
Publicado em 16/06/2023 - 20:12 / Clipado em 16/06/2023 - 20:12
Plano Diretor em SP: nova versão facilita prédios mais altos em 9% da área urbana da cidade
Estudo do Insper diz que expandir o tamanho dos chamados eixos de transporte incentiva novos apartamentos em terrenos a até 25 minutos de metrô, trem e corredor de ônibus; proposta divide opiniões
Por Priscila Mengue
O projeto de revisão do Plano Diretor que será votado pelos vereadores na quarta-feira, 21, vai permitir a expansão de 5% para 14% no total da área urbana da cidade de São Paulo que poderá receber prédios sem limite de altura e com incentivos municipais atrativos para grande parte do mercado imobiliário. Estudo do laboratório Arq.Futuro, do Insper, divulgado nesta sexta-feira, 16, identificou que a proposta envolve 81,6 km², majoritariamente de imóveis a até 25 minutos a pé de estações de metrô e trem e de corredores de ônibus.
A mudança está no texto substitutivo apresentado pelo relator, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), aprovado em 1ª discussão no fim de maio. Uma nova versão será apresentada na segunda-feira, 19, dois dias antes da votação definitiva, mas, como o Estadão mostrou, os trechos que envolvem a expansão dos chamados “eixos de transporte” serão mantidos. A ampliação dependerá de alterações no zoneamento da cidade, o que será revisto pela Câmara nos próximos meses. Isto é, não entrará em vigor imediatamente se for promulgada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O Plano Diretor é a mais importante lei urbanística municipal, com uma série de regras e incentivos construtivos. Algumas das mudanças que a atual versão incentiva são evidentes na cidade, como a concentração da maioria dos apartamentos lançados perto de metrô, trem e corredor de ônibus, em distritos como Brooklin, Butantã e Pinheiros, justamente as áreas que poderão ser ampliadas. O atual está em vigor desde 2014 e a versão revisada permanecerá ao menos até 2029.
Uma das mudanças propostas para esses locais é que os incentivos municipais para a verticalização alcancem imóveis a até um quilômetro de distância da maioria das estações de trem e metrô. Hoje, esse limite é válido para quadras até 600 metros. No caso de corredor de ônibus, a influência de abrangência inclui quadras até 300 metros e passará a se estender para lotes até 450 metros.
A nova proposta permitirá que imóveis vizinhos em uma mesma quadra tenham regras distintas. Isto é, um terreno poderá receber prédios mais altos enquanto o vizinho ao lado (por estar a mais de um quilômetro) terá restrição maior. Hoje, como o raio incide sobre toda a quadra, as normas são mais uniformes. Em geral, áreas passíveis de maior verticalização são valorizadas.
Na prática, esses eixos de transporte poderão mais do que dobrar, pois hoje são de 51,5 km² e poderão ganhar mais 81,6 km² Outro motivo para a expansão é um trecho que destrava os incentivos para as quadras vizinhanças a corredores, Metrô e CPTM do entorno da Marginal do Tietê, como as Estações Lapa e Piqueri, da Linha 7-Rubi, e Santana, Carandiru e Portuguesa-Tietê, da Linha 1-Azul.
Originalmente, a ativação dependia de um projeto específico a a ser avaliado pelos vereadores. Como a Prefeitura não cumpriu todos os ritos dentro do prazo exigido, esses locais passarão a receber oficialmente os incentivos de eixo (prédio sem limite de gabarito e outros) até o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Tietê ser entregue (o novo prazo será 2024) e aprovado pela Câmara (sem data máxima fixada).
O Plano Diretor prevê esses incentivos para os eixos a fim de aumentar a construção de apartamentos e, consequentemente, a população que mora perto e é usuária frequente de meios de transporte coletivo. Além disso, em geral, são locais com maior oferta de infraestrutura, comércios, emprego e serviços, reduzindo os longos deslocamentos pela cidade. Na prática, contudo, ainda não há estudos suficientes para identificar se a lei conseguiu alcançar o objetivo, ainda mais diante do boom de microapartamentos e volume de empreendimentos de alto padrão em parte desses endereços.
Um dos autores do levantamento e professor no Insper, Adriano Borges Costa avalia que a expansão dos eixos territorialmente mantém o objetivo de aproximar a população do transporte, pois 25 minutos seriam uma distância “caminhável” ainda razoável na maioria dos endereços.
Por outro lado, ele critica que a expansão por lote, e não mais apenas por quadra. Além da questão de uniformidade em uma mesma quadra, avalia que abrirá brecha para uma falta de transparência, pois a ampliação dependerá de aprovação na Câmara pela Lei de Zoneamento ou um projeto à parte.
“É problemático. Abre espaço para decisões arbitrárias, negociações políticas e pode gerar um mecanismo de negociação individual, com casos de corrupção. É menos possível de controlar”, diz. “Uma pessoa pode comprar um lote na zona mista (fora de eixo) e pleitear o zoneamento como eixo”, exemplifica.
Além disso, não há orientações de como a mudança envolveria remembramentos de terrenos (fusão de um dentro de eixo e outro fora de eixo). “Vincular com quadra faz mais sentido urbanístico, porque tem características similares”, argumenta.
Coordenador do Arq.Futuro, com passagens pela Câmara como vereador e subsecretário estadual de Desenvolvimento Urbano, José Police Neto argumenta que a expansão mantém o conceito do Plano Diretor (de aproximar a população do transporte). “Não há conflito conceitual. A simulação está comprovando a aderência da revisão ao conceito original.”
Hoje, a maioria dos eixos está a 15 minutos a pé. Com a mudança, 95% estarão a até 25 minutos. “É uma aderência ao sonho parisiense, da lógica da cidade de 15 minutos (de cidade compacta, defendida pela prefeita Anne Hidalgo)”, compara.
Police Neto cita alguns locais que serão majoritariamente formados por eixos, como o distrito da Bela Vista, no qual poderá virar 72% do território. “Vai ser a nossa Ilha de Manhattan”, compara. Também destaca que impactará na periferia, como no entorno do monotrilho da zona leste, atraindo também a população que trabalha em municípios vizinhos, como São Caetano do Sul.
Em nota, o relator do Plano Diretor, Rodrigo Goulart, destacou que “ampliação do adensamento nos eixos não é fato consumado com a aprovação da revisão” e que será tratada na Lei de Zoneamento, “caso a caso, lote a lote”.
“O objetivo das mudanças propostas no substitutivo é corrigir distorções do Plano Diretor de 2014, mas, como se trata de uma revisão, manter o principal conceito da lei original, que é o adensamento seguindo os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, ou seja, as áreas ao longo do transporte coletivo”, destacou. “A ideia é incentivar a verticalização, mas de uma forma muito mais justa e qualificada, trazendo pessoas de todos os níveis sociais para morar perto do transporte.”
Ele salientou, ainda, que a CTLU vai avaliar “caso a caso a preservação histórica, cultural e de paisagem urbana e excluir dos eixos de verticalização áreas cuja importância seja comprovada”. “Isso sem deixar de lado o controle desse adensamento, pois foram incluídos no texto mecanismos de proteção para que a transformação proposta nos eixos pelo PDE em 2014 não cause uma verdadeira destruição de alguns bairros como se tem observado.”
Nº de andares de edifícios aumentou após lei
Outra pesquisa realizada pelo mesmo grupo neste ano apontou que o Plano Diretor potencializou a construção de prédios mais altos nos eixos de transporte. A média de andares subiu de 11,1 pavimentos, em 2013, para 16,4 pavimentos, em 2021.
Esse mesmo levantamento também já havia apontado que os incentivos municipais atraíram o mercado imobiliário para os entornos de metrô, trem e corredor de ônibus. Os eixos passaram a concentrar 54,1% dos lançamentos voltados ao público em geral de 2019 a 2021, ante 16,7% do período de 2013 e 2015.
Dados têm apontado que a transformação é maior em bairros de classes média e alta, como Brooklin, Butantã e Pinheiros, onde casas, sobrados e outros imóveis mais horizontais e de menor porte estão sendo substituídos por prédios altos. Porém há casos também em outras partes da cidade, como a vizinhança da Linha 15-Prata do Monotrilho, como Vila Prudente e São Lucas, na zona leste.
O conteúdo do substitutivo tem recebido críticas e apoios, além de dividir opiniões entre urbanistas, associações de moradores, setor imobiliário e vereadores. Entre as demais mudanças previstas, estão a ampliação do máximo de área construída permitida nos “miolos” dos bairros (de duas para três vezes a área do terreno), o pagamento da principal taxa pela pelas construtoras em execução de obras públicas e a determinação da implantação e expansão de novos parques – como a ampliação do Burle Marx, na zona sul paulistana, com a anexação de áreas de Mata Atlântica.
Veículo: Online -> Portal -> Portal Estadão
Seção: Estadão/São Paulo