiente digital e muitas vezes imersivo que replica e conecta todos os aspectos de uma organização para otimizar experiências e tomadas de decisão".
Nesse metaverso corporativo da McKinsey, os ativos, processos e pessoas, dentro ou relacionados a uma empresa, serão replicados virtualmente e estarão conectados, resultando num ambiente de trabalho onde as atividades e relações ocorrerão digitalmente, por meio de experiências imersivas, permitindo que sejam explorados ou vivenciadas inúmeras experiências que farão uso de dados do mundo real, obtidos em tempo real e analisados e simulados com apoio da IA.
Aderente a essas ideias, surge o Metaverso Industrial, o metaverso corporativo dos chãos de fábrica e das cadeias de fornecimento. Ele foi tema central apresentado este ano no principal evento do setor industrial, a Hannover Messe (a mesma feira onde, em 2011, o termo Indústria 4.0 foi oficialmente anunciado). A feira teve seu palco dividido entre o Metaverso Industrial, a inteligência artificial e a agenda de sustentabilidade, uma vez que para o evento, essas abordagens têm o potencial para resolver os problemas que ameaçam a economia global, seja por meio de ganhos substanciais de produtividade das corporações, seja pela inserção de novos produtos, tecnologias e processos produtivos aderentes aos requisitos de sustentabilidade e de descarbonização.
O Metaverso Industrial amplia a ideia dos sistemas cyber físicos da Indústria 4.0, constituídos por sistemas de produção "inteligentes" e interconectados, fortemente dependentes de automação, para ambientes virtuais imersivos, fortemente suportados pela inteligência artificial.
Imagine o gêmeo digital de uma fábrica que, através dos dados do consumo energético das suas máquinas, equipamentos, do sistema de ar-condicionado e do sistema iluminação, seja capaz de identificar aqueles ativos com consumo fora do padrão para reparos ou substituição. Ou que, através do emprego de métodos computacionais de simulação dinâmica de fluídos possa determinar as zonas de calor e dimensionar adequadamente o seu sistema de ar-condicionado, além de realizar análises preditivas de consumo de toda a operação.
Melhor ainda, imagine se essas capacidades fossem empregadas durante a fase de projeto de uma nova fábrica, possibilitado encontrar soluções mais eficientes energeticamente e com menor emissão de gases de efeito estufa, antes mesmo de se empilhar qualquer tijolo.
Ou o emprego de sensores acoplados a máquinas, equipamentos, a capacetes ou coletes, câmeras com suporte a visão computacional, capazes de detectar risco de colisões, lesões ou acesso indevido de um trabalhador às áreas de risco, o uso inadequado de equipamento de proteção ou a realização de operações e movimentos inapropriados.
As possibilidades não param por aí. Imagine que durante a fase de projeto de uma nova linha de produção, ou melhoria de uma existente, um gêmeo digital seja utilizado para encontrar o ótimo de produtividade, balanceando sua capacidade produtiva conforme demanda, e validando todos os procedimentos e operações, mitigando os possíveis riscos ao trabalhador, seja de natureza de operação da máquina, seja de transporte de materiais e ferramentas, seja de gestos e posturas. Uma vez que tenha se encontrado o ótimo operacional, o trabalhador poderia realizar treinamentos num ambiente virtual imersivo, de modo a estar apto a realizar suas atividades nesse novo local.
Câmeras inteligentes, fixadas nas paredes das fábricas, conectadas ou até mesmo acopladas a braços robóticos, podem fazer inspeções visuais para detectar falhas de fabricação dos produtos, tomando decisão e enviando comandos para que os robôs, de forma autônoma, encaminhando o produto para nova etapa da linha (ex: encaixotamento), ou removendo-o da linha, para revisão. Todos esses exemplos são casos de uso, dentre vários, que estão sendo desenvolvidos no MetaIndustry Lab da ABDI/SPI.
Mas os desafios e barreiras para adoção dessas tecnologias não são pequenos. Recente pesquisa apontou que 69% das indústrias brasileiras já fazem uso de tecnologia digital, mas ao se analisar o perfil das tecnologias adotadas, nota-se que ainda estão em uma fase inicial do processo de digitalização. Ainda bem distantes da idealizada Indústria 4.0 ou dos casos explorados pelo MetaIndustry Lab ADBI/SPI, salvo exceções, a exemplo do setor automotivo.
Entre os entraves apontados para adoção, o alto custo de implementação é a principal barreira interna, segundo 66% das empresas pesquisadas, seguido da falta de conhecimento, da clareza sobre os retornos sobre investimento e da estrutura e da cultura da empresa, empatados para 25% das empresas.
Ao se analisar as barreiras externas, para 37% das empresas pesquisadas, a falta de profissionais qualificados é a principal barreira, seguido da "Dificuldade para identificar tecnologias e parceiros", assinalada por 33%.
Conclusão
É fato que estas ideias parecem estar distantes da realidade atual, mesmo de países de economia avançada como Alemanha, e sobretudo de países emergentes como o Brasil. E talvez por isso, ainda não tenhamos uma visão exata das possíveis aplicações, viabilidade e benefícios do Metaverso Industrial. No entanto, parece ser ponto pacífico de que as tecnologias que o sustentam já existem e já estão disponíveis.
Além disso, examinando o arcabouço institucional em construção no Brasil, onde observa-se a soma de esforços de uma política industrial que visa viabilizar e orientar projetos de transformação digital para indústria, aliados à hubs de inovação como o MetaIndustry Lab ABDI/SPI, suportados por instituições de ensino atentas às novas competências e habilidades requisitadas, e convergentes a desafios concretos e orientados ao perfil das empresas brasileiras, é possível acreditar que o Metaverso Industrial encontrará no Brasil ambiente favorável para sua adoção e disseminação.
Ainda parece ser prematuro responder à pergunta deste artigo, com risco de se cometer um equívoco por mero entusiasmo. Não obstante, é possível afirmar que a ideia é boa e tem grande potencial, e, portanto, o Brasil está correto em persegui-la. Será que o metaverso industrial realmente chegou para ficar?
Vamos lutar por isso. Assim sendo, Mãos à obra!!!
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Seção: São Caetano