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Publicado em 11/12/2025 - 09:50 / Clipado em 12/12/2025 - 09:50

Um novo marcador no sangue acusa a gravidade do câncer de próstata


Lúcia Helena Colunista de VivaBem

 

A gente tende a pensar no câncer de próstata ou no tumor de outro órgão qualquer como se fosse uma doença única, sempre igual. Mas só na próstata — para não escapar do foco desta coluna — podem existir cânceres e cânceres.

Alguns avançam em velocidade assustadora, exigindo medidas radicais, como retirar toda a glândula o mais rápido possível. São os casos agressivos. Outros marcham feito tartarugas, às vezes tão lentos que o paciente poderá morrer com ele, mas não por causa dele, se me entende. E existem aqueles que ficam no meio do caminho. Mas como saber qual é qual?

Não à toa, um trabalho publicado há menos de 20 dias na revista Cancers chama tanto a atenção. Realizado por uma dupla que mantém uma parceria científica há mais de 25 anos — o biólogo molecular e geneticista alemão Simeon Santourlidis, professor da Universidade Heinrich-Heine em Düsseldorf, e o urologista brasileiro Marcelo Luiz Bendhack, professor da Universidade Positivo, em Curitiba, no Paraná —, o estudo revela um novo marcador, isto é, um dedo-duro desse câncer.

Esse marcador pode entregar a presença e — mais! — a agressividade da doença tanto em uma biópsia à moda antiga, feita com uma amostra do tecido da próstata, quanto em uma biópsia líquida. Vamos descomplicar: pode encontrar respostas em um exame de sangue, um procedimento muito mais simples e que, cá entre nós, é feito com uma agulha mais amigável.

O nome do marcador é EpihTERT. A gente lê "epi-agá-tert". Não é uma molécula, nem uma substância, nada disso. Trata-se de um conjunto de modificações no gene hTERT, que tem papel central na história desse e de qualquer câncer.

 

E como fica o PSA?

O PSA (sigla de antígeno prostático específico) não perde seu valor. Dosado no sangue desde os anos 1980, ele aponta quem está com algo diferente na próstata quando seus níveis estão elevados. Talvez não seja um câncer, mas pelo menos o PSA coloca a pulga atrás da orelha e, assim, muitos homens correm atrás de outros exames e têm a sorte de descobrir a doença mais cedo.

Só que o PSA também não diz se o tumor cresce mais devagar ou não. De modo que, provavelmente, alguns pacientes passam por uma cirurgia sem tanta necessidade. "Quando o câncer é dos mais lentos, sempre há a possibilidade de a gente fazer uma vigilância ativa", diz o professor Marcelo Bendhack. Ele quer dizer, ficar de olho, repetindo exames de tempos em tempos para saber se o tumor continua na dele, quieto ou crescendo em câmera lenta.

O médico brasileiro também lembra que estamos na era dos tratamentos focais, que usam alguma energia, como a do ultrassom de alta intensidade, para destruir apenas o pedaço doente da glândula masculina, em vez de extirpá-la de vez, evitando algumas possíveis complicações.

Portanto, faz um tempão que a ciência buscava um marcador que pudesse contribuir não apenas para o diagnóstico precoce — o EpihTERT pode fazer isso também! —, mas para mostrar quais pacientes realmente merecem uma intervenção médica mais pesada. E parece ter encontrado isso agora.

 

O que é o EpihTERT

Imagine o nosso cromossomo como um cadarço de tênis com aquela ponta de plástico nas extremidades. No nosso material genético, esses dois pedacinhos seriam os telômeros. Eles simplesmente regulam a multiplicação da célula e vão ficando mais curtos sempre que isso acontece. São comparáveis a uma ampulheta: cada multiplicação celular é um grão de areia que cai, dando a noção do nosso tempo de existência.

Os telômeros, por sua vez, são regulados por um gene que traz a receita de uma enzima capaz de acioná-los. "Isso é importantíssimo durante o nosso desenvolvimento embrionário", conta o professor Simeon Santourlidis. Nesse período, os telômeros são bem compridos. Ora, faça ideia da velocidade com que as células do embrião precisam se multiplicar para dar conta de formar um corpo humano inteiro!

Mas, já distantes da barriga da mamãe, é bom que os telômeros peguem leve e funcionem em outro ritmo, encurtando-se vagarosamente. "O que não acontece quando uma célula se torna maligna", explica o cientista alemão. "Ela, então, se replica em uma velocidade muito maior que as sadias." E detalhe: os telômeros não se encurtam para frear a ambição do câncer de ser eterno.

O que o gene hTERT faz, aliás, não é novidade. Isso rendeu até Prêmio Nobel a três cientistas ainda em 2009. O que há de novo é que a dupla do pesquisador alemão com o brasileiro identificou áreas nesse gene que seriam como interruptores.

Se há interruptores ligados em determinadas áreas do gene, é câncer e ponto. "Só as células cancerosas têm essa ativação", garante o professor Santourlidis. E quanto maior a quantidade de "interruptores" ligados ali — "o que nós chamamos de metilação diferencial", ele ensina —, maior a agressividade do tumor.

"Desse jeito, conseguimos identificar padrões e saber em quais tumores as células não irão desistir de proliferar, havendo maior risco de metástase e de a doença voltar", completa o brasileiro Marcelo Bendhack. "O conjunto dessas modificações é que chamamos de EpihTERT", explica. Seguindo com a comparação, o EpihTERT seria um conjunto de "interruptores" ligados, dando gás para os telômeros desencadearem um crescimento desenfreado e a vontade de se espalhar pelo território do corpo humano.

Quando o marcador poderá ajudar?
Os pesquisadores acreditam que há várias possibilidades. Marcelo Bendhack exemplifica algumas delas. "Uma aplicação é no rastreamento do câncer", diz o urologista. "Muitas vezes, o PSA elevado pode significar outra coisa, como uma hiperplasia benigna, o crescimento da próstata. Mas se, junto com o PSA elevado, encontrarmos determinados padrões no EpihTERT, já saberemos que se trata de um câncer mesmo."

O novo marcador também poderá ser útil para monitorar a saúde de homens que fizeram um daqueles tratamentos focais — por exemplo, queimando o tumor, mas deixando o tecido ainda sadio da próstata em paz.

"Nesses pacientes, o PSA costuma sofrer alterações, ficando com níveis um pouco mais altos", explica o urologista paranaense. "E, de novo, muitas vezes nos indagamos se uma elevação mais acentuada é consequência da terapia ou se a doença está voltando." A amostra de sangue, então, servirá para a biópsia líquida, procurando os padrões do EpihTERT para tirar a dúvida.

Mas a grande expectativa é que esse marcador ajude urologistas e oncologistas na hora da decisão sobre a melhor maneira de tratar cada caso, ao mostrar qual a agressividade da doença de um jeito mais fácil, que é tirar um pouco de sangue.

Os padrões do EpihTERT podem até evitar alguns enganos cometidos quando os especialistas olham para o material coletado na biópsia tradicional. "Os médicos examinam amostras de seis regiões diferentes da próstata, mas em geral só conseguem ver, em cada uma delas, se existem células cancerosas ou não", explica o professor Bendhack. "Porém, se o EpihTERT de um tumor agressivo está em um tecido com resultado negativo de biópsia, isso quer dizer que a assinatura do câncer já está lá, embora ele ainda não tenha aparecido. É questão de tempo e isso alerta o médico responsável pela terapia focal que aquela região, que seria poupada, também precisa ser tratada."

Servirá para outros cânceres?
A dupla de pesquisadores, depois de provar que padrões diferentes de EpihTERT se relacionam diretamente com a agressividade do câncer, aguarda investimento para novos ensaios, a fim de que tudo isso vire rotina no rastreamento e no acompanhamento dos tumores de próstata. Aliás, os cientistas não descartam a cooperação de outras universidades alemãs e brasileiras.

E diga-se: os homens podem ser apenas os primeiros beneficiados com o novo marcador, já que os estudos neste momento focam na glândula deles. Afinal, as modificações que caracterizam o EpihTERT, flagradas no exame de sangue, podem denunciar que uma pessoa está com câncer — entenda, com qualquer câncer. Isso porque o enredo é sempre parecido, com células se multiplicando adoidadas e telômeros acionados a todo vapor. Mas investigar o marcador em tumores diversos será outro capítulo, quem sabe, dessa parceria entre Brasil e Alemanha.

 

https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2025/12/11/um-novo-marcador-no-sangue-acusa-a-gravidade-do-cancer-de-prostata.htm

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